A Bíblia Sagrada Cristã como fonte histórica do Direito contemporâneo

*Edson de Brito

Já diziam nossos precursores que “fé e ciência não se misturam” e, também, que “religião não se discute”. Verdade é que esses conceitos revelam uma sociedade pautada pela praticidade que dispensa análises mais profundas e dogmas estruturantes que segregam os elementos físicos e abstratos da formação cultural, humana e de consciência moral, ética e de fé.

A Bíblia Cristã, utilizada por diversas vertentes do Cristianismo dentre os mais destacados a linha católica e evangélica, é um conjunto de livros que dentre a sua miscelânea de disciplinas e doutrinas contêm muitas normas de índole ética, moral, saúde pública e também do Direito.

Mais especificamente ao que discorreremos aqui, o Art. 1.521 do Código Civil Brasileiro, que diz respeito aos impedimentos para o casamento, temos uma demonstração clara e evidente de que a “Lei Mosaica” registrada na passagem bíblica da era do grande líder Moisés, sendo ele o “incumbido por Deus para liderar a missão que libertou o povo israelita da escravidão no Egito”, guarda similitude considerável em relação aos textos correlatos em cada lei. Ou seja, o que ambas leis dispõem sobre o casamento.

O próprio Moisés escreveu cinco livros, intitulados de “Pentateuco” ou “livros da Lei”. Muito se fala e escreve sobre Moisés e sua época, no âmbito do estudo da ciência da Administração, contudo, no âmbito jurídico são parcas as referências práticas para qualquer que seja a aplicação do direito nos escritos da doutrina legiferante contemporânea.

A despeito de que gera discussão até hoje quanto a laicidade do Estado em relação à igreja no ordenamento jurídico brasileiro sendo sua maior expressão de divergência o texto do preâmbulo da Constituição Federal que menciona que os trabalhos da Constituinte foram feitos: “debaixo da proteção de Deus”, foi necessário que o Supremo Tribunal se manifestasse no sentido que a o preâmbulo não é norma cogente e sobre um prisma mais stricto sensu nem mesmo norma é.

Portanto, não tem relação direta nem indireta com o texto da Carta maior. Em que pese essas declarações e teses, vemos que o texto original da Constituição Cidadã tem em seu bojo muita ligação com a moral e ética bíblica.

Não podemos esquecer que sendo dividida em dois grandes tomos, quais sejam: velho testamento e novo testamento, as escrituras bíblicas não são somente expressão de regra, fé e prática dos cristãos, mas também dos Judeus ortodoxos que seguem ainda com pequenas ressalvas os textos constantes do velho testamento. Como o texto bíblico que faremos a comparação direta é o do livro de Levítico, capítulo 18, que consta do Velho Testamento, mister se faz registrar que além da vertente cristã, existe uma vertente judaica ortodoxa dentre outras que se baseiam nesse texto seja original ou no massorético.

COMPARAÇÃO DO ARTIGO 1.521 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO COM OCAPÍTULO 18, versículos 6 a 18 do LIVRO DE LEVÍTICO

Buscando as disposições da Lei Mosaica em relação ao casamento, podemos verificar tamanha semelhança entre as disposições quanto aos impedimentos do casamento nas duas “Leis”.

Mediante a semelhança, e, é claro a importância da Bíblia para os países
de religião oficial Cristã como o nosso, podemos entender que além de outras leis positivistas, como por exemplo, a “Lei da boa razão”, a Lei Mosaica é sem dúvida também uma fonte histórica para o nosso direito Civil Brasileiro atual. Essa comparação e a valoração das normas éticas que permeiam os textos a seguir comparados não foram abalados por “avanços” na hermenêutica bíblica nem pelas atualizações doutrinárias do direito pátrio, como o neoconstitucionalismo e o chamado Direito Civil Constitucional.

Apesar de compararmos normas de caráter Civil com enfoque em Direito de Família, a Bíblia sagrada empresta também ao Direito Penal forte influência como sendo um dos poucos escritos que registra a “Lei de Talião” mais conhecida como “olho por olho, dente por dente”.

Além da parte prática positivada a Bíblia tem um pano de fundo relevante na formação da conduta social e consciência individual, além de comportamento coletivo. Isso por que como texto e norma de religião, que é a ação de religar o homem a Deus, também trazem princípios morais e éticos, que permeiam nossa sociedade atual. Como escreveu Jean Jacques Rousseau em seu livro Contrato Social, que: “a religião, ou os aspectos religiosos, somente são favoráveis quanto a aplicação da ética e da moral”.

Este artigo não possui a intenção de esgotar aqui esse assunto, senão, estimular e aguçar a percepção que nos leva a entender que dentre muitas outras coisas a Bíblia é sim uma fonte histórica do Direito.

Passemos a comparação dos textos que versam sobre o impedimento do casamento em ambas as Leis, analisemos o quadro abaixo:


Obs: Havia mais orações imperativas no capítulo 18 do livro de Levítico, mas me contive
apenas nos que acredito serem mais semelhantes com o Cód. Civil Brasileiro. Para melhor
compreensão leia todo o capítulo 18 do livro de Levítico.

É de fundamental importância lembrar que tanto para nós hoje, quanto para aquela época o casamento se consolida com o ato da conjunção carnal. Então, logo, a “expressão descobrir a nudez” naquela época seria como a disposição do casamento ilícito para nós hoje. E é justamente esse o título do Capítulo 18 do Livro de Levítico.

As semelhanças são notáveis e patentes. Em que pese serem palavras/expressões diferentes, em contextos diferentes, mas com certeza com o mesmo escopo, qual seja: declarar/positivar em forma de lei as regras que caracterizam a conduta do casamento ilícito no entendimento moral das sociedades por ela amparadas.

Há quem pense que a Bíblia Sagrada é somente uma forma de dominação do homem para com o homem, a chamada autofagia que está em voga nas discussões da cúpula do Judiciário brasileiro.

Mas a verdade é que o texto da Bíblia Sagrada em suas diversas opiniões a eleva a categoria de coletânea formadora de conceitos muito apreciados por toda sociedade, seja ela Cristã ou não-Cristã, Judaica ou Ortodoxa. Isso faz com que uma Lei escrita há pelo menos 4.000 anos atrás, ainda influencie em nossa sociedade, que se diz tão “transformadora” e muitas vezes erroneamente se utilizam deste termo para definir sua intolerância e até mesmo descaso com os princípios morais dos povos antepassados tornando-os, em sua opinião, démodé. Mas basta analisarmos um pouco para vermos tamanho reflexo que nossa sociedade atual absorve em relação aos conceitos descobertos e utilizados pelos povos do passado que são eficazes até hoje!

Por fim defino com minhas próprias palavras: “não há ontem, nem amanhã, sem que haja um presente, com ou sem memória do passado, com ou sem fé no futuro”.

*Edson de Brito é advogado com pós-graduação em Direito do Consumidor e em Direito Processual Civil com habilitação em Docência do Ensino Superior. Escritor, músico/compositor e palestrante cristão.