Juiz autoriza aborto de feto com doença raríssima no cérebro

Considerando que a gestante sofrerá fisica e psicologicamente durante nove meses à espera de um filho que não possui chances de vida após o parto, o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, da 3ª Vara dos Crimes Dolosos Contra a Vida e Tribunal do Júri, autorizou o Hospital Materno Infantil a realizar o aborto de um feto portador de holoprosencefalia alobar, doença raríssima no cérebro e que impede sua sobrevivência fora do útero materno.

A 2ª Defensoria Pública Especializada de Saúde interpôs pedido de interrupção de gravidez por inviabilidade de vida extrauterina. Informou que a mulher, grávida de cerca de 18 semanas, em acompanhamento no Hospital Materno Infantil (SUS), recebeu o diagnóstico de que o feto não possui viabilidade de vida extrauterina, possuindo má formação cuja terminologia técnica é de holoprosencefalia alombar.

De acordo com o relatório médico do hospital, a holoprosencefalia descreve um espectro de malformações faciais e cerebrais, sendo a forma alobar a mais severa. Nesses casos, as estruturas da linha média estão ausentes, não havendo a divisão dos hemisférios cerebrais. Explicou que não há possibilidade de tratamento ou possibilidade de intervenção fetal, levando o recém-nascido ao óbito no período pós-natal.

Dessa forma, aduziu que impor que a mãe aguarde até o final da gestação a morte inexorável do filho viola frontalmente a sua dignidade, tendo como clara a necessidade de intervenção médica para que a gravidez seja interrompida. Argumentou que, apesar de não haver permissão legal para autorizar o aborto, não há vida a ser tutelada, mas apenas a imposição de sofrimento desnecessário à mãe por prolongado período.

O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) apresentou parecer favorável, alegando que mesmo não havendo previsão legal para a concessão do aborto, o laudo médico afirmou que não existe possibilidade de intervenção cirúrgica no feto e que tais condições o levarão à morte no período perinatal.

O aborto no Código Penal

Jesseir Coelho explica que o Código Penal Brasileiro só permite duas formas de aborto. O terapêutico ou necessário, previsto no artigo 128, inciso I, quando há risco de vida da própria gestante, e o aborto sentimental ou humanitário, quando a mulher é vítima de estupro.

Já o aborto eugenésico, quando há sério ou grave perigo de vida para o nascituro, o magistrado informou que não é expressamente admitido pela lei penal. “Contudo, nessa hipótese, está em evolução o pensamento jurídico, para determinados casos, enquadrar o aborto eugenésico como aborto necessário”, esclareceu o juiz.

Ademais, disse que a Constituição Federal tutela a vida como bem maior a ser preservado. Porém, o feto portador da holoprosencefalia alobar e múltiplas malformações complexas associadas não tem possibilidade de sobrevivência fora do útero materno. Logo, como consequência, não precisa de preservação.

“Poder-se-ia, no caso, preferir o formalismo e, com isso, concluir pela impossibilidade jurídica do pedido. Contudo, diante da realidade vivenciada, onde a prática de abortos clandestinos é maciça e extremamente tímido o controle dessa banda criminosa pelo Estado, com grave repercussão na saúde pública e das gestantes, inclusive com a perda da própria capacidade gestacional, não pode a justiça, na minha limitada visão, deixar de prestigiar a responsável via escolhida pela requerente, ao buscar, no Poder Judiciário, a solução para a sua pretensão”, concluiu Jesseir.

Dessa forma, deferiu o pedido inicial e expediu alvará judicial para que o aborto fosse concretizado no Hospital Materno Infantil, o que já ocorreu. Fonte: TJGO