Campos de murundus no Estado de Goiás

A advogada Bruna Gonçalves trata nesta quarta-feira (5), sobre os campos de murundus no Estado de Goiás. Ela é integrante da equipe agroambiental do GMPR Advogados. Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduada em Direito Ambiental. Pós-graduanda em Direito Processual Civil e em Direito do Agronegócio. Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-GO.

Bruna Gonçalves

Leia a íntegra do texto:

Vários produtores rurais possuem inúmeras dúvidas quando o assunto é campos de murundus, em especial, quanto ao seu conceito e se constitui Área de Preserva Permanente (APP).

Inicialmente, importante esclarecer sobre o que é Área de Preservação Permanente (APP). Segundo o Código Florestal Brasileiro, APP constitui área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

O exemplo mais comum de APP são as faixas marginais de curso d’água natural, também muito conhecidas como matas ciliares.

A fim de entender toda a problemática sobre este tema, necessário se faz destacar o histórico dos campos de murundus nas legislações do Estado de Goiás.

Em 2007, entrava em vigor a Lei Estadual n. 16.153/2007, a qual tratava sobre a preservação dos campos de murundus, também conhecidos como covais.

Esta Lei Estadual conceituava os campos de murundus como solos hidromórficos, de coloração acinzentada permanentemente saturados por água, associados a presença de aquíferos suspensos aflorantes e subaflorantes, considerados também como zona de recarga do aquífero livre ou lençol freático.

Além disso, a mesma Lei considerou os campos de murundus como Áreas de Preservação Permanente (APP).

No ano de 2019 a Lei Estadual nº 16.153/2007, que trata sobre campos de murundus, foi revogada pela Lei Estadual n. 20.694/2019, que dispõe sobre as normas gerais para o licenciamento ambiental em Goiás, ou seja, naquele momento, os campos de murundus deixaram de ser considerados APP.

Contudo, no ano de 2020, a Política Florestal do Estado de Goiás (Lei Estadual n. 18.104/2013) foi alterada pela Lei Estadual n. 20.773/2020, de forma que os remanescentes de campos de murundus foram novamente considerados como APP.

Isso significa que entre as datas de 26 de dezembro de 2019 e 08 de maio de 2020 os Campos de Murundus não podem ser considerados APP, ou seja, eventuais penalidades administrativas e criminais, como a própria multa, não podem ser aplicadas em razão de infrações ambientais cometidas em campos de murundus neste espaço de tempo, como se fossem APP.

Caso as penalidades sejam aplicadas neste contexto e nesse lapso temporal, deverão ser declaradas nulas por não possuir respaldo normativo para a aplicação de multas e imputação de crimes.

Nesta oportunidade, o conceito de campos de murundus foi estabelecido como sendo uma fitofisionomia do Bioma Cerrado caracterizada por apresentar uma associação de área plana (campo limpo), inundável no período chuvoso, onde estão inseridos incontáveis microrrelevos ou morrotes (murundus) de terra cobertos em diversos graus por vegetação lenhosa típica de cerrado, conforme o inciso XII, do artigo 5º, da Lei estadual n. 18.104/2013.

Continuando no histórico da legislação estadual sobre campos de murundus, em 17 de novembro de 2022 o artigo 17 da Lei Estadual n. 18.104/2013 foi alterado, sendo incluído a obrigatoriedade de recomposição dos campos de murundus.

Porém, em 22 de dezembro de 2022 alterou novamente o artigo 17 da mesma Lei, para que a recomposição dos campos de murundus não fosse mais obrigatória, aplicando-se a recomposição apenas aos remanescentes de campos de murundus.

Por bastante tempo desconhecia-se a localização exata das áreas de murundus no Estado de Goiás, o que dificultava a fiscalização, bem como a aplicação de multas e embargos sobre quem, eventualmente, tivesse realizado intervenções sem a autorização do órgão ambiental.

Em 2022, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Semad/GO recebeu da Universidade Federal de Goiás (UFG) o Relatório Técnico de mapeamento dos remanescentes de campos de murundus(1), realizado por meio de imagens de satélite, identificando um total de 270.883,69 hectares de campos de murundus, o qual oportunizou o início das intensas fiscalizações destas áreas pela Semad/GO.

O impacto percebido a partir disso foram as dificuldades no licenciamento ambiental referente aos imóveis rurais que possuem campos de murundus, causando indeferimento dos pedidos de licença e exigência de realocação da Reserva Legal que tenha campos de murundus, a fim de que um só local não caracterize sobreposição de áreas protegidas, quais sejam, Reserva Legal e APP.

Além disso, em razão das fiscalizações, a Semad/GO tem aumentado a aplicação de penalidades administrativas no caso de infrações ambientais nos campos de murundus, cujas penalidades são multa e embargo da área ou atividade.

Em síntese, podemos concluir que, atualmente, os remanescentes de campos de murundus são considerados como APP e, a depender do momento de intervenção ocorrido nestas áreas – que possam eventualmente qualificá-las como áreas rurais consolidadas – não é de imposição automática a obrigatoriedade de ser realizada a recomposição dessas áreas. Já os remanescentes de murundus devem ser obrigatoriamente protegidos, bem como sua faixa de proteção na projeção horizontal de 50 metros, conforme preceitua a legislação ambiental.

Aos produtores rurais, é recomendado, portanto, que tenha exata ciência da existência – ou não – de remanescentes de campos de murundus no interior de seus imóveis, em razão da necessária proteção desses espaços de alta relevância ecológica.

Além disso, aos produtores que tenham propriedades caracterizadas pelo órgão ambiental como possuidoras de remanescentes de campos de murundus, é preciso atenção para, caso ocorra divergência nessa interpretação, apresentar uma impugnação administrativa junto ao órgão ambiental, devidamente respaldada por laudo técnico ambiental, para pleitear a exclusão dessas áreas equivocadamente caracterizadas como campos de murundus na base de dados do órgão, sob pena de estar suscetível a sofrer sanções administrativas.

1 https://siga.meioambiente.go.gov.br/documents/680