A importância do advogado no equilíbrio entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico do Brasil

Marcelo de Castro Dias

A Constituição Federal de 1988 foi um marco histórico no ordenamento jurídico brasileiro para questão ambiental, elevando a preservação ambiental ao patamar constitucional, com previsão no art. 225 de que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, sendo que, o  § 3º do referido artigo estipulou o mecanismo para seu cumprimento, ao determinar que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Isso quer dizer que o infrator ou poluidor será responsabilizado com sanções administrativas, como multa e embargo de atividade econômica, e responderá ainda criminalmente pelos seus atos, e de forma concomitante, será condenado a indenizar e recuperar os danos, na esfera civil, sendo adotado em nosso ordenamento jurídico a responsabilidade civil objetiva pelos danos ambientais, ou seja, não há necessidade de se provar a culpa, apenas o dano e nexo de causalidade.

Vê-se a gravidade que pode ocasionar as condutas lesivas ao meio ambiente, ocorrendo, porém, que os principais agentes que a norma acaba incidindo são as indústrias, empreendimentos imobiliários, produtores rurais, e os próprios entes públicos, quando no fomento ou exercício de atividade econômica, portanto, os agentes de desenvolvimento econômico do país.

Por outro lado, perpassa por todo texto constitucional a necessidade, óbvia, do desenvolvimento econômico e tecnológico do país, tanto no meio urbano como rural, na qual podemos citar, dentre outros,  o art. 3º, inciso II da CF, que indica como objetivos da república, garantir  o desenvolvimento  nacional, tem-se ainda o § 1º do art. 174 da CF, na qual determina que a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

Esse desenvolvimento nacional equilibrado, trata-se do almejado Desenvolvimento Sustentável, previsto implicitamente na Lei Federal 6.938/81, devidamente recepcionada pela CF. preceituando que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, e ainda racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais, dentre outros.

O princípio do desenvolvimento sustentável tem ainda previsão implícita no art. 170, VI da CF e é explicitada no Princípio 04 da Declaração do Rio que preceitua: para se alcançar um desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada separadamente.

O Mestre em Direito e Profº da PUC/SP, Marcelo Abelha Rodrigues, afirma que o princípio do desenvolvimento sustentável busca, para o progresso econômico e social, que seja mais racional a utilização dos recursos ambientais, de forma a não apenas satisfazer as necessidades das gerações presentes, mas também não comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades (Direito Ambiental, 2 Ed., Saraiva, pg. 308).

Por fim, o artigo 3.º, II, da Lei Complementar 140/2011, que trata da divisão de competências dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) na esfera de proteção e fiscalização ambiental,  traz o lado social desse princípio, e diz que  a atuação ambiental comum dos entes federativos terá como objetivo fundamental garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.

Mas esse difícil equilíbrio na busca do desenvolvimento sustentável, vem gerando conflitos de natureza ideológica e pragmática, entre os agentes econômicos e o órgãos públicos encarregados da proteção e fiscalização ambiental (IBAMA), conflitos esses que se replicam nos demais entes federados, Estados, Distrito federal e Municípios.

De um lado os agentes econômicos, em especial os produtores rurais, tem reclamado bastante do rigor excessivo que são tratados pelos órgãos de fiscalização ambiental, com multas de valores excessivos e desnecessárias, que atravanca e onera excessivamente o desenvolvimento nacional, criando um cultura punitivista, com delegação excessivamente discricionária ao agente público na aplicação de multas, inibindo a atividade econômica, a quem deveria receber incentivos do governo por estar empreendendo.

E de outro lado os órgãos de fiscalização ambiental, e as entidades não governamentais de defesa do meio ambiente, bem como organismos internacionais de preservação ambiental, em especial de combate ao desmatamento, e ambientalistas em geral, que exigem o respeito a constituição federal, e aplicação severa da lei pelos fiscais. E os fiscais ou agentes de fiscalização que alegam estar cumprindo a legislação ambiental e aplicando a lei.

Nessa queda de braço já houve uma mitigação das exigências ambientais, com a aprovação do Novo Código Florestal (Lei Federal 12.651/12 e suas diversas alterações legislativas) que minorou exigências preservacionistas, o que agradou a setores produtivos. Mas o acirramento continua a existir.

Então a pergunta que não quer calar, quem tem razão nessa perlenga? Na minha singela opinião, com a experiência de advogado militante na área ambiental a mais de 15 anos, com oportunidade ter sido procurador chefe do órgão ambiental do município de Goiânia e Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/GO, entendo que nenhum dos dois lados tem razão. E por mais contraditório que possa parecer, os dois lados tem razão.

Explico, os agentes de fiscalização ambiental dos órgãos governamentais têm razão quando dizem que a legislação ambiental tem de ser aplicada, não podendo ter condescendência a quem quer que seja.

Porém, os agentes econômicos, em especial os produtores rurais, ficam com a razão quando dizem que há um recrudescimento dos agentes fiscais na aplicação da legislação ambiental, sem a devida proporcionalidade e razoabilidade. E ainda, entendo que a edição do Decreto Federal nº 6.514/08, em alguns aspectos incentiva esse punitivismo.

Como exemplo, podemos citar o art. 72, inciso I da Lei 9.605/98, que fala que a infração administrativa será punida com advertência, e somente após, no inciso II com multa simples. Sendo o § 3º do mesmo artigo categórico em dizer que a multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo, advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente.

Os agentes de fiscalização descumprindo esta regra, aplicam diretamente a multa nos produtores rurais, sendo que chegando nos tribunais a querela, a  jurisprudência de forma oscilante, ora entendia ser obrigatória primeiramente a aplicação da advertência, ora não, porém o Superior Tribunal de Justiça – STJ, vem  entendendo como desnecessária a autuação por advertência para correção do dano, para somente então aplicar a penalidade multa, como no AgInt no AREsp 1141100/ PE, rel. Ministro Sérgio Kukina.

Ao meu ver, a advertência só poderia ser desnecessária em casos excepcionais e graves, ou de reincidência específica, devidamente justificado pelos agentes fiscais, podendo até proceder o embargo da atividade se necessário, começando aí o desvirtuamento da intenção da Mens legislatoris, que não indicava como prima facie, serem os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, tanto a nível  federal, como estadual e municipal, ter o viés arrecadatório de recursos para o Estado, e sim órgãos de prevenção, recuperação e educação ambiental.

Indo nessa toada, o mencionado Decreto Federal 6.514/08, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), em seu art. 5º, normatiza que a advertência é uma sanção aplicada às infrações de menor potencial ofensivo, e que seriam aquelas que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00, ou que, no caso de multa por unidade de medida, a multa aplicável não exceda o valor referido.

A Lei 9.605/98 não estipulou qualquer valor ao exigir que a multa simples seja aplicada após a advertência, sendo por isso motivo de críticas, pois criou um limite não previsto em lei, extrapolando na sua função de regulamentar.

Pode parecer pouco, mais a advertência, antes da multa, é ponto nevrálgico da legislação ambiental, pois a advertência ressalta o caráter preventivo, de recuperação ambiental e educacional dos órgãos ambientais, em detrimento a mera sanha arrecadatória.

A multa é sanção administrativa ambiental com caráter pecuniário, cujo valor pode variar de R$ 50,00 à R$ 50.000.000,00. Temos que a dosimetria das multas ambientais aplicadas pelos agentes públicos, acima do mínimo legal previsto para cada tipificação descrita no Decreto Federal, a infratores não reincidentes, é também preocupante na seara atual, sendo muitas vezes desproporcional e irrazoável.

Nesse contexto a presença do advogado nos procedimentos administrativos ambientais de todos entes federados, complexos, e que inexoravelmente geram reflexos nas esferas criminal e de responsabilidade civil objetiva pelo dano, deve ser condição sine qua non para o respeito do devido processo legal, e ao contraditório substancial, de multas que podem chegar a valores de altíssima monta.

Questão mais delicada ainda é a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta, os conhecidos TAC´s, que são negócio jurídicos com eficácia de título executivo extrajudicial, nos termos do parágrafo 6º do artigo 5º da Lei 7.347/85, onde o contribuinte assume diversas obrigações e compromissos de condutas, que se descumpridas são motivos de severas multas, fazendo uma espécie de confissão do ilícito perante o parquet, onde a presença do advogado na sua assinatura, para orientação jurídica é imprescindível.

Com o novo CPC, os métodos conciliatórios ganharam destacada importância, o parágrafo 3º do artigo 3º infirma que os operadores do direito dentre eles os advogados, devem estimular a resolução consensual dos conflitos.

Isso vai ao encontro da necessária criação de Câmaras de Conciliação para composição de conflitos dentro da estrutura dos órgãos ambientais, já previstas em outros países, observando o direito comparado, para onde as multas tem de ser encaminhadas, antes da apresentação de defesa, e também com a presença de advogado.

Esse veio punitivo dos órgãos ambientais, não vem resultando em melhorias na qualidade ambiental, apenas acirramento dos ânimos. A cultura tem de mudar e o advogado é peça importante nessa questão.

Exemplo a ser observado é o existente no Decreto nº 60.342, de 04 de abril de 2014 que dispõe sobre o procedimento para imposição de penalidades, no âmbito do Sistema Estadual de Administração da Qualidade Ambiental, Proteção, Controle e Desenvolvimento do Meio Ambiente e Uso Adequado dos Recursos Naturais – SEAQUA, no Estado de São Paulo.

Foi implantado nessa unidade da federação uma espécie de juízo de prelibação dos autos de infração ambiental, na qual primeiramente, lavrada a infração ambiental, o infrator é notificado a comparecer em audiência de Atendimento Ambiental, conforme dicção do Artigo 4º do referido Decreto.

Esse Atendimento Ambiental, será realizado entre 10 (dez) a 40 (quarenta) dias após a intimação da lavratura do Auto de Infração Ambiental (art. 7º), e ainda, nesse ato serão consolidadas as infrações e as penalidades cabíveis, bem como propostas as medidas para a regularização da atividade objeto da autuação, observadas as circunstâncias agravantes e atenuantes a que se referem a Lei federal nº 9.605/98 (art. 8).

Continuando, a consolidação das infrações e das penalidades ocorrerá de forma motivada, após prévia análise do Auto de Infração Ambiental, e não estará vinculada às sanções aplicadas pelo agente autuante, inclusive no tocante ao valor da multa, que poderá ser reduzido, mantido ou majorado, respeitados os limites legais. (Parágrafo único)

Farão parte desse Atendimento Ambiental representantes de outros órgãos integrantes da estrutura governamental, indicados por portaria pelo chefe do poder executivo. Nesse Atendimento Ambiental serão analisados, dentre outros, os argumentos invocados pelo autuado e indicação dos documentos apresentados; a avaliação do Auto de Infração Ambiental, devidamente motivada; a decisão consolidando as infrações e penalidades aplicadas, assim como as medidas propostas para a regularização da atividade objeto da autuação; as condições do Termo de Compromisso a que se referem os Artigos 26 a 30 do decreto, eventualmente resultante do Atendimento Ambiental (art. 11).

Somente após todo esse procedimento previsto na audiência de Atendimento Ambiental, é que se inicia, caso necessário, o prazo de defesa de 20 (vinte) dias, contra o ato resultante do Atendimento Ambiental (Art. 13).

Ou seja, em audiência preliminar, com a presença de agentes públicos e autuado, se faz uma análise da viabilidade e sustentação jurídica do auto de infração lavrado pelo agente fiscal, podendo modificar e até minorar a multa aplicada, sem qualquer apresentação de defesa, e ainda se concede a oportunidade de recuperação ambiental e ajustamento de conduta pelo infrator, que é a conciliação devida, e somente após isso, caso necessário, começa fluir para o infrator o prazo de apresentação de defesa.

Dessa forma se dá transparência aos autos de infração e facilita a recuperação do dano ambiental, bem como a composição conciliatória. Esse é o caminho que também deveríamos seguir no Estado de Goiás e no município de Goiânia, observando as peculiaridades de nossa legislação, visto que uma audiência prévia de atendimento ambiental, reforça a elaboração de acordos, via ajustamento de conduta, que incluem a recuperação do dano ambiental, e a observação da legitimidade e proporcionalidade da multa aplicada pelos agentes fiscais. E penso que a União deveria seguir no mesmo sentido.

Vou buscar junto ao Presidente Lúcio Flávio da OAB/GO, o apoio a esse pleito, ou seja, da exigência da presença de advogados nos procedimentos administrativos ambientais, que se reveste em verdadeira e inexorável defesa dos direitos do cidadão, e aos direitos fundamentais de quem está exercendo a livre iniciativa econômica, possibilitando com isso uma busca mais eficiente da pacificação social na questão ambiental.

Deixarei como sugestão também, após maiores estudos, que a OAB diligencie às autoridades competentes, visando uma melhoria na nossa legislação ambiental, caminhando rumo a existência de câmaras de conciliação e audiências prévias de atendimento ambiental.

Nosso Presidente já demonstrou na presente gestão, ser um intransigente defensor dos direitos do cidadão, da moralidade no trato da coisa pública, e das prerrogativas do advogado, e tenho certeza que analisará a questão com a devida atenção, nessa nova Gestão para que foi recentemente eleito democraticamente pela advocacia goiana.

Tem-se notícias, que a União Brasileiros de Advogados Ambientalistas – UBAA, em consonância com a Comissão de Meio Ambiente da OAB de São Paulo, e a Associação de Advogados de São Paulo – AASP, tem feito forte movimento, para que haja a presença obrigatória de advogados  nos procedimentos administrativos ambientais, em especial nas defesas de autuações, para que não fique sob responsabilidade de leigos, direito de suma relevância, e também nos procedimentos de licenciamento ambiental, tendo em vista à emissão de pareceres sobre questões jurídicas e enquadramento legais de empreendimentos.

Buscarei também, através da Comissão de Direito Ambiental, uma interação com as demais Comissões de Meio Ambiente das diversas Seccionais e Comissão de Meio Ambiente da OAB Nacional, o fomento da discussão e debate sobre o tema.

O advogado moderno do século XXI, tem de ser um conciliador por excelência, esse é o caminho natural para todos litígios, não seria diferente na esfera ambiental, e dentro deste contexto, deve respeitar os direitos difusos consagrados em nossa constituição federal, sendo essencial que faça parte da ética do advogado o entendimento de sustentabilidade, com equidade intergeracional, que se traduz em respeito as gerações futuras e a sadia qualidade de vida. Devemos ter esse princípio e compromisso como inscritos na Ordem.

E como agentes conhecedores do ordenamento jurídico, a presença dos advogados é essencial nas questões ambientais, não somente para proteção dos direitos individuais, mas na busca de uma integração na problemática, contribuindo para que os diversos atores existentes atuem de forma mais harmônica, responsável e consciente, agindo preventivamente, esta é a meta do direito ambiental e seu anseio de Justiça, na qual o advogado ambientalista é parte integrante e essencial.

Para concluir, tem-se que é possível diminuir o acirramento existente, realizando uma aplicação e interpretação harmônica entre o art. 225 e art. 170, caput, e Parágrafo único, da constituição federal, que não são antagônicos entre si, e sim se complementam, propiciando o terreno fértil para o crescimento econômico sustentável, carecendo de uma única expressão a ser observada por todos agentes envolvidos, “bom senso”.

*Marcelo de Castro Dias é advogado, especializado em Planejamento Urbano e Ambiental pela PUC/GO e Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/GO. email: marcelocastrodias@hotmail.com