Mudança na data do concurso por motivos religiosos. É possível?

Em geral, as etapas dos concursos acontecem aos sábados e domingos. Nesse caso, como ficam os direitos dos candidatos que não podem realizar as provas nesses dias em razão da religião? Acompanhe!

Em respeito aos dias que consideram sagrados, seguidores de algumas crenças religiosas, como judeus, adventistas e testemunhas de Jeová, não realizam atividades como estudos e trabalho.

Por esse motivo, iniciaram processos na Justiça para pedir a adequação das datas de concursos públicos, provas, vestibular, da jornada de trabalho, etc.

Histórico sobre a liberalidade em concursos públicos em razão da religião

Em 2011, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) decidiu a favor de um candidato adventista para que ele pudesse alterar a data ou horário de prova previsto no edital do concurso público.

O TRF-1 decidiu de acordo com o princípio da finalidade pública dos concursos, pois devem ser recrutados os candidatos mais bem preparados para o cargo, independente de religião e crença.

Esse candidato se inscreveu no concurso público para o cargo de técnico judiciário no próprio TRF-1 e, ainda, foi aprovado em 1º lugar na prova objetiva.

Após ser aprovado na prova objetiva, o candidato precisava realizar a prova prática de capacidade física (TAF). No entanto, o edital previa que essa etapa seria no dia 29/9/2007 (sábado).

Porém, ele já havia tentado a mudança de data desde a divulgação do Edital de Convocação para as provas práticas. Mas a banca examinadora negou, informando que não poderia fazer a aplicação dos testes fora do dia e local previstos em edital.

Com essa resposta, o candidato entrou na Justiça com um Mandado de Segurança, em razão do princípio da liberdade de consciência e crença religiosa

Ele afirma que a banca examinadora não respeitou a sua crença, visto que é membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, instituição religiosa que guarda o sábado para atividades ligadas à Bíblia.

Nesse processo, comentei que o TRF-1 decidiu a favor do candidato, para que ele pudesse alterar a data ou horário de prova previsto no edital do concurso público.

No entanto, a União (governo federal) entrou com Recurso Extraordinário (no STF), pedindo a repercussão geral da matéria por se tratar:

  • do princípio da igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal); e
  • em comparação com a norma do mesmo artigo (inciso VIII) que proíbe a privação de direitos por motivo de crença religiosa.

Ou seja, a União não aceita que as atividades administrativas (como os concursos) para prover os cargos públicos estejam vinculadas às crenças dos candidatos.

STF julga mudanças da data de concursos por motivos religiosos

Agora, apenas em 2020, o plenário do Supremo Tribunal Federal vai decidir sobre a possibilidade de mudar o dia e horário de um concurso por motivos religiosos.

“A realização das provas em data e horário diferentes do estabelecido no edital fere o princípio da igualdade entre os candidatos”, argumenta Grace Mendonça da Advocacia Geral da União (AGU).

No recurso, a União afirma que no momento em que um edital é publicado, ele se torna lei e deve ser respeitado. Também, que o Estado é laico – portanto, não poderia condicionar seus atos a crenças religiosas.

Ainda, que a administração pública teria dificuldade de criar horários especiais para cada crença, além de o precedente causar questionamento de outros candidatos.

No entanto, o candidato que iniciou o processo afirma que:

“Não é que os adventistas e judeus (que também guardam os sábados) queiram atrapalhar o governo ou prejudicar suas finanças. Mas limitar a possibilidade de prestar o concurso ao sábado fere seu direito de liberdade de crença religiosa, assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal”.

Nesse sentido, o que muitos candidatos adventistas propõem, no caso das provas que acontecem aos sábados, é que comecem o teste após o pôr-do-sol, quando termina o período sagrado.

Porém, para evitar fraude, eles ficam numa sala fechada no mesmo momento em que os outros candidatos, mas aguardam o fim da tarde para iniciar a avaliação do concurso.

O próprio STF já decidiu sobre um caso parecido. Um grupo de 22 estudantes pedia para realizar o Enem em data alternativa ao sábado, fazendo uma prova com mesmo nível de dificuldade.

O STF negou o pedido para uma data diferente, porque isso poderia causar o questionamento de outros candidatos. Porém, os ministros decidiram que a prova poderia ser feita no próprio sábado, após o pôr-do-sol, desde que os candidatos fiquem isolados e incomunicáveis até esse horário.

O Inep (responsável pelo Enem) já aplicou essa alternativa. Em 2010, 18 mil estudantes religiosos só começaram as provas do Enem no fim da tarde de sábado. Algumas universidades também passaram a aceitar as opções especiais para os religiosos.

Em São Paulo, por exemplo, a Lei Estadual nº 12.142, de 2005, permite que candidatos religiosos realizem provas de concursos e vestibulares após as 18h, quando o teste for no sábado.

Agora, teremos de aguardar a decisão do STF em relação aos concursos. Por ter repercussão geral, a decisão deverá ser aplicada aos demais processos judiciais no país.