Júri é anulado após jurada deixar plenário durante discussão entre defesa e acusação; promotor chegou a chamar advogada de “feia”

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Debates orais entre defesa e acusação costumam ser exaltados em sessões do júri popular. Mas em Santo Antônio do Descoberto, no entorno do Distrito Federal, as animosidades entre a advogada Marília Gabriela Gil Brambilla e promotor de Justiça Douglas Roberto Ribeiro de Magalhães Chegury acabaram resultando na anulação da sessão de julgamento, que estava sendo realizada nesta sexta-feira (22).

Durante sustentação oral, o promotor de Justiça chegou a se referir a uma advogada criminalista como “feia”, reiterando, ainda, que a ela é “desprovida de beleza”. Enquanto a discussão entre os dois se acirrava, uma uma das juradas se levantou e anunciou que não participaria mais da sessão que julgava um caso de tentativa de homicídio. Entendendo que foi quebrada de forma evidente a incomunicabilidade dos jurados, o juiz Felipe Junqueira D´Ávila Ribeiro, que presidia a sessão, dissolveu o Conselho de Sentença e, por consequência, anulou a sessão plenária.

Após a anulação da sessão, o promotor de Justiça pediu que constasse em ata que desde o início da sua sustentação oral, não obstante a presença de oito advogados em plenário (quatro para cada um dos dois réus), a única causídica a interromper a fala do membro do MP foi Marilia Gabriella, que teria passado a integrar a bancada da defesa recentemente.

Douglas Chegury alegou que ela fez sucessivas interrupções sem qualquer solicitação do aparte, seja a ele ou ao presidente de sessão. De igual sorte, ele afirmou que as interrupções foram feitas de forma exaltada, descortês e aos gritos, por diversas vezes apontando que o promotor estaria apresentando alegações que não correspondiam a verdade processual.

Um beijo

Em um dos momentos destacados pelo promotor de Justiça, a criminalista teria encerrado a interrupção de forma irônica, sarcástica e ofensiva dizendo “um beijo”, fazendo com os lábios o gesto de um beijo dirigido ao promotor, que se encontrava a menos de um metro de distância da advogada. Nesse momento, ele disse que se tivesse de aceitar o beijo de alguém seria das demais advogadas e não da provocativa advogada, tendo acrescentado que ela é feia.

Prerrogativa “pela ordem”

A bancada de defesa de um dos réus, porém, se manifestou no sentido de que a advogada apenas fez gozo do instituto do aparte e da prerrogativa “pela ordem”, apresentando impugnações técnicas quanto a narrativa dos fatos exposta pelo promotor aos jurados. E que a exaltação entre membro do MP e advogada piorou quando o Douglas Chegury chamou expressamente a advogada de feia. Além disso, que o promotor reiterou as ofensas machistas ao afirmar que ele estaria falando a verdade e que “ela era desprovida de beleza”.

Na quarta vez que a ofensa pessoal foi reiterada pelo membro do parquet, foi solicitado ao juízo que desse voz de prisão ao promotor. “Mostrando descontrole emocional e agressividade, ele teria partido em direção ao advogado Matheus Pires e, ao berros, afirmado em tom ameaçador ‘me prende você então’, momento em que o advogado afirmou que não iria fazer isso, mas ia requerer ao juízo.

Além de pedir a prisão, que não foi acatada, foi solicitado que o Conselho Nacional do MP seja oficiado para apurar a conduta do promotor, que teria dito que hoje, “se você chama o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Morais de feio, a gente vai preso”.

Repúdio

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), por meio de suas Comissões de Direitos e Prerrogativas e da Mulher Advogada, repudiou a conduta do promotor de Justiça. “Esta conduta viola a ética profissional e é inaceitável. Demonstramos solidariedade à advogada afetada e reafirmamos nosso compromisso com a defesa da dignidade e dos direitos de toda a advocacia, neste caso, especialmente da mulher advogada”, disse a nota divulgada no site da instituição.

A OAB-GO afirmou ainda que irá agir de modo a assegurar uma investigação criminal e administrativa adequada em relação ao ocorrido e a fomentar um ambiente jurídico de respeito e igualdade. “Reiteramos o empenho da Seccional Goiana em erradicar a discriminação e promover a igualdade de gênero na seara jurídica e na sociedade.”

A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) também publicou nota de repúdio. Assinada pela Abracrim Nacional, pela Comissão Nacional da Mulher Advogada Criminalistas – Abracrim Mulher, pela Comissão Nacional do Tribunal do Júri da Abracrim e pela Abracrim DF, a associação reforçou que “tal atitude é inaceitável e fere não apenas a dignidade da profissional agredida, mas também a ética e o respeito que devem permear o exercício da advocacia e da justiça. Fere toda a advocacia, todas as mulheres advogadas, e de forma ampla, todas as mulheres”.

Para a Abracrim, é inadmissível que, em pleno século XXI, no mês de março, dedicado à luta pelos direitos das mulheres, “ainda tenhamos que presenciar episódios de desrespeito e discriminação de gênero em ambientes profissionais, especialmente no campo jurídico. O respeito à advocacia e às mulheres é um imperativo moral e legal, e é papel de todos lutarmos contra qualquer forma de violência ou desigualdade”.

MPGO

O Rota Jurídica pediu o posicionamento do MP de Goiás sobre o caso. A resposta foi de que “os fatos serão apurados pelos órgãos disciplinares competentes”.

Processo 5556939-82.2021.8.09.0004