Descompasso entre perícias do INSS e do Judiciário estão entre as causas da judicialização dos benefícios previdenciários

Uma investigação sobre as possíveis causas da judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais no Brasil apontou que problemas de coordenação do próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além do descompasso entre as perícias feitas pelo órgão e as realizadas pelo Judiciário, estão entre os principais motivos que levam ao grande número de processos em tramitação. Esse panorama foi apresentado no dia 20 passado no relatório “A judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais”, que trata das causas, problemas e políticas públicas indicadas como soluções.

Encomendado pelo CNJ, o estudo foi elaborado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) na 4ª Edição da Série Justiça Pesquisa. O tema Previdência Social e benefícios assistenciais é o mais judicializado em varas e tribunais federais (representa mais da metade dos novos casos ajuizados), sendo relevante também na justiça estadual, por competência delegada, bem como no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O estudo também revelou que intensidade e o perfil da judicialização da previdência estão relacionados às condições socioeconômicas locais, como nível de renda e desenvolvimento do mercado formal de trabalho. Além disso, a redução do quadro de pessoal técnico e de procuradores do INSS, conforme a pesquisa, está associada ao aumento do tempo médio de análise de benefícios e à judicialização pela demora da autarquia em responder às solicitações dos segurados.

Processos
No total, foram utilizados dados de 9.253.045 processos administrativos e 593.772 concessões em decorrência de decisão judicial, do período entre dezembro de 2018 e dezembro de 2019, assim como dados administrativos agregados para os dez anos anteriores; dados de gestão processual da justiça de 9.027.825 processos judiciais entre 2015 a 2019; textos de decisões judiciais referentes a 1.334.814 processos entre 2015 a 2018; e entrevistas semiestruturadas com 47 representantes dos sistemas de justiça e previdenciário.

A partir da análise dos processos administrativos, o relatório aponta seis características principais das concessões e indeferimentos: ao menos 11% dos benefícios concedidos pelo INSS advêm de decisões judiciais, especialmente de ações do sul e sudeste; há prevalência da requisição administrativa e judicial de auxílio-doença em tema que envolve a validade e o alcance das perícias médicas e divergência entre a administração pública e o Judiciário sobre o conceito de invalidez; a maior parte dos indeferimentos administrativos se dá por divergência entre o pedido e o parecer da perícia médica; a participação dos benefícios que requerem perícia é maior entre as concessões por decisão judicial em comparação às decisões administrativas indicando maior propensão à judicialização; a proporção de pessoas desempregadas é consideravelmente maior nos casos de indeferimento; e nos últimos dez anos observou-se aumento no tempo médio de análise dos benefícios por parte do INSS.

Já a análise dos processos judiciais, a partir dos dados da Base Nacional de Dados Processuais do Poder Judiciário (DataJud), indicou algumas conclusões. Foi identificado aumento na distribuição de processos relativos à Previdência e benefícios assistenciais, com concentração das ações na Justiça Federal. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) são os com maior carga de processos.

Já o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) tem a menor intensidade de judicialização e é onde mais indefere pedidos proporcionalmente. E os pedidos sobre benefícios assistenciais, aposentadoria rural e salário maternidade são mais frequentes no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e no TRF5.

Macroproblemas e políticas públicas
A partir dos dados coletados, o relatório elenca quatro macroproblemas identificados: dificuldade de acesso à instância administrativa para requerer o benefício, dificuldade de internalização da jurisprudência pelo INSS, subaproveitamento na via administrativa e o subaproveitamento das informações apuradas no processo administrativo em sede judicial.

Como resultado da análise das informações e das entrevistas, são indicadas 16 ações destinadas a resolver ou minimizar os macroproblemas e reduzir a judicialização. Entre elas, a extinção do atendimento preferencial de advogados na instância administrativa, o acesso presencial às agências do INSS em regiões de maior exclusão digital, a adoção de uma política de informação sobre o uso da plataforma “Meu INSS”, o maior acesso e simplificação do processo administrativo com ampla informação ao segurado, a transição para o processo digital com atenção à qualidade das análises e mais informações ao segurado sobre o andamento das análises administrativas.

Também foi indicado reforço na qualidade de análise do material probatório e verificação de informações sobre o segurado, uniformização dos critérios de análise probatória e pericial, compartilhamento de sistemas do INSS e do Judiciário, acesso pelo Judiciário às análises e documentos do processo administrativo e ampliação dos esforços do Judiciário para a consolidação dos enunciados.

Ao apresentar as conclusões do estudo, o relatório alerta para o risco de a pandemia da Covid-19 agravar a situação da judicialização dos benefícios previdenciários e assistenciais. A partir das informações, a equipe de pesquisa do Insper considerou que a ampliação da demanda pelos benefícios previdenciários e assistenciais, dificuldades de coordenação entre as esferas administrativa e judicial, o desemprego em níveis mais altos e o constrangimento fiscal devem contribuir para a intensificar a judicialização. “É momento, portanto, para iniciativas que visem mitigar esse problema”, recomendam os pesquisadores. Fonte: CNJ