Discriminação religiosa no ambiente de trabalho fere liberdade de consciência e atinge dignidade do trabalhador

A Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-GO) entendeu que a discriminação religiosa no ambiente de trabalho fere a liberdade de consciência do trabalhador e atinge sua dignidade. Segundo o colegiado, atos de discriminação religiosa podem configurar crime, de acordo com os artigos 1º e 20 da Lei 7.716/1989, com redação dada pela Lei 9.459/1997.

Essa posição foi adotada ao analisar o recurso de uma rede de lojas de tintas que opera em Anápolis e Goiânia. No caso, uma supervisora da empresa foi acusada de discriminar um gerente de vendas por sua ligação à maçonaria. O gerente afirmou que a supervisora, alegando ser cristã e evangélica, não aceitava sua filiação à maçonaria e o submetia a perseguições religiosas.

Segundo o relato do gerente, em uma das ocasiões, após notar um anel com o símbolo maçônico que ele usava, a supervisora o expôs publicamente ao ridículo, declarando em voz alta, diante de vendedores e clientes: “Deus precisa te pegar e te quebrar”. Em outra situação, ela teria segurado as mãos do funcionário e gritado que ele era “filho de pastor, mas não sabia de nada”, o que lhe causou grande constrangimento.

O gerente alegou ainda que levou a questão à diretoria da empresa em busca de uma solução, mas, conforme registrado no processo, a empresa afirmou que a supervisora produzia bons resultados e, por isso, não interviria. Após outros incidentes, o gerente foi transferido para uma filial em Goiânia.

Diante da situação, o empregado recorreu à Justiça do Trabalho, solicitando, entre outros pedidos, o reconhecimento do dano moral sofrido. Ele argumentou que o caso não se tratava de um mero aborrecimento, mas de uma série de humilhações que impactaram sua integridade psicológica.

Decisão de primeira instância

A 4ª Vara do Trabalho de Anápolis reconheceu o dano moral e determinou que a empresa indenizasse o trabalhador. O magistrado destacou que a intolerância religiosa envolve discriminar, ofender ou rejeitar religiões, liturgias e cultos, bem como agredir pessoas por suas crenças, o que é inaceitável sob o ponto de vista da dignidade humana. A sentença também destacou a proteção internacional contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o artigo 5º da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, protegendo o livre exercício dos cultos religiosos e seus locais de celebração.

Embora a maçonaria não seja uma religião formal, o magistrado entendeu que as atitudes da supervisora configuravam uma discriminação inadmissível, violando os direitos de personalidade do reclamante. O juiz considerou que o dano moral, nesse contexto, era presumido, sendo suficiente a comprovação dos eventos narrados para justificar a reparação.

Recurso da empresa

Inconformada com a sentença, a rede de lojas recorreu ao TRT-GO, argumentando que a maçonaria não é uma religião, razão pela qual o caso não poderia ser tratado como intolerância religiosa. A empresa também negou que tivesse sido informada das ofensas e sustentou que não houve prova suficiente para caracterizar dano moral. Alegou ainda que a supervisora atuava em outra loja e não mantinha contato constante com o gerente.

Decisão do Tribunal

O relator do recurso, desembargador Marcelo Pedra, manteve integralmente a sentença de primeiro grau. Segundo ele, a decisão foi proferida com base em uma análise criteriosa dos fatos e do direito aplicável ao caso. O magistrado reforçou que atos de discriminação religiosa, devido à sua gravidade, podem ser considerados crime, conforme previsto nos artigos 1º e 20 da Lei 7.716/1989.

Pedra destacou o conteúdo do artigo 1º da referida lei, que prevê a punição para crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Ele também mencionou o artigo 20, que tipifica como crime a prática, indução ou incitação à discriminação por motivos religiosos.

Diante disso, o TRT-GO negou o recurso da empresa e manteve a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 4 mil. A ofensa foi classificada como leve, considerando o conjunto de fatos e o impacto causado ao trabalhador.

PROCESSO TRT – RORSum-0010280-02.2024.5.18.0054