Multas ambientais e imóveis localizados em unidades de conservação

Com o avanço tecnológico do agronegócio, aliado à expansão da fronteira agrícola, áreas que antes não possuíam potencial de exploração agora passam a se tornar viáveis para a prática da agricultura. É muito comum que a produção de grãos e exploração agropecuária possa chegar a limites próximos de unidades de conservação, ou mesmo que a criação da área protegida venha posteriormente à atividade de exploração desses imóveis. Em razão disso, tornou mais comum a ocorrência de autuações e embargos em decorrência da atividade agrícola nessas áreas sensíveis.

Ao se deparar com um Auto de Infração em razão de danos causados à unidades de conservação, alguns cuidados devem ser tomados e um análise criteriosa deve ser feita, já que fatores como competência, dosimetria de multa, regularização da área; podem ser afetados diretamente pela ocorrência ou não da infração dentro de unidades de conservação.

O primeiro critério a ser analisado é a competência do órgão ambiental para aplicação de multas e embargos, em razão da localização do imóvel. Sabe-se que os atos de fiscalização e imposição de sanções administrativas relativas à Unidades de Conservação Federais, bem como suas zonas de amortecimento, são de competência primária do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade – ICMBIO. As demais, inclusive aquelas localizadas em unidades de conservação estadual e municipal, estão no rol de competência dos órgãos ambientais estaduais e municipais.

Enquanto o IBAMA e os órgãos ambientais estaduais têm competência para fiscalizar e impor penalidades administrativas e fazer licenciamento ambiental, ao ICMBIO também incumbe fiscalizar e impor sanções, com a diferença de que essa atribuição deve estar necessariamente vinculada à proteção das Unidades de Conservação Federais; ou seja, é preciso comprovar o nexo de causalidade entre os danos ambientais e os efeitos negativos à unidade de conservação federal.

É evidente, portanto, que o ICMBio deverá comprovar por critérios técnicos a justificativa de aplicar uma sanção administrativa fora da sua área de atuação convencional, já que é uma excepcionalidade, sob pena de ter o ato anulado.

Nos casos em que não há a definição específica da zona de amortecimento dos Parques Federais, se aplica, por analogia, a Resolução CONAMA n. 428/2010, que regulamenta o procedimento de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental que afetem as Unidades de Conservação Federais ou suas zonas de amortecimento.

Portanto, conclui-se que a atuação do ICMBio na aplicação de sanções administrativas em imóveis rurais somente se justifica se a área impactada estiver dentro de unidades de conservação federal ou em suas respectivas zonas de amortecimento, ou, excepcionalmente, em prol da defesa e proteção desta unidade.

O segundo cuidado na avaliação de multas aplicadas em decorrência de danos ambientais em unidades de conservação é a tipificação correta da infração e a dosimetria da multa.

Essa questão é relevante pois o Decreto Federal 6.514/2008, que trata das sanções administrativas, traz em seu artigo 93 a possibilidade de aplicação da multa em dobro para os casos em que as infrações afetarem ou forem cometidas em unidades de conservação ou em sua zona de amortecimento[1].

Vale dizer: caso a infração seja cometida ou mesmo afete unidades de conservação ou sua zona de amortecimento, a multa será aplicada em dobro.

No entanto, o próprio artigo 93 – que recentemente teve seu texto alterado, trouxe uma ressalva para a aplicação dessa disposição.

Os artigos do Decreto federal que já possuírem como elementar do tipo o cometimento da infração em unidades de conservação, não poderá ser aplicada a disposição da multa em dobro.

Para exemplificar esse raciocínio, podemos tomar como exemplo o artigo 50 do Decreto 6514/2008, vejamos:

Art. 50. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:

Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.

  • 1º – A multa será acrescida de R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação secundária no estágio inicial de regeneração do bioma Mata Atlântica.
  • 2º – Para os fins dispostos no art. 49 e no caput deste artigo, são consideradas de especial preservação as florestas e demais formas de vegetação nativa que tenham regime jurídico próprio e especial de conservação ou preservação definido pela legislação.

Nota-se que o artigo 50 já prevê que a infração disposta neste artigo deve ser cometida em área objeto de especial preservação, como Unidades de Conservação. Em razão disso, por já prever a unidade de conservação como elementar do tipo, não pode o fiscal ambiental lavrar o auto de infração com base no artigo 50 e dobrar a multa, com base no artigo 93, sob pena de estar imputando duplamente o autuado, o que configura claramente bis in idem.

O último ponto a ser observado em infrações ambientais cometidas dentro de unidades de conservação é a modalidade de compensação ambiental para regularização do dano.

Em Goiás, em razão da publicação da Lei Estadual n. 21.231/2021, a regularização de áreas desmatadas em unidades de conservação deve seguir os seus dispositivos, de modo que a modalidade de recuperação deverá seguir a orientação expressa para cada modalidade de unidade de conservação.

Um exemplo, é o caso da unidade de conservação APA, que, por possuir um nível de proteção mais brando, possibilita a conversão do solo do uso em seu interior, desde que observados a compensação regida pelo Plano de Manejo da própria APA.

Sem dúvida, em razão da discricionaridade técnica e da vasta combinação de artigos, a aplicação de infrações ambientais em unidades de conservação é tema bastante delicado e merece atenção. Aos produtores que tiverem multas aplicadas em razão dessa característica, é aconselhável a procura de um profissional para que avalie se foram respeitadas as normas aplicáveis ao caso.

[1] Decreto Federal 6.514/2008

Art. 93.  As infrações previstas neste Decreto, quando afetarem ou forem cometidas em unidade de conservação ou em sua zona de amortecimento, terão os valores de suas respectivas multas aplicados em dobro, ressalvados os casos em que a determinação de aumento do valor da multa seja superior a este ou as hipóteses em que a unidade de conservação configure elementar do tipo.