A redução da hipoteca nas operações de crédito

É consabido que parte expressiva do setor agropecuário depende de crédito para custeio e investimento periódicos. Ocorre que os credores, quando da formalização dos empréstimos, exigem, em regra, garantias em excesso, limitando demasiadamente a capacidade de endividamento dos produtores, o que, por sua vez, compromete o ciclo da própria atividade.

Nas operações de crédito rural, tendo em vista a expressividade do valor dos financiamentos e as incertezas econômicas e naturais inerentes ao setor, são exigidas, em regra, garantias hipotecárias, como forma de resguardar a preferência na satisfação de tais créditos.

Recordamos inicialmente que a hipoteca se trata de um direito real de garantia pelo qual se vincula determinado bem a satisfação de uma dívida, ou seja, o credor obtêm a preferência de ter a satisfação do seu crédito resguardada na hipótese de inadimplência. Tal garantia abrange a totalidade do bem, inclusive suas benfeitorias.     

Atualmente, se um produtor possui um único imóvel rural e este é dado em garantia hipotecária de um financiamento e, se, por circunstâncias adversas, torna-se inadimplente, o mesmo entra em uma zona de risco, muitas vezes, irreversível, eis que pode ser que a partir de então não consiga obter mais crédito para financiamento da sua produção, pois o seu único bem, já se encontra gravado com uma garantia hipotecária, a qual por sua indivisibilidade atinge todo o imóvel. E ainda que o produtor esteja em dia com o seu financiamento, caso necessite obter mais crédito para investimento e custeio, igualmente não consegue obter, pelo fato da hipoteca já existente abranger a totalidade do seu bem.

Nas relações obrigacionais em geral, especialmente as relativas ao crédito rural, deve se observar sempre, impreterivelmente, o princípio da função social do contrato, bem como ser refletido e ponderado o direito do credor de ter seu crédito devidamente garantido, e o direito do mutuário de não sofrer as graves consequências da garantia excessiva.

Partindo dos fatos e premissas apontados acima, uma alternativa para os produtores rurais é a liberação parcial da hipoteca nas hipóteses em que: (I) o imóvel hipotecado valoriza-se de forma expressivamente superior à dívida; (II) ocorrer a realização de pagamentos parciais; e (III) na revisão judicial da dívida, ser determinado a redução do valor devido.

As hipóteses apontadas acima, de forma ilustrativa, possuem como denominador comum, a necessidade de redução da garantia hipotecária, quando ocorre uma desproporcionalidade entre o valor atualizado da dívida e o valor de mercado do bem dado em hipoteca, ou seja, se a dívida atualizada é de R$100.000,000 (cem mil reais) e o imóvel está valendo R$1.000.000,000(um milhão de reais), por exemplo, e o mesmo comporta cômoda divisão, neste caso é óbvia a desnecessidade da hipoteca continuar recaindo sobre todo o imóvel.    

Nos termos dos incisos II e III do art. 3° da Lei n° 4.829/65, são objetivos específicos do crédito rural:

“II – favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários;
III – possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios;”
    
Destacamos que nos termos da norma acima transcrita é objetivo específico do crédito rural favorecer o custeio e possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais.

O Decreto-Lei n° 167/67, que regulamenta os títulos de crédito rural, dispôs de forma tímida em seu art. 63 o emitente poderia dispor de parte ou de todos os bens dados em garantia. Vejamos:

“Art 63. Dentro do prazo da cédula, o credor, se assim o entender poderá autorizar o emitente a dispor de parte ou de todos os bens da garantia, na forma e condições que convencionarem.”

Todavia, como a norma prevê a dependência da autorização do credor, inexiste benefício ao produtor, posto que na prática dificilmente os credores abrem mão das garantias instituídas, por mais excessivas que sejam.

Já a Lei 9.138/95, que dispõe sobre o Crédito Rural, constou em seu art. 5°, inciso VI, que:

“VI – caberá ao mutuário oferecer as garantias usuais das operações de crédito rural, sendo vedada a exigência, pelo agente financeiro, de apresentação de garantias adicionais, liberando-se aquelas que excederem os valores regulamentares do crédito rural;”

No referido dispositivo já houve uma carga de cogência, ou seja, a liberação das garantias que excedessem a quantidade necessária para garantia da dívida, deveria (e devem!) ser obrigatoriamente liberadas. Todavia, não foi estabelecido nenhum parâmetro objetivo sobre as condições e formas para se proceder a liberação em comento, o que tornou inócuo o dispositivo, eis que ausente tal regulamentação as instituições financeiras se negam a promover a liberação. A questão ora apontada foi ressaltada no parecer da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, sobre o Projeto de Lei n° 1.843-A/2007, a seguir mencionado:

“Não é de hoje que se busca disciplinar a liberação de garantias excedentes vinculadas aos contratos de financiamento rural. Com a renegociação de dívidas estabelecida pela Lei nº 9.138, de 1995 e pela Resolução nº 2.471, de 1998, a liberação de garantias excedentes já havia sido permitida, entretanto, as instituições financeiras continuaram a rejeitar pedidos ou alegar a falta de regulamento para promover a liberação ou substituição das garantias, problemas estes que o referido projeto tenta minimizar.”
        
Por fim, tem-se de forma expressa e inequívoca no art. 59, I e II da Lei 11.775/2008, que regula as operações de crédito rural, que:

“Art. 59. São asseguradas ao mutuário de operações de crédito rural:
I – a revisão das garantias;
II – a redução das garantias em caso de excesso.”
O dispositivo legal retro transcrito prevê expressamente que é assegurado a todos os mutuários de operações de crédito rural, a possibilidade de revisão e redução das garantias, caso excedentes.

Ocorre, todavia, que novamente, pecou referida norma pela falta de especificidade quanto aos parâmetros objetivos pelos quais poderia ser realizada tal redução. Tais parâmetros, neste momento, estão sendo objeto de proposta legislativa, em tramitação da Câmara dos Deputados.
 
O Projeto de Lei n° 1.843-A/2007 dispõe de forma coercitiva, que as instituições financeiras deverão liberar parcialmente as hipotecas referentes a propriedades rurais dadas em garantia de operações de crédito rural:

“Art. 1º Esta Lei torna obrigatória a liberação parcial de hipotecas referentes a propriedades rurais dadas em garantia de operações de crédito rural.
Art. 2º Ficam as instituições financeiras obrigadas a liberar, no percentual exato do montante amortizado, hipotecas referentes a propriedades rurais dadas em garantia de financiamentos no âmbito do crédito rural.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente a amortizações que, isolada ou cumulativamente, sejam iguais ou superiores a trinta por cento do valor da dívida objeto da garantia hipotecária.”

Pelo disposto no projeto de lei acima, tem-se que: (I) a partir do momento que o produtor pagar 30% ou mais da dívida garantida por hipoteca, poderá ele requerer a redução da garantia; e (II)a liberação deverá ser realizada na proporção do valor já quitado da dívida. Tendo em vista ainda, evidentemente, o valor de mercado do imóvel, no momento da redução.

Destaca-se que constou no Parecer da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, sobre o projeto em epígrafe que:

“A iniciativa de propor medidas para liberação de garantas em operações de crédito rural, na proporção em que as amortizações vão sendo realizadas, limitada ao mínimo de 30% isolada ou cumulativamente, demonstra a preocupação que o Autor teve, com a demanda de milhares de produtores, que mesmo amortizando semestral ou anualmente as parcelas de suas dívidas, continuam com a totalidade de seu patrimônio vinculado como garantia de contrato rural.”

É patente, portanto, a necessidade de uma norma prevendo e regulamentado a redução da garantia hipotecária, no crédito rural.

No mesmo sentido dispõe o Projeto de Lei n° 4.171/2008, em tramitação na Câmara dos Deputados.

A crítica que fazemos aos referidos projetos ora em tramitação, concerne ao fato de não preverem como hipótese de redução, aquelas em que houver expressiva valorização do imóvel por causa natural ou obra humana, de modo em que igualmente se vislumbre desnecessária e desarrazoada a manutenção da hipoteca sobre a integralidade do bem, poderia, portanto o legislador, inserir tal hipótese de redução. Entendimento análogo a este foi adotado no Direito Português.

Registramos ainda, que as hipóteses de redução de hipoteca, não deveriam se restringir apenas as operações de crédito rural, mas as demais espécies de dívidas, desde que divisíveis os bens hipotecados, ou se tratar de unidades imobiliárias autônomas.

A título ilustrativo, faremos alguns notas sobre o Direito Comparado.

O art. 2.873 do Código Civil Italiano dispôs sobre a possibilidade de redução, de forma proporcional, da hipoteca quando os pagamentos parciais realizados pelo devedor representarem mais de 20% da dívida original. Determinado que o devedor poderá requerer a redução da hipoteca, proporcionalmente a quantidade necessária a garantia do saldo remanescente.

Já no Código Civil Português, em seu art.720, que positivou a Redução Judicial da Hipoteca, é disposto que poderá ser pleiteada a redução, caso tenha ocorra o pagamento de 1/3 da dívida, ou seja, 33%  da dívida – regra essa bastante similar a adotada no projeto em tramitação no nosso Congresso Nacional. E, ainda, há uma segunda hipótese, na qual se em virtude de acessões naturais ou benfeitorias, o bem hipotecado tiver valorizado em mais de 1/3 do seu valor à data da constituição da hipoteca, igualmente, poderá ser requerida sua redução.

Estes são os breves e sucintos apontamentos que entendemos pertinentes sobre a matéria, a qual necessita de um maior debate no meio acadêmico, e uma adequada positivação pelo poder legislativo.
    
*Leandro Marmo Carneiro Costa é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-Brasília). Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB-GO.