Pais não podem outorgar procuração para criação dos filhos

*Carlos Eduardo Rios do Amaral

Cena curiosa e corriqueira que se vê no dia-a-dia é a outorga de instrumento procuratório público lavrado em cartório por genitores em favor de terceiros para que estes exerçam todos os deveres e cuidados na criação de seus filhos.

Acontece que, afora os casos do exercício do poder familiar pelo pai e pela mãe, descabe aos genitores eleger quem melhor poderia exercer os cuidados para com seus filhos menores. Qualquer determinação dos genitores nesse sentido não passa de mera recomendação ou sugestão.

É que nos termos da legislação brasileira em vigor cabe ao Estado, através do Poder Judiciário, dizer quem poderá exercer todos aqueles deveres inerentes ao exercício do poder familiar sobre os filhos menores no lugar dos genitores. E não há qualquer exceção a esse imperativo legal.

E o instituto de direito civil que consubstancia esse autorizativo judicial para criação de filhos menores de terceiros é a guarda de que tratam os artigos 33 a 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não se confunde com a conhecida guarda de filhos das varas de família (unilateral ou compartilhada) por ocasião da dissolução do casamento ou da união estável.

A guarda do Estatuto da Criança e do Adolescente, que possibilita a terceiros substituir plenamente a figura dos genitores na criação de menores, é da competência dos Juizados da Infância e da Juventude. E conta com a participação e fiscalização do Ministério Público em todas as fases do procedimento judicial.

Rigoroso, o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite que seja deferida a guarda provisória em sede de liminar antes da realização de estudo social por equipe interprofissional composta por assistentes sociais e psicólogos, recomendando – ou não! – a permanência do menor com terceiros (Art. 167 do ECA).

Destarte, toda e qualquer procuração lavrada em cartório transferindo a guarda e criação de filhos menores a terceiros “outorgados” vai muito além da pecha de negócio jurídico manifestamente nulo de pleno direito, constituindo-se mesmo em negócio jurídico inexistente, pois incapaz de produzir qualquer consequência no mundo jurídico.

Por derradeiro, cumpre sempre lembrar que o instituto da guarda em nenhuma hipótese se constitui em meio para que os genitores se exonerem do encargo legal de criar, amar e educar seus próprios filhos menores, como determina o Art. 1.634 do Código Civil. O simples – e egoístico! – desejo de não criar os filhos, não escorado em motivo grave de saúde ou força maior, constitui em crime contra a assistência familiar, sem prejuízo da destituição do poder familiar de seu sujeito ativo.

*Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo