Reforma Tributária – O que pode mudar no sistema de Tributação Brasileiro?

*Igor Antônio Lima de Oliveira e Marcos Queiroz

Ora, se há algo que aparenta ser um consenso, é que o sistema tributário brasileiro é complexo e carece de uma reforma. Criado pelos idos de 1965, onde foram estabelecidas as principais bases de alguns dos tributos que permanecem até a atualidade, como o IPI, o ICMS, que à época chamava-se ICM, e o ISS, estabilizou-se como um sistema de competência dividida, podendo a União, os Estados e os Municípios tributar diferentes produtos e serviços.

Ocorre que esse modelo descentralizado de cobrança trouxe uma série de desafios ao sistema devido à complexa legislação do PIS e da COFINS, às diversas legislações que versam sobre o ICMS em cada uma das 27 unidades da federação e as legislações específicas de ISS em cada um dos 5.570 municípios do país.

Desta forma, encontra-se em debate nas casas do Congresso Nacional o texto da PEC 45/2019, que dentre seus principais objetivos pretende a substituição de cinco tributos por apenas dois, criando o chamado IVA Dual, a instituição do Imposto Seletivo (IS) e a implementação de uma Cesta Básica nacional.

IVA Dual – IBS e CBS:

Após décadas de expectativas e inúmeras propostas que não foram aprovadas, em 07 de julho de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou, por ampla margem, a Proposta de Emenda Constitucional 45/2019, que representa a proposta da Reforma Tributária brasileira.

A aprovação do texto da reforma do sistema de tributação nacional marca a concretização de uma reforma tributária abrangente no Brasil, trazendo implicações significativas para todas as segmentações da sociedade, tanto individuais quanto corporativas. O texto aprovado resulta da compilação das propostas das PECs 45 e 110, além de outras disposições incorporadas momentos que antecederam a votação.

Dentre várias reformulações e com base em preceitos e inspirações internacionais, o texto aprovado unificou os impostos por meio da implementação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) de natureza dual, também chamado de IVA bifásico.

O IVA dual brasileiro será estabelecido através do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), projetado para substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). Por outro lado, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) será introduzida como substituta do Programa de Integração Social (PIS), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Um dos principais pontos do IVA aprovado na Câmara dos Deputados é que o texto não prevê uma alíquota para esses impostos, deixando à cargo da Lei Complementar definir a alíquota para o IBS e CBS. Neste cenário, inúmeros estudos econômicos e de impacto preveem que a alíquota padrão do IVA será de 25 a 30%. Portanto, ainda há muitas incertezas sobre sua aplicabilidade e os impactos resultantes dessa mudança.

Instituição do Imposto Seletivo (IS):

Ainda sobre impostos, o texto aprovado prevê a instituição de um novo imposto, o Imposto Seletivo (IS), que irá compor a base de cálculo da CBS e incidirá sobre a produção, comercialização e importação de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente. No entanto, quais itens seriam classificados como prejudiciais e qual seria a alíquota prevista a esse imposto?

De fato, é outro fator extremamente vago e que o texto aprovado deixa à cargo da Lei Complementar delimitar tais questões. Como exemplo, itens como bebidas alcoólicas e cigarros poderiam ser incluídos nessa lista, devido ao fato de serem produtos prejudiciais.

Outro aspecto que trouxe extrema notoriedade para a PEC 45/2019 foi a instituição da Cesta Básica Nacional de Alimentos, em observância ao direito social à alimentação que está previsto na Constituição Federal. Nestes termos, o texto reformador isentou os impostos (IBS e CBS) sobre os produtos da cesta básica, a ser definida em lei complementar.

Formulação da Cesta Básica nacional:

Uma questão relevante sobre a cesta básica é que na atual realidade tributária é de competência dos Estados delimitarem quais produtos podem integrá-la e usufruir de isenção tributária. Contudo, com a eventual aprovação da Reforma Tributária, uma lista unificada de produtos isentos de impostos em todo o território nacional entrará em vigor.

É importante ressaltar que diante do cenário de incertezas trazido pela definição dos produtos que irão compor a cesta básica brasileira somente após a implementação da Reforma Tributária surgirão inúmeros debates em torno desse tema. No cenário atual, a constituição de uma cesta básica difere de acordo com as perspectivas de diversas entidades. Devido à vasta extensão territorial do país, um item julgado essencial e fundamental para a subsistência no Norte pode não ter a mesma importância para a população do Sul. Portanto, qual critério será adotado e como medir a provável reformulação decorrente dessa lei complementar?

Necessidade da Lei Complementar para definir pontos relevantes do texto aprovado:

Assim sendo, pode se dizer que dentre as minuciosas e complexas alterações em nosso sistema de tributação ao menos algo não parece ser discutível, qual seja, o fato de que uma série de detalhes com especial relevância tiveram seu debate postergado para um momento futuro, quando da regulamentação por lei complementar.

Não obstante, para que não permaneçam dúvidas acerca deste instrumento tão mencionado na reforma tributária em andamento, convém destacar que uma lei complementar nada mais é do que uma espécie de lei, cujo principal objetivo é aclarar e complementar uma norma que já se encontra prevista na Constituição.

Nesse aspecto, é oportuno fazer registro de que a principal diferença entre uma lei complementar e uma lei ordinária, encontra-se no quórum necessário para sua aprovação. Isso porque, a lei complementar necessita da maioria absoluta dos membros em cada casa do Congresso Nacional, que é definida pelo primeiro número inteiro superior à metade dos membros daquela casa.

Logo, seja quanto a definição das alíquotas, os itens que irão compor a cesta básica, o alcance do Imposto Seletivo (IS), os critérios de divisão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FDR), dentre outros, a discussão a respeito estará postergada para posterior regulamentação por lei complementar.

Enfim, entenda-se bem: em que pese as grandes modificações que atingir-se-ão o sistema tributário nacional, haverá, ainda, um demasiado número de questões relevantes que permanecerá em aberto, isto é, ainda não estarão claras muitas das novas regras.

Nesse diapasão, há aqueles que indicam como uma possível solução o trâmite em conjunto da reforma tributária e as leis complementares que irão abordar os temas mais controversos e com maior potencial de impacto na sociedade, o que de fato pode ser uma boa alternativa para promover maior segurança jurídica nesta transformação que abrangerá o sistema tributário.

Tramitação da PEC 45/2019:

Por fim, é interessante entender em que estágio se encontra o processo de tramitação da PEC 45/2019. Atualmente, a proposta está em discussão no Senado Federal, com previsão de votação do texto em outubro deste ano. Após essa votação e, caso seja aprovada, a proposta retornará à Câmara dos Deputados para revisão das alterações. Se aprovada novamente na Câmara dos Deputados, seguirá para o Senado, onde será novamente avaliada. Finalmente, se aprovada sem mudanças, a PEC será encaminhada ao Presidente da República, que poderá sancionar com ou sem veto, assim como vetar integralmente.

*Igor Antônio Lima de Oliveira e Marcos Queiroz são coordenadores do Núcleo Universitário do IEAD.

Referências: 

CÂMARA aprova reforma tributária em dois turnos; texto vai ao Senado: Entre outras medidas, a proposta simplifica impostos sobre o consumo e prevê isenção de tributos para a cesta básica. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/978334-camara-aprova-reforma-tributaria-em-dois-turnos-texto-vai-ao-senado/. Acesso em: 22/08/2023.

Senadores repercutem aprovação da reforma tributária na Câmara. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/07/07/senadores-repercutem-aprovacao-da-reforma-tributaria-na-camara. Acesso em: 22/08/2023.

Análise e diálogo com Luís Eduardo Schoueri. Disponível em:https://youtu.be/JdzY5tXc8VI. Acesso em: 23/08/2023.

SCAFF, Fernado. Aspectos financeiros da reforma tributária aprovada na Câmara. Conjur, 18 jul. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-18/contas-vista-aspectos-financeiros-reforma-tributaria-aprovada-camara. Acesso em: 24/08/2023.