Defasagem escolar estimula revisão do sistema de ensino socioeducativo

livrosOs poucos adolescentes no país que cumprem medida socioeducativa de internação e obtiveram sucesso no Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL 2015) lutam agora pela oportunidade de cursar uma faculdade e assegurar um futuro melhor. Mas a baixa escolaridade impede avanços.  Dos 21.823 menores em unidades socioeducativas no país, 3.043 se inscreveram para a prova em 2015 e, ao que se tem notícia, apenas 36 conseguiram aprovações por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) (Veja quadro abaixo).

Por conta disso, segundo a coordenadora-geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH) o governo deve adotar em breve, por meio de uma resolução que já está em fase de homologação, diretrizes específicas para o sistema de ensino socioeducativo, com escolarização seriada e integral, e não apenas pelo sistema de Educação de Jovens e Adultos (EJA). “A escolarização dos jovens é muito baixa. Em geral, quando eles chegam ao sistema socioeducativo, já foram expulsos primeiro da família e depois do sistema de ensino”, afirmou Vieira. Na opinião do coordenador-geral, a reinserção social dos menores passa necessariamente pela escolarização. “Ainda é um tema que temos muito a superar, mas temos avançado bastante nisso, com a criação, por exemplo, de carreiras específicas para professores no sistema socioeducativo”, observou.

Em Pernambuco, por exemplo, de acordo com informações da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), dos 74 socioeducandos inscritos no Enem PPL 2015, 35 desistiram. Na Bahia, nenhum menor participante obteve pontuação para ingressar na universidade pelo Sisu. Mesmo assim, as notas dos candidatos internados em alguma das Comunidades de Atendimento Socioeducativo subiram na redação e na pontuação final. Resultado do esforço de educadores da Fundac, que incentivam o adolescente que deixa as unidades de internação a continuar com os estudos em liberdade. De acordo com a Coordenação de Educação da Fundação da Criança e do Adolescente do Estado da Bahia (Fundac), a rotatividade de alunos que entram e saem das unidades de internação impede um melhor desempenho nas provas do Enem.

O Diretor do Departamento de Atendimento Socioeducativo (DEASE) do Paraná adota política semelhante. Segundo Pedro Ribeiro Giamberardino, apesar de todo esforço, os profissionais do órgão não conseguiram que um adolescente se matriculasse no curso para o qual fora aprovado no SISU, após ser liberado pela Justiça. “O adolescente foi aprovado, porém, foi desinternado antes do processo de inscrições para o SISU. A equipe da Unidade prestou todas orientações para que realizasse sua inscrição, porém, ele não conseguiu a vaga”, relatou Giamberardino.

O trabalho da equipe resultou na aprovação de um dos 145 jovens internados que prestaram o Enem. O adolescente de 18 anos cursa atualmente Ciências Contábeis em uma faculdade de Curitiba. “Ele permanece na unidade durante o dia, vai ao curso com veículo oficial sem constrangimento no local de estudo e posteriormente retorna para pernoite. O adolescente cursa a faculdade no horário das 19h às 22h45”, afirmou o diretor do DEASE. Pelo desempenho de outros 31 adolescentes internados no Enem PPL, os jovens receberão o certificado de conclusão do ensino médio.

Novos hábitos – Na avaliação de internos e professores, além de ser uma oportunidade para o ingresso ao ensino superior, o Enem PPL tem contribuído para outros resultados importantes como a obtenção de certificados de conclusão do ensino médio ou a simples mudança de hábito.

Internado há um ano e quatro meses na Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire) pela acusação de roubo, L.F., 19 anos, conseguiu o certificado de conclusão do ensino médio por meio da pontuação no Enem PPL, após se dedicar em uma rotina de estudos bem diferente do contexto de tráfico de drogas em que estava inserido. “Aqui amadureci bastante. Não tiro só como atraso de vida, mas como experiência”, disse L.F., que pretende prestar o Enem novamente este ano com objetivo de obter pontuação suficiente para o curso de Antropologia ou Filosofia em universidades federais.

Além da rotina de estudo diário na unidade socioeducativa, o jovem ressalta que o hábito da leitura – três horas por dia durante o banho de sol matinal – foi um fator que o ajudou bastante no bom desempenho na prova. “Ganhei um livro de Machado de Assis de presente de um agente e o hábito da leitura me ajudou muito na questão do vocabulário”, afirmou.

M.S., 18 anos, que conseguiu uma bolsa parcial pelo ProUni no curso de Educação Física em uma faculdade de Taguatinga, cidade do Distrito Federal, também relata mudança de vida. “Lá fora não tinha rotina certa, fumava maconha, roubava, traficava. Agora quero procurar emprego, passar em um concurso, ter uma mulher, um filho, coisas que antes eu achava que era pouco, mas agora eu vi que é tudo”, disse.

Para cursar a universidade, os jovens precisam de autorização do juiz, que decide conforme o caso, dependendo do comportamento e tempo de pena cumprido, dentre outros critérios. “Se não tiver autorização para fazer a faculdade, não vou desistir, vou tentar de novo, quem sabe uma nota maior”, afirmou o jovem V.W., que cumpre medida socioeducativa há dez meses e foi aprovado em Tecnologia da Informação pelo ProUni.

Sistema socioeducativo – Diferentemente das condenações impostas a adultos por algum crime, as medidas socioeducativas são avaliadas periodicamente pela Justiça, podendo ser extintas ao longo do período de três anos, prazo máximo da medida de internação. Conforme a avaliação feita pelos juízes responsáveis pelo acompanhamento das medidas socioeducativas, os adolescentes podem também progredir da internação para a semiliberdade, por exemplo. A peculiaridade do sistema socioeducativo afeta os serviços de educação prestado dentro das unidades.

Em unidades de internação, pode-se instalar uma escola ou um núcleo de educação, com aulas e anos letivos regulares. Nas unidades de internação provisória, onde adolescentes apreendidos por atos infracionais podem permanecer durante no máximo 45 dias, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não existe essa possibilidade. Em unidades de semiliberdade, os adolescentes são matriculados e estudam nas escolas mais próximas das casas de semiliberdade – em alguns casos, são oferecidas atividades educacionais no contraturno.

Fonte: CNJ