Abrangência da imunidade tributária aos templos de qualquer culto – questões constitucionais e tributárias

*Vitor Luiz Costa

A imunidade concedida aos Templos de qualquer culto, está estampada junto a Constituição Federal de 1988, onde expressa a vedação à instituição de impostos que incidam sobre os templos de qualquer culto, conforme disposto no artigo 150, inciso VI alínea “b” da Constituição da República Federativa do Brasil.

Como já debatido, a competência negativa da instituição de impostos que recaiam sobre os templos têm como condão a tutela à liberdade de crença religiosa, indiscriminadamente, reforçando, desse feito, a laicidade do Estado Brasileiro.

Ora a imunidade tributária em tela encontra relação direta ao livre exercício de cultos religiosos e, como não poderia ser diferente traz inserido em texto constitucional a proteção dos respectivos locais e de suas liturgias. Apresentando-se como direito fundamental estabelecido no artigo 5°, inciso VI, da Carta Maior. Não há como suprimir, ainda que parcialmente, do instituto das imunidades tributárias os templos para prática de diferentes liturgias, uma vez que se compreendem como verdadeiras cláusulas pétreas, portanto, esbarrando na vedação constitucional prevista no art. 60, §4°, inciso IV, que, como notório, consagra os direitos fundamentais como cláusulas imodificáveis.

Outrossim, é de suma importância ressaltar mais claramente a definição de templo, local, onde são realizados os cultos religiosos, bem como suas liturgias. Em se tratando de um bem imóvel, não há que se falar em incidência de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), ou mesmo na hipótese de localização em zona rural do local para o culto religioso em de Imposto Territorial Rural (ITR).

Contudo, destaca-se que a imunidade tem caráter protetivo que ultrapassa as metragens das edificações onde se estabelece a igreja, devendo ser compreendida no sentido amplo do termo.

Na verdade, a debatida imunidade alcança igualmente o patrimônio, a renda e, até mesmo, os serviços estritamente relacionados à atividade religiosa, ao principal objetivo da igreja. Tal compreensão extensiva decorre da norma constitucional do §4° do art. 150.

Todos os serviços de natureza predominantemente religiosa, tais como missa, batizados, orações, rituais sofrerão imunidade acerca da incidência de Impostos de competência Municipal (ISS).  Igualmente, a premissa é verdadeira quanto à incidência do IPVA, desde que o veículo automotor seja de propriedade da instituição religiosa com o qual o pároco, seja ele pastor, rabino, baba orixá, o utilize no exercício paroquial.

Entretanto, na utilização do veículo em destinação diversa aos serviços de cunho predominantemente religiosos retornará aos status “a quo” incidindo novamente o IPVA sobre a propriedade do mesmo.

Por conseguinte, quando da realização de feiras, bazares ou outras atividades comerciais que tragam renda à entidade religiosa, igualmente, não persiste a hipótese de incidência de impostos, eis que, de alguma natureza vincula-se à atividade religiosa.

Dessa feita, tornasse claro, o entendimento de que a manutenção das atividades religiosas é dependente de renda extraída da comercialização de produtos religiosos, logo, não seria razoável a dissociação das mencionadas atividades comerciais da natureza semelhantemente a da instituição religiosa, acertando, conforme ensinamentos doutrinários a hipótese de interpretação extensiva do §4° do art. 150 da Constituição Federal da República Brasileira de 1988.

Outro ponto que gera dúvida e debate no mundo jurídico, é a imunidade do imóvel vizinho ou espécie de anexo ao templo, cuja utilização é para moradia do pároco ou, como estacionamento inclusive com cobrança.

Neste lamiré, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou de forma bastante flexível, inclinando-se à interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, na tentativa de concedê-las a maximização da sua efetividade, garantindo ou estimulando os valores constitucionais que a inspiram, conforme proferido pelo Exmo. Ministro Relator Sepúlveda Pertence no Recurso Extraordinário n.º 237718.

Traz à baila um julgado da Corte Suprema onde restou imunizado em referência ao IPTU não somente os imóveis de propriedade de mitra diocesana onde celebram cultos religiosos, estendendo-o a todo o acervo imobiliário da entidade, incluindo lotes vagos e, pasme, prédios comerciais dados em locação (RE 325822, Gilmar Mendes).

Outra questão que gera dúvidas seria a aplicação da imunidade em locais de sepultamento pertencentes a congregações religiosas para sepultamento de seus membros que aliam congregam.

Há quem defenda que, no caso de cemitério, não seria abarcado pela imunidade concedida pois, em regra, não estariam anexos aos locais de realização dos cultos, tal como casa paroquial, estacionamento.

Todavia, entendemos que, o cemitério, mesmo que em local distante da igreja onde são realizadas as reuniões, cultos, e atividades pertinentes da entidade, seria beneficiaria sim, da concessão da Imunidade prevista junto ao artigo 150, inciso VI alínea “b” da Constituição da República Federativa do Brasil.

Nesse sentido entendeu o Supre Tribunal Federal após julgar questão relacionada com a cobrança de IPTU de cemitério pertencente a entidade religiosa conforme julgado:

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido.” Decisões no mesmo sentido: AgRg no REsp 687.603/RJ, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 26.09.2005;REsp 656.631/SP, 1ª T., Min. Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 05.09.2005; REsp 757.897/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 6.3.2006; REsp 729.769/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 4.5.2006; REsp 818.618/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 2.5.2006; REsp 721.862/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 18.5.2006; REsp 776.122/SP, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 19.4.2006; REsp 703.600/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 13.6.2005; REsp 705.097/SP, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 26.9.2005

Podemos verificar que o entendimento do próprio supremo que, a Imunidade concedida a tempos de qualquer culto é extensiva a seus cemitérios, não podendo sofrer cobrança de imposto por parte do Município onde encontra-se o cemitério.

Não resta outra questão senão perquirir se as rendas produzidas pelo objeto social da entidade serão destinadas às suas atividades essenciais, assim o local de sepultamento vinculado a entidade religiosa mesmo que venha a auferir lucro de seus membros, tais valores são utilizados para a manutenção e conservação do local, tal como o estacionamento de local religioso que cobra tarifa para estacionar, o valor é utilizado em benefício da própria instituição.

Outra questão que pode gerar duvidas seria a locação de imóvel pertencente a entidade religiosa para terceiro, se nesse caso o imóvel locado para terceiro pela instituição religiosa perderia a imunidade concedida pela Constituição.

Bem, entendemos que não, uma vez que, mesmo que a instituição religiosa venha a locar imóvel a ela pertencente, o lucro auferido será utilizado na própria instituição, nesse sentido, importante destacar trecho amanhado por Sacha Calmon, quando adentrou na discussão sobre imunidade tributária de imóvel pertencente à entidade religiosa que, por sua vez, o alugava, destinando a renda daí proveniente em atividades filantrópicas. Outrossim, destacou que o caso se resumia à alínea “c”, do inciso VI, do art. 150, da CF/88, e não à alínea “b”, do mesmo inciso.

Percebe-se que a imunidade tributária foi reconhecida aqui com fulcro alínea “c”, do inciso VI, do art. 150, da CRFB/88, porquanto, embora religiosa, a sociedade tinha fins assistenciais não lucrativos.

Por outro lado o acórdão proferido no Recurso Extraordinário n.º 325.822-2 possui emenda nos seguintes termos:

“EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido.”

Não resta dúvidas de que, a Imunidade concedia pela Constituição Federal junto ao artigo 150, VI, “b” deve abranger não somente os prédios destinados aos cultos, mas todo o patrimônio, renda e serviços, desde que relacionados com o finalidade essencial da instituição.

*Vitor Luiz Costa é especialista em Direito Tributário, Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Penal Econômico e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Penal da OAB/SP