Estado de Direito e os limites legais do protesto

*Aline Siqueira Ricardo

Em famosa frase, Mahatma Gandhi disse: “Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, então a injustiça é minha.”

Já Churchill, figura pública respeitada como grande líder e espelho para muitos aspirantes, com seu humor ácido habitual dizia que “a democracia é o pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outro”. Grifei a parte mais importante da frase, caso alguém não a consiga interpretar.

Quando falamos de democracia falamos de povo e de poder. De origem grega, a palavra democracia pode, etimologicamente, ser dividida da seguinte maneira: demos (povo), kratos (poder). Em geral, democracia é a prática política de dissolução, de alguma maneira, do poder e das decisões políticas em meio aos cidadãos.

Nessa ótica, temos que protestar e demonstrar revolta com atos e decisões daqueles que nos representam é mais que um direito do povo, é também um dever. No entanto, é apenas uma das possibilidades dispensadas a esse propósito, e deve ser usada nos limites da própria democracia.

Além do que, há muitos outros meios para que um cidadão demostre sua insatisfação com seus representantes e o maior deles e mais importante é o sufrágio. O direito ao voto, a possibilidade de escolher seus representantes, enquanto coletividade.

Insurgir contra o Estado Democrático de Direito simplesmente porque determinado candidato não logrou êxito no pleito não me parece inteligente. Ainda sou daqueles apaixonados que acreditam nos direitos fundamentais, nas garantias individuais, na soberania constitucional e nas instituições públicas.

Em que pese muitas vezes discordar de inúmeras decisões judiciais ou mesmo decisões dos demais poderes, eu as faço de maneira democrática e legal. Como diz o professor Flávio Martins, na minha opinião um dos maiores constitucionalistas da atualidade, “problemas da democracia devem ser aperfeiçoados com mais democracia.”

Vivemos uma sociedade sem cultura constitucional e com educação precária. Talvez o que nos trouxe até esse momento. Sendo assim, nos resta cada vez mais escrever e manifestar pensamentos para difundir o conhecimento.

Recentemente entrou em vigor a lei 14.197 que dispõe sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito. O texto legal veio substituir (revogar) a Lei de segurança nacional, inserindo no Código Penal o crime de sedição. Vejamos:

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Além do artigo acima transcrito, a inovação legislativa também trouxe o artigo, 359-M, que trata do “Golpe de Estado”:

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

Brevemente esmiuçando, o crime de sedição consiste na conduta do(s) indivíduo(s) que empreende atos para tentar mudar o regime de governo vigente ou a própria concepção de Estado de Direito, na tentativa de impor sua vontade e desejo.

Noutro giro, as redes sociais estão em polvorosa com inúmeras publicações e compartilhamentos de textos requerendo intervenção militar fundada no artigo 142 da CF. Pois bem, vamos literalidade do artigo:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Num primeiro momento, cumpre trazer que as forças armadas são instituições nacionais permanentes e regulares. E ainda, que elas possuem pilares na hierarquia e na disciplina.

Seguindo, essas instituições são subordinadas ao Presidente da República, no entanto, possuem três objetivos: defender a pátria, garantir os poderes constitucionais e garantir a lei e a ordem.

Em análise literal, importante destacar que a redação do próprio artigo deixa claro que nenhum dos três objetivos das forças armadas tem a atribuição de ser ela, um poder moderador.

Ao falarmos de lei e de ordem, é inquestionável que qualquer dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) pode solicitar os serviços das forças armadas. E se aplica em casos nos quais as forças de segurança públicas se mostrem insuficientes, como por exemplo, em uma greve geral da Polícia militar.

A defesa da pátria estabelecida pela Constituição está abarcada em uma possível agressão estrangeira. Noutro ponto, a garantia dos poderes se aplica em caso de algum dos poderes tentar suprimir o outro.

Seguindo, é evidente que um dos objetivos das forças armadas é justamente assegurar a coexistência dos três poderes. Daí, conclui-se que nenhum dos chefes dos poderes da república pode utilizar as forças armadas contra os outros poderes.

*Aline Siqueira Ricardo é advogada.