Comarca de Paraúna terá sistema prisional sem vigilância armada e com foco em ressocialização

A comarca de Paraúna terá sistema prisional pioneiro sem vigilância armada e com foco em ressocialização. A obra do novo presídio está 55% concluída. O prédio terá capacidade para 120 homens, nos regimes aberto, semiaberto e fechado.

A novidade prioriza a pena humanizada que, para a Apac, sigla para Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, prevê um modelo de presídio sem violência e armas na vigilância, mas com espírito de responsabilização. Wanderlina Lima Morais, juíza titular da comarca, conheceu esse modelo alternativo quando ainda era magistrada em Minas Gerais, em 2013, Estado onde nasceu a iniciativa.

Ela conta que o índice de reincidência a surpreendeu positivamente: 15% contra 85% do sistema regular. Investigou o sucesso e viu que havia uma série de diferenças do tradicional que possibilitavam o êxito, com um adendo: “não há nada novo, tudo é previsto na Lei de Execução Penal, a diferença que é, realmente, difícil de aplicar na prática no modelo tradicional”.

O método apaqueano compreende, a princípio, o envolvimento dos próprios presos em todas as tarefas de manutenção do presídio, como a limpeza, organização e cozinha. Dessa forma, cria-se uma força de trabalho verdadeiramente útil, diferente do trabalho vazio, o qual o filósofo Michel Foucault comenta na famosa obra Vigiar e Punir, livro que tece duras críticas ao sistema punitivo tradicional. “Todos são integrados à rotina da Apac, e se enxergam como parte de cada engrenagem”, conta Leandro Gomes Pereira, presidente regional da associação em Goiás.

Com o emprego dos presos, chamados aqui de reeducandos, o custo também diminui, de R$ 3 mil para R$ 1.2 mil no, em comparação às penitenciárias regulares. Os benefícios, contudo, são imensuráveis na opinião da magistrada e do presidente da associação: a dignidade dos detentos, que estimula o sentimento de pertencimento à sociedade. “Nas Apacs, eles ficam de cabeça erguida. A família não os encara como prisioneiros, mas sim como trabalhadores”, explica Leandro.

A participação familiar é, inclusive, uma das chaves para a ressocialização, uma vez que, para a Apac, a solidão não é um fator operador da pena. “A visitas são feitas num ambiente acolhedor e humanizado, e os familiares não passam por revistas vexatórias. As visitas íntimas, inclusive, são pernoites, nas quais as companheiras podem ter tempo para conversar e estar, de verdade, com os reeducandos. As crianças, por sua vez, têm um parquinho”, conta a magistrada. Parentes e cônjuges recebem ainda ajuda médica e psicológica, assim como os internos.

Essa série de vantagens ao reeducando tem uma contrapartida: se há uma transgressão disciplinar ou desrespeito às normas internas, ele volta ao presídio comum. “Assim, cria-se um senso de responsabilidade e de autodisciplina. Sabemos que o modelo não é para todos, há um perfil específico de reeducando para a Apac, para o qual é possível incentivar essa política”, elucida a Wanderlina.

Leandro tem uma abordagem behaviorista ao exemplificar para quem pode servir o método apaqueano. “Imagine um cachorro. Coloque-o numa jaula, sem água ou comida. Se soltá-lo, ele vira um bicho feroz. Agora, trate-o bem. Seres humanos são assim também”, simplifica.

Terceiro setor

Com mais da metade da obra concluída, o prédio da Apac de Paraúna vai abrigar 120 homens de todos os regimes de execução penal da comarca e região judiciária. A unidade terá 2,4 mil metros quadrados de área construída, em terreno de 24 mil metros quadrados, devendo ser concluída em até seis meses. O projeto arquitetônico foi elaborado de acordo com as normativas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Os recursos são oriundos de doações de órgãos públicos, entidades privadas e de acordos de não persecução penal e termos circunstanciados de ocorrência.

Foi preciso parcerias com associações civis, voluntários, poderes públicos municipais para colocar em prática a iniciativa, que prevê uma estrutura ampla e iluminada. O desembargador Anderson Máximo de Holanda, supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Estado de Goiás (GMF) esclarece, “que apesar de ser incumbência do Poder Executivo a gestão dos presídios, a legislação permite parcerias com o terceiro setor, a fim de fazer a política pública funcionar efetivamente”. O juiz auxiliar da presidência Reinaldo Oliveira Dutra endossa a participação do Poder Judiciário: “A iniciativa é público-privada e o compromisso e gestão são da Apac, mas quem decide quais são os presos que vão cumprir pena no local é o juízo local”.