Pai é quem cria? Saiba o que diz a legislação sobre paternidade socioafetiva

A ideia da não necessidade de vínculo sanguíneo para ser pai é o que move a paternidade socioafetiva.

Da Redação

“Pai é alguém que, por causa do filho, tem sua vida inteira mudada de forma inexorável. É fácil demais ser pai biológico. Pai biológico não precisa ter alma. Um pai biológico se faz num momento. Mas há um pai que é um ser da eternidade: aquele cujo coração caminha por caminhos fora do seu corpo. Pulsa, secretamente, no corpo do seu filho (muito embora o filho não saiba disso)”, disse Rubem Alves. Essa ideia da não necessidade de vínculo sanguíneo para ser pai é o que move a paternidade socioafetiva. A relação, nesse caso, é estabelecida em virtude do reconhecimento social e afetivo, entre um homem e uma criança, como se fossem pai e filho. Esse tipo de caso tem crescido no país e passou a ser reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em especial, trata-se daquele caso em que, após construir uma relação de criação, o indivíduo procura, na justiça, o direito de registrar o enteado para conceder a ele, direitos de filho. De acordo com o diretor adjunto de direito de família do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG), Luiz Fernando Valladão, o parentesco socioafetivo tem, durante a vida, os mesmos efeitos do vínculo consanguíneo e da adoção. “Tudo é garantido da mesma forma: direito de guarda, o chamado direito de visitas, dever de educação e de sustento ou obrigação alimentar, além de questões sucessórias”, explica.

Filhos que são adotados possuem os mesmos direitos que os demais, o mesmo ocorre com aqueles que, por conta da inseminação artificial heteróloga não foram concebidos com a participação do pai ou da mãe, mas foram criados por eles. “Então, de igual forma, os que foram reconhecidos como filhos em virtude do longo convívio, apto a gerar afeto indiscutível, também possuem a mesma proteção legal”, pondera. Ainda segundo o advogado, a ideia do Código Civil é manter a isonomia.

“O Código reconheceu que a filiação poderá ser reconhecida, caso haja a chamada ‘posse do estado de filho’, ou seja, ainda que ausente o tradicional vínculo biológico, poderá haver filiação, caso o filho tenha criado com o pai ou mãe relações de afeto próprias de tal parentesco”, resume Valladão. Para o diretor adjunto do IAMG, a lei abraça a necessidade da valorização das relações estáveis, públicas e sinceras, sobretudo, quando se busca o registro civil.

Mas as responsabilidades do pai biológico, ainda que exista a paternidade socioafetiva, continuam a valer, conforme tese fixada pelo STF em setembro do ano passado. Ficou estabelecido que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. Para Valladão, a decisão do STF de permitir a dupla paternidade (socioafetiva e biológica) representa um avanço.

Por fim, ele lembra que o desejo do filho deve ser considerado, destaca que o direito de buscar a origem é garantido e faz uma ressalva quanto à eventual pretensão daquele filho que quer excluir os vínculos com o pai que lhe dedicou cuidados e com ele conviveu. “Não me parece, a princípio, merecedora de agasalho judicial a pretensão do filho que, embora criado com carinho por quem não é seu pai biológico, prefere, a certa altura, hostilizar tal relação formal e espontânea, vindo a priorizar outra, de natureza consanguínea. Também tenho resistência à ideia de se afastar o pai socioafetivo, apenas por interesse financeiro”, conclui o advogado.