Lei brasileira de crimes ambientais tem falhas de natureza criminal, apontam especialistas

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A Lei 9.605/1998, que trata das sanções penais e administrativas de condutas prejudiciais ao meio ambiente, apresenta falhas de natureza criminal, o que revela um déficit do Judiciário brasileiro, afirmou o presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Paulo de Bessa Antunes, que é especialista na área.

Durante o evento O papel do Poder Judiciário na preservação do meio ambiente, promovido pela entidade na semana passada, ele apontou que as penas previstas na norma são muito brandas, com violações caracterizadas como crimes de menor potencial ofensivo: “a grande maioria dos crimes tipificados na lei de crimes ambientais tem penas inferiores a quatro anos. Se pegarmos o caso de crime de poluição, por exemplo, ele tem uma pena equivalente à pena do furto simples, que é de quatro anos”.

Bessa ainda relembrou os desastres ambientais ocorridos em Minas Gerais, em 2015 e 2019, com o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho. De acordo com o palestrante, o País não soube lidar adequadamente, do ponto de vista do Direito, com esses problemas: “Mariana e Brumadinho mostraram que nós não temos uma norma penal, e também na área da responsabilidade civil, capaz de tratar situações dessa gravidade”.

Durante a abertura do evento, o 1º vice-presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, afirmou que a agenda ambiental, valorizada pelo novo governo federal, é de suma importância para o papel do Brasil no cenário internacional. “Nesse aspecto, o Judiciário também desempenha um importante papel, tendo em vista as inúmeras questões que são levadas e decididas em matéria de meio ambiente, uma delas que, inclusive, não está ligada apenas ao meio ambiente, é a do marco temporal”, disse o advogado.

O evento também teve a participação da secretária municipal de Meio Ambiente e Clima do Rio de Janeiro, Tainá de Paula, do secretário-geral do IAB, Jorge Rubem Folena, e da diretora de Diversidade e Representação Racial da entidade, Edmée da Conceição Cardoso. Endossando a visão de Paulo Bessa, Folena afirmou que o texto da norma que trata dos crimes ambientais é bom, mas prevê sanções brandas demais.

“Quem defende penas pequenas para a prática de crimes ambientais são pessoas que têm um comportamento reacionário”, criticou o advogado. Ele pontuou que é importante garantir o desenvolvimento da sociedade, mas é preciso pensar nos limites desse avanço: “Qual é o custo para esse progresso e de que tipo de progresso nós estamos falando? É destruindo todas as florestas e causando degradações ambientais e climáticas?”, questionou.

Tainá de Paula destacou a importância da Constituição Federal como marco que consolidou diferentes legislações sobre o meio ambiente: “A constituinte incluiu uma série de artigos onde o direito à água, à terra, à biodiversidade e à dignidade humana, associados a elementos da natureza, fazem parte de um arcabouço que até então era colocado no Direito Internacional”.

Para a secretária, é fundamental que o poder público e entes do Direito sejam agentes que promovam o debate com a sociedade sobre a pauta ambiental. “É importante que o Poder Judiciário e esse ecossistema jurídico estejam cada vez mais abertos e estabeleçam instrumentos de diálogo, para que consigamos arejar as nossas decisões jurídicas. O letramento jurídico também parte do dia a dia, do cotidiano das pessoas. O diálogo das secretarias municipal e do estado de Meio Ambiente com as populações afetadas é muito importante”, afirmou.

Citando o racismo ambiental, Edmée da Conceição Cardoso afirmou que o recorte racial é fundamental para o debate. “Com as alterações climáticas, a vítima das tragédias é a população negra e periférica”, afirmou. Segundo a advogada, a falta de saneamento básico, a proximidade dos lixões e as doenças que vêm desse cenário compõem um quadro de injustiça ambiental que deve ser debatido no Judiciário.

“Cabe ao sistema de justiça o papel de garantir a uma população vulnerável – que é a negra e periférica – o acesso à justiça ambiental. Ao Poder Judiciário cabe essa tarefa constitucional, com decisões que atendam aos anseios da sociedade”, completou a advogada.