O Projeto de Lei nº 10.220/2018 (Reforma da Lei de Recuperação Judicial)

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    No Congresso Nacional, desde o mês de maio deste ano de 2018, mas sem ter um andamento que motivasse os reformistas, o Projeto de Lei de número 10.220/2018, que introduz reformas na Lei de Falências e Recuperação de Empresas e na Lei nº 10.522/2002 (créditos não quitados de órgãos e entidades federais), está causando grandes expectativas e discussões entre os experts, especialmente porque propõe uma redação que dá muito poder ao Fisco em detrimento dos impetrantes do instituto da recuperação judicial.  De toda forma, em maio deste ano de 2018, o mesmo foi submetido  à apreciação do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados), cuja proposta contém a  alteração da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como,  em complementação a este aperfeiçoamento – dizem os técnicos elaboradores de tais reformas -,  são também propostas alterações na Lei 10.522/2002, que dispõe sobre créditos não quitados de órgãos e entidades federais. As mudanças aqui propostas objetivam, segundo os mesmo, a modernizar o sistema recuperacional e falimentar brasileiro, com esperados impactos positivos sobre geração de emprego e renda além de elevação da produtividade da economia.

    Na visão dos técnicos do citado Projeto de Lei de nº 10.220./2018, a Lei nº 11.101/05 trouxe impactos positivos consideráveis, como melhora na proteção dos direitos dos credores, redução no custo do empréstimo e aumento no montante de crédito tomado pelas empresas. A Lei 11.101/2005 permitiu que os processos de recuperação fossem agilizados em relação ao que era praticado anteriormente, sob os ditames do Decreto-Lei nº 7.661/1945. Todavia, passados treze anos de sua vigência, já se observa a necessidade de aperfeiçoamento de diversos dispositivos.

    Necessário ressaltar-se que o projeto em tela contou com a experiência prática de juízes, advogados especializados, acadêmicos de direito e de economia, procuradores da Fazenda Nacional, auditores fiscais da Receita Federal, profissionais de finanças e de instituições financeiras públicas e privadas que apresentaram e analisaram suas dificuldades cotidianas na operacionalização do texto legal, no âmbito de Grupo de Trabalho (GT) instituído pelo Ministério da Fazenda. Ao longo de seis meses foram debatidos os principais problemas do sistema de recuperação judicial e falências do país, bem como analisadas as soluções possíveis para tais problemas. O texto deste projeto aqui descrito contou substancialmente com propostas, sugestões e análises trazidas por esses especialistas que participaram do Grupo de Trabalhos além de outros interlocutores experientes nos temas recuperação judicial e extrajudicial/falências.

    Depois de muitos debates e análises do Grupo de Trabalho, reduziu-se a cinco princípios norteadores para alterações propostas nas Leis 11.101/2005 e 10.522/2002, que foram os seguintes:

    “1º)  preservação da empresa: em razão de sua função social, a atividade economicamente viável deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza, cria emprego e renda e contribui para o desenvolvimento econômico. Este princípio, entretanto, não deve ser confundido com a preservação – a qualquer custo – do patrimônio do empresário ou da empresa ineficiente;

    2º) fomento ao crédito: o sistema legal dos países da América Latina – Brasil inclusive – apresenta um histórico de pouca proteção ao credor, o que gera uma baixa expectativa de recuperação de crédito, impactando negativamente esse mercado por meio da elevação do custo de capital. A correlação entre a melhoria do direito dos credores e o aumento do crédito é demonstrada na literatura empírica sobre o tema. Uma consequência prática desse princípio é que o credor não deve ficar, na recuperação judicial, em situação pior do que estaria no regime de falência. Garantir ex-ante boas condições de oferta de crédito amplia a oferta de financiamentos e reduz seu custo;

    3º) incentivo à aplicação produtiva dos recursos econômicos, ao empreendedorismo e ao rápido recomeço (fresh start): célere liquidação dos ativos da empresa ineficiente, permitindo a aplicação mais produtiva dos recursos, aposta na reabilitação de empresas viáveis, remoção de barreiras legais para que empresários falidos – que não tenham cometido crimes – possam retornar ao mercado após o encerramento da falência;

    4º) instituição de mecanismos legais que evitem um indesejável comportamento estratégico dos participantes da recuperação judicial/extrajudicial/falência que redundem em prejuízo social, tais como: proposição pelos devedores de plano de recuperação judicial deslocados da realidade da empresa (em detrimento dos credores), prolongamento da recuperação judicial apenas com fins de postergar pagamento de tributos ou dilapidar patrimônio da empresa etc.

    5º) melhoria do arcabouço institucional incluindo a supressão de procedimentos desnecessários, o uso intensivo dos meios eletrônicos de comunicação, a maior profissionalização do administrador judicial e a especialização dos juízes de direito encarregados dos processos”.

    A nosso ver, muito bem delineados e em conformidade com os princípios (12) que já regem os institutos da falência, da recuperação judicial e da extrajudicial, os cinco citados e transcritos princípios norteadores do Projeto de Lei nº 10.220/2018. Todavia, ao analisarmos a redação propriamente dita dos dispositivos legais que compõem o citado Projeto de Lei, há neles, nos parece, determinadas contradições não somente quanto aos 12 (doze) princípios que precederam a criação da Lei nº 11.101/05, mas também quanto aos seus cinco princípios norteadores, pois ao nos depararmos com dispositivos que outorgam às três esferas das Fazendas Públicas o direito de requererem a falência do Impetrante da recuperação judicial que descumpre o acordo quanto ao pagamento dos tributos parcelados, nos parece isto um desconhecimento do legislador sobre as reais condições que levaram o recuperando àquela situação, vez que os  altíssimos e injustos débitos tributários são, na maioria das vezes, a maior causa que provoca a impetração do pedido.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br