Algumas linhas sobre o movimento de “desjudicialização” e os serviços extrajudiciais

Igor França Guedes e Guerreiro Arco de Melo

O sistema de justiça brasileiro vive atualmente uma realidade de acúmulo de processos que gera uma evidente sobrecarga em sua estrutura, o que o impede de desenvolver as suas atividades de maneira mais eficiente, e de oferecer melhores resultados à sociedade, que, dentre outros aspectos, podem ser sintetizados na redução do prazo para a prestação jurisdicional. Assim, soluções que possam garantir a melhoria da qualidade do trabalho da Justiça são estudadas e implementadas, com frequência. É nesse cenário que contamos com as medidas de“desjudicialização”.

A palavra, aparentemente estranha, ainda não está nos dicionários, mas remete ao incentivo à solução de conflitos por meio de métodos alternativos, evitando o ingresso de novos processos e reduzindo, gradualmente, o afogamento do Poder Judiciário. Um exemplo que identifica o processo pode ser percebido na Lei n. 9.307/1996. Também conhecida como Lei da Arbitragem, ela instaurou o rompimento com o formalismo processual e permitiu a resolução de litígios de forma alternativa e independente da jurisdição estatal, por meio da livre escolha de árbitros privados.

Os serviços extrajudiciais participam ativamente de todo esse processo que trata, na verdade, da modernização da Justiça brasileira. Os cartórios estão, gradativamente, ganhando atribuições específicas para conhecer sobre determinadas matérias, que até pouco tempo eram de exclusiva competência do Poder Judiciário. Não se trata de absorção de competência, mas da simples criação de mais uma alternativa, agora, na via administrativa, que está sendo facultada aos cidadãos. Assim, os procedimentos de retificação de área, a execução de créditos concedidos para a aquisição de imóveis, os inventários, divórcios, separações, partilhas, o protesto das certidões de dívida ativa (CDA) e, recentemente, os requerimentos de usucapião, passaram, gradativamente, a ser realizados pelos cartórios, de forma mais ágil.

Para ficar nos casos mais emblemáticos, dentre os exemplos mencionados, pode-se citar a edição da Lei n. 9.514/1997 (Lei de Alienação Fiduciária), criada por ocasião da denominada crise da hipoteca, após a edição da Súmula 308, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa Lei constituiu um importante marco no movimento de desjudicialização, pois sistematizou a execução extrajudicial para o pagamento de dívida, a ser realizada nos cartórios de Registro de Imóveis. A alienação fiduciária em garantia se tornou, ao longo do tempo, a mais importante fórmula jurídica de garantia à concessão do crédito imobiliário, devido à eficiência e a agilidade na recuperação do crédito.

Recentemente, com as alterações promovidas pela Lei n. 13.465/2017, instituiu-se a citação por hora-certa e a intimação na portaria (de condomínios edilícios e em outros conjuntos imobiliários com controle de acesso), tornando a intimação para a purgação da mora mais efetiva e evitando as longas querelas judiciais promovidas por ocasião da intimação por edital. A citada Lei também esclareceu que a purgação da mora, pelo devedor-fiduciante, poderá ser realizada até a data da averbação de consolidação da propriedade imobiliária, momento após o qual lhe restará o direito de preferência frente aos demais interessados no bem, cuja faculdade deverá ser exercida até a data do 2º leilão.

Quanto aos cartórios de Protesto de Títulos e Documentos a inovação surgiu com a Lei n. 12.767/2012, que incluiu a certidão de dívida ativa (CDA) no rol dos títulos passíveis de protesto. Afirmada a sua constitucionalidade, a mudança permitiu maior retorno financeiro, com menos custos. A medida ainda incrementa a arrecadação dos Poderes Públicos e contribui para a redução do elevado volume de execuções fiscais, que atormentam as varas especializadas na matéria, racionalizando a gestão das execuções fiscais ingressadas pelas Fazendas Públicas. Em Goiânia, já foi possível recuperar cerca de R$ 261 milhões, em cerca de 3 anos, com o protesto das certidões de dívida ativa.

Os serviços notariais também participam ativamente do processo de desjudicialização, especialmente no que diz respeito à Lei n. 11.441/2007, que já completou dez anos, neste ano. Desde então, inventários, partilhas, separações e divórcios passaram a ser realizados, administrativamente, no próprio Cartório de Notas. Estima-se, de acordo com pesquisas realizadas pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, que, desde 2007, em todo o país, a medida já representou uma economia ao erário brasileiro em torno de R$ 4,0 bilhões.

Outro passo importante foi dado com a modernização da lei processual civil, que passou a permitir a usucapião administrativa (forma de aquisição de um bem por meio da posse pacífica e ininterrupta do mesmo, dentro dos prazos determinados pela lei). Lavrada a Ata Notarial no Tabelionato de Notas, o registro do ato e a consequente constituição da propriedade serão processados diretamente no cartório de Registro de Imóveis onde estiver situado o bem. A medida reduz prazos e contribui para a formalização dos direitos de propriedade, além de conferir estabilidade jurídica às situações consolidadas no tempo e inserir o imóvel no mercado de crédito, estimulando a economia.

*Igor França Guedes é oficial do Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição de Goiânia

*Guerreiro Arco de Melo é o oficial substituto