Vítima de violência doméstica garante direito de não realizar audiência de conciliação

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Com medida protetiva de urgência contra o ex-companheiro, uma mulher vítima de violência doméstica conseguiu, por meio da atuação da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), que o Tribunal de Justiça de Goiás cancelasse audiência de conciliação com seu agressor prevista para ser realizada em Aparecida de Goiânia. A decisão se baseou em diretrizes do julgamento com perspectiva de gênero, estas definidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A mulher procurou a DPE-GO para assisti-la na defesa de uma ação de dissolução de união estável e guarda, movida por seu ex-companheiro. Ela mencionou a existência de uma medida protetiva contra o agressor e manifestou o desejo de não participar da audiência de conciliação prevista no processo.

Mesmo com contestação feita pela DPE-GO, o juízo não acatou o pedido. Então, no dia 18 de agosto de 2023, a defensora pública Jordaynne Santos, titular da 2ª Defensoria Pública Especializada de Família e Sucessões do município, interpôs um Agravo de Instrumento contra a decisão, no Tribunal de Justiça de Goiás, com pedido de concessão de efeito suspensivo, esse concedido no mesmo dia.

Quando tudo começou

A mulher  conta que tudo começou na gestação de sua filha, que hoje tem dois anos. “Nesse período começaram as agressões verbais, inicialmente, e depois elas foram se intensificando até começar a agressão física”. O casal morava no interior de Goiás e o relacionamento com o pai de sua filha durou três anos, até que após diversas ameaças e violências verbais e psicológicas, iniciaram as violências físicas, cárcere privado e sua exclusão social. “Foi onde que decidi ir até a delegacia e denunciar”, afirma.

Após a denúncia, ela conseguiu autorização do então companheiro para visitar a mãe em Goiânia, a quem ele a proibia de ter contato. “Foi aí que consegui me desvincular um pouco. Ele veio atrás, pediu uma chance para mudar. E aí ele passou a morar perto da minha mãe”. Neste momento, a mulher solicitou uma medida protetiva de urgência, essa concedida em 21 de março de 2023.

Medida Protetiva

Mesmo com a medida protetiva, a decisão determinou que ela participasse da audiência de conciliação por videochamada, “o que evita quaisquer constrangimentos”. Porém, a defensora pública Jordaynne destacou, no Agravo de Instrumento, que a medida estabelece que o agressor deve manter distância de 300 metros dela e de seus familiares, além de proibi-lo de manter qualquer tipo de contato com a vítima, incluindo comunicação por meio de redes sociais.

“Eu ver ele, conversar com ele, ouvir a voz dele, com certeza me faria muito mal. Poderia me atrapalhar, me deixar abalada e tirar um pouco da minha força. Está sendo uma luta muito grande”, afirmou a mulher. Segundo a defensora pública, ainda que nas ações de família as conciliações sejam priorizadas, tal diretriz não pode se sobrepor aos princípios da Constituição Federal, “dentre eles, o da dignidade da pessoa humana”.

Dado ao contexto de violência doméstica vivenciada pela vítima, a Defensoria Pública ainda argumentou no processo sobre a realização da audiência submeter a assistida a uma situação de revitimização.

Decisão

O efeito suspensivo da audiência, primeiro a ser julgado, foi concedido pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) ainda no dia 18 de agosto. A decisão considerou a necessidade de respeitar a manifestação da vontade da assistida, bem como a determinação da medida protetiva de urgência a favor da mulher.

A decisão final favorável ao Agravo de Instrumento, proferida no dia 18 de outubro, cancelou a realização da audiência entre as partes e enfatizou a importância de considerar as diretrizes da perspectiva de gênero na resolução do caso. Reforçou, ainda, que mesmo por videoconferência, a sua realização poderia promover a revitimização da mulher em situação de violência doméstica, forçando-a a ficar em contato com seu agressor. O documento cita que tal circunstância viola tratados internacionais e as leis brasileiras, incluindo a Lei Maria da Penha.

Questionada sobre o significado dessa conquista, a mulher revela: “em uma palavra só, alívio. Um alívio muito grande”. Ela ainda complementa. “Muitas pessoas não saem dessas situações, desses relacionamentos, porque não acreditam na justiça. E a justiça, ela existe, porém a gente tem que correr atrás, tem que ser forte, tem que ser firme”.