Tenho observado com muita atenção o ambiente institucional do estado de Goiás e, posso prever, os próximos anos serão bastante prósperos para a advocacia criminal do estado. Sim, é sobre o aumento da oferta de serviço que estou falando. E no mínimo três são os fatores ou as circunstâncias que demandarão maior atuação dos advogados criminalistas, especialmente aqueles que militam no Tribunal de Justiça, no Tribunal do Júri, na Justiça Militar e nos Tribunais Superiores.
E minhas apostas são, em síntese, as seguintes: estão em curso investigações sobre as mortes em confronto com a polícia, que, no estado de Goiás, aumentaram a partir de 2018, e disto resultará a necessidade de que policiais eventualmente envolvidos nesses casos busquem assessoria especializada; ainda, as mudanças na jurisprudência do STJ e o que parece se tratar de uma “cruzada contra ilegalidades na investigação” abrirá espaço para revisão desses atos, especialmente para a atuação por meio de ataque colateral e propositura de revisões criminais”; e, a terceira, a implementação das varas do juiz das garantias alterará a dinâmica de atuação da advocacia frente à persecução estatal, especialmente diante de medidas excepcionais de investigação.
Criação do Juiz das Garantias
Embora pasteurizada pelo STF, a criação do juiz das garantias e sua implantação no Estado de Goiás exigirá a atuação especializada dos Advogados Criminalistas. A defesa em busca da restituição da liberdade deverá ser estruturada, cada vez mais, de forma a compreender que o tomador de decisão necessita de segurança para decidir. E como no processo penal a segurança é alcançada por meio de “informação de qualidade”, o conhecimento sobre as metodologias utilizadas pelos “servicios de antelación al juicio” (Chile) pode fazer toda a diferença, quanto mais se considerado que, ali, na mesma mesa, haverá sempre um membro da defensoria pública, sempre pronto e muito preparado para atuar. Inclusive, esse é um tema que merece maior atenção e reflexão.
Mas, não é só. A dinâmica imposta pelas varas do juiz das garantias também exigirá que a advocacia criminal esteja conectada com o que há de mais atual no universo do direito penal e do processo penal. Imperativo, portanto, estar atento aos principais debates sobre os temas. Destaco, entre outros, os seguintes: “sistema de nulidades e a autonomia do processo penal”, “raciocínio probatório e as suas aplicações no processo penal”, “controle da motivação dos atos judiciais”, “investigação criminal digital e criminal surveillance”, como também o manejo adequado da reclamação criminal, do habeas corpus e dos recursos constitucionais”. Apenas para por o dedo na ferida, recurso especial não é apelação.
Sim, estou falando de oportunidades. Mas, para acessá-las é preciso preparo e qualificação. Afinal, como definir quando impugnar uma decisão do juiz das garantias em detrimento do juiz natural? Em quais circunstâncias devemos fazê-lo? Melhor submeter a questão ao controle do Tribunal, do STJ ou do STF, ou aguardar a definição da competência do juiz natural? Também importante: saber como julgam esses juízes será determinante para a tomada de decisão defensiva – e a respeito disso o Alexandre Morais da Rosa já cunhou um mantra. Ainda, conhecer os efeitos de decisão que foi eivada por motivação inidônea e os limites à convalidação desse ato também devem pautar a atuação da advocacia criminal. É aqui, por exemplo, que mineram os principais profissionais, especialmente aqueles que atuam com o direito penal econômico, como eu.
Por fim, e não menos importante, necessário antever que a atuação do juiz das garantias também alterará a dinâmica das Câmaras Criminais e, por decorrência, das recém-criadas Primeira e Segunda Seções Criminais. Singelo estudo sobre a composição de cada uma das Câmaras e, por decorrência, de cada uma das Seções, associado à possibilidade de que, em matéria criminal, o empate se resolve em benefício do acusado, tudo isto permite concluir que caberá às Seções papel determinante no avanço ou no recrudescimento da jurisprudência criminal do TJGO. E, mais: não podemos esquecer que a inovação trazida pelo art. 647-A possibilitará a concessão de ordem de habeas corpus no curso de qualquer processo judicial. Afinal, como as Cortes reagirão a essa inovação?
A cruzada do STJ por respeito às regras do jogo
As recentes decisões do STJ parecem indicar uma tentativa de ruptura com setores que, no poder judiciário, na sociedade e nas polícias, insistem em violar as regras do jogo, desrespeitando os direitos mais comezinhos. E nesse intento de ruptura foi necessário dizer o que parecia óbvio: a casa é asilo inviolável e o seu acesso deve ser excepcional, sempre em observância à lei (HC 435.934, Sexta Turma); o procedimento do reconhecimento de pessoas deve observar o art. 226, parágrafo II do CPP (Resolução 484/2022), garantindo-se que haja alguma semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos colocados ao seu lado; é ilegal a captação ambiental praticada por colaborador como se agente do estado fosse (RHC 150.343/GO).
Referidos julgados, para além da repercussão social que proporcionam, também servirão de parâmetro em casos análogos. Daí compreender, portanto, que a cruzada do STJ por respeito às regras do jogo também pode servir à revisão de diversos casos, movimentando, com isso, a advocacia criminal.
Investigação das mortes em confronto com a polícia
As recentes notícias sobre reviravoltas em casos de “mortes em confronto com a polícia” têm agitado o meio. Mais precisamente, já se cogita a existência de investigação sobre a maior parte dos casos, especialmente aqueles ocorridos em face de egressos do sistema prisional e de pessoas sem passagem pela polícia. Caso confirmadas tais notícias, estaremos diante de uma enxurrada de ações penais e de julgamentos massivos perante a Justiça Militar e o Tribunal do Júri. Ou, dizem outros: perante a justiça federal? Aguardemos.
Verdade seja dita, a confirmar essa prognose, as investigações causarão expressivo aumento da demanda por advogados e advogadas criminalistas com atuação na Justiça Militar e no Tribunal do Júri, especialmente se considerada a complexidade dos casos e o número de envolvidos. Oxalá que nesses casos os olhos dos interessados se voltem aos causídicos goianos, que, “cá prá nós”, não deixam nada a desejar para qualquer outro profissional do país.
Como visto, os próximos anos serão bastante prósperos para a advocacia criminal, especialmente para os profissionais especializados. E olha que não falei do GAECO do MPGO, que, não se enganem, está trabalhando, e muito. E você, está preparado para esse período de fartura?