A possibilidade de usucapião em imóvel deixado por herança

Byanca de Freitas Barbosa*

Um herdeiro possuidor por usucapião é aquele que, devido ao falecimento de um parente na linha de sucessão, adquiriu não apenas o direito de propriedade compartilhada, mas também o direito de posse sobre os bens deixados.

Ele pode exercer unilateralmente a posse de um determinado bem imóvel antes da abertura da sucessão. Por outro lado, os outros herdeiros, que têm os mesmos direitos que o possuidor direto, possuem todas as prerrogativas para defender sua parte na posse e sua propriedade dos bens comuns.

Caso se sintam ameaçados por alguém, eles podem recorrer a todos os recursos legais (ações possessórias e, quando aplicável, petitórias) para proteger seus direitos. Ocorre que muitas vezes os outros herdeiros deixam de utilizar, dispor ou desfrutar do bem, em especial de dar um destino social ao imóvel e possuí-lo, afastando, assim, qualquer garantia que pudessem ter sobre o bem imóvel herdado.

O regime de condomínio é deixado de lado quando há posse exclusiva por parte de um dos condôminos, no caso o usucapiente, momento em que os demais são excluídos, afastando, assim, a comunhão de fato, embora continue a existir a comunhão de direito, sendo plenamente possível que o possuidor direto possa usar a ação para alcançar a finalidade de adquirir integralmente o bem (posse e propriedade) por meio da usucapião.

Nesse sentido, se apenas um dos herdeiros cumpre a função social da propriedade, poderá adquirir, por meio da usucapião, o direito exclusivo sobre o bem, em detrimento dos demais coerdeiros que não tomaram cuidados para garantir seu quinhão na herança, desde que preenchidos os requisitos da usucapião.

No entanto, a aplicação deste instituto em imóveis herdados apresenta nuances que merecem atenção tanto do ponto de vista legal quanto social.

Do ponto de vista legal, a legislação brasileira prevê a possibilidade de usucapião de imóveis deixados por herança. Contudo, para que isso ocorra, é necessário que o herdeiro ocupe o imóvel de forma ininterrupta e pacífica por um lapso temporal mínimo de 15 anos, podendo variar de acordo com a modalidade de usucapião adotada e a situação específica de cada caso, conforme artigo 1.238 do Código Civil, que pode reduzir-se a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Além disso, é fundamental considerar as implicações sociais dessa possibilidade. A usucapião de imóveis herdados pode representar uma oportunidade de regularização fundiária para famílias que, muitas vezes, habitam há gerações um imóvel sem o devido registro formal.

Assim, a aplicação da usucapião pode conferir segurança jurídica e dignidade aos ocupantes, garantindo-lhes o direito à moradia. Por outro lado, é importante estar atento aos possíveis conflitos familiares que podem surgir em torno da usucapião de imóveis herdados.

Disputas entre herdeiros, divergências quanto ao reconhecimento da posse pacífica e ininterrupta, e questionamentos sobre a verdadeira intenção do ocupante são questões que podem surgir e devem ser devidamente analisadas pelo Poder Judiciário. Diante disso, a possibilidade de usucapião em imóveis deixados por herança demanda uma abordagem cuidadosa e ponderada, que leve em consideração não apenas os aspectos legais, mas também as realidades sociais envolvidas.

A busca por soluções que conciliem os interesses das partes envolvidas, aliada ao respeito aos princípios da justiça e da equidade, é essencial para garantir a efetividade deste instituto e promover o acesso à moradia digna para todos os cidadãos.

*Byanca de Freitas Barbosa é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões e integrante da Goulart Advocacia@byancabarbosaa