Pastor consegue na Justiça vínculo de emprego com a Igreja Universal e indenização por ter sido forçado a fazer vasectomia

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Wanessa Rodrigues

Um pastor evangélico de Goiânia conseguiu na Justiça o reconhecimento de vínculo empregatício com a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com o pagamento de reflexos trabalhistas. Ele trabalhou por quase 20 anos na instituição religiosa. Em sua decisão, a juíza do Trabalho substituta Natalia Queiroz Cabral Rodrigues, da 22ª Vara do Trabalho de Brasília (DF), determinou ainda o pagamento de indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 150 mil pelo fato de o pastor ter sido obrigado a fazer vasectomia. A IURD também foi condenada a arcar com os custos do procedimento de fertilização artificial para que o pastor e a mulher possam ter filhos.

Conforme a ação, o pastor foi admitido pela IURD em novembro de 1997, inicialmente como voluntário-religioso e passou a atuar em junho de 1998. Observa que prestou efetivos e permanentes serviços, com pessoalidade e continuamente sujeito a todas as normas de verdadeira empresa com total subordinação e dependência/onerosidade da referida igreja. A relação acabou em janeiro de 2016.

Apesar de atuar em diferentes cidades de Goiás e de outros Estados, o pastor foi contratado pela sede de Brasília e, por isso, o caso foi apreciado no DF. Ele foi representado na ação pelos advogados goianos Manoel Reis Junior, José Roberto Furlanetto e José Luciano Teodoro Costa.

O pastor relata que cumpria horário de trabalho, pregava a palavra de Deus dentro dos ditames/diretrizes impostos por seus superiores hierárquicos e tinha que bater meta de arrecadação. Pela complexidade da atividade, era de trabalhar em outro lugar, estudar e até fazer visitas a seus familiares. Em contrapartida recebendo um ganho mensal de acordo com sua função e auxílio habitação.

Conta, ainda, que há imposição de pedir permissão para casar-se e também realizar a cirurgia de vasectomia antes ou logo após o casamento. Isso para evitar ter filhos e não trazer qualquer comprometimento na realização do seu trabalho, para não aumentar as despesas da igreja ou para não haver qualquer empecilho para mudança de local na prestação de serviço, no caso dos filhos em idade escolar.

Em sua defesa, a IURD alegou que o vínculo sempre foi religioso e que o pastor usou de má-fé ao ingressar com a referida ação. Além disso, que o Estado Brasileiro não pode ter ingerência em assuntos religiosos, pois seria abusivo que uma autoridade externa resolva questões religiosas. Disse ainda que o ex-pastor agiu com espírito mercenário, o que o desqualifica para a função.

Ao analisar o caso, porém, a magistrada disse que estão presentes, no caso em questão, os requisitos para o vínculo de trabalho. A habitualidade ou não eventualidade, por exemplo, comprovada no fato de o ex-pastor recebia pelo trabalho realizado e pelo tempo à disposição do empregador. A onerosidade também está presente, pois ele recebia ajuda de custo, além de moradia, pois tinha dedicação exclusiva.

A magistrada observa ainda que havia subordinação jurídica, pois a conduta do ex-pastor era orientada pelo bispo da igreja. Também estão presentes a obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, já que para se ausenta ele precisava de autorização, como confirmado por depoimento de testemunha. “Está presente muito mais que a subordinação jurídica, mas também a subordinação emocional, social e religiosa, uma vez que os valores mais íntimos do reclamante foram manipulados e afetados pela pseudo relação trabalho/emprego”, disse a juíza.

Indenização
Em relação à vasectomia feita pelo pastor, a magistrada disse que o tema jamais deveria ser discutido no ambiente laboral ou religioso, pois trata-se de uma opção pessoal. Além disso, observa que ele não tinha a idade mínima para o procedimento, e não autorizou sua realização. Testemunhas comprovaram que a obrigatoriedade na realização da cirurgia era real.

A magistrada salientou que a discussão nada tem a ver com fé ou religião, mas sim sobre a esterilização de um jovem sem sua anuência ou de sua esposa. O que, segundo diz, configura prática ilegal, criminosa e que viola os direitos humanos. “As convicções religiosas têm que ser respeitadas, mas nenhuma religião tem o direito de tirar do homem a chance de perpetuar sua espécie”, disse a juíza.

“A partir das provas obtidas nos autos e a evidência de que o reclamante foi obrigado pela reclamada a se submeter a uma cirurgia de vasectomia para ser promovido a galgar condição privilegiada dentro da corporação religiosa, a condenação faz-se imperiosa”, completou.