Modernidade líquida e Legalidade líquida

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman dedicou boa parte de suas pesquisas e suas obras ao que nominou de sociedade ou modernidade líquida.

A liquidez dos homens é genética à modernidade líquida. As pessoas, segundo Bauman, não se interessam mais por relações estruturais, viscerais. Os vínculos, não obstante múltiplos e direcionados ao atendimento dos mais diversos interesses, são superficiais. Isso faz com que o rompimento não gere fraturas orgânicas profundas.

O direito, incapaz de gerar mudanças sociais, mas apenas regular as mudanças já existentes – Monteiro Lobato já nos ensinava isso em tenra idade com “A reforma da natureza” – não ficou alheiro a liquidez social.

As normas jurídicas foram impactadas pela velocidade das relações e dos novos designs dos vínculos. Sociedade líquida impõe regras líquidas.

O princípio (ou regra?) da legalidade, ao mesmo tempo dogma e mantra que gerava a ilusão de que estávamos blindados em nossa liberdade – que apenas seria restringida por lei formal, de origem parlamentar – perdeu seu protagonismo no regramento das relações entre Estado e cidadãos.

A lei passou a ser menos vertical, menos detalhada, menos estrutural. Passou de uma legalidade estrita para uma lei-quadro ou lei-moldura. Cria agora apenas diretrizes, parâmetros, balizas, sendo vaga, aberta e pouco dirigente.

O papel de protagonista da lei foi transferida para autoridades administrativas que não receberam dos cidadãos legitimidade para tanto.

O administrador passou a ter poder normativo ampliado, criando condutas vedadas, ilícitos administrativos, instituindo sanções e efetivamente aplicando-as.

Apesar de aparentar risco, há vantagens incontestáveis.

O Poder Legislativo é moroso e pouco técnico em suas produções normativas. Por, necessariamente, ter o dever de contemplar os mais diversos interesses, bem como pelo caráter político da instituição, o regramento ali produzido pode não ser dotado de rigor técnico necessário em alguns temas, assim como pode surgir em atraso.

Uma lei-moldura ou lei-quadro que outorga ao administrador a atribuição de detalhar determinada conduta permite regulações setoriais mais complexas e densas e capazes de mudanças tão velozes quanto uma sociedade líquida necessita.

Esse cenário desafia o cientista do direito a uma atenção antes não necessária. Quando as restrições ou imposições estatais adivinham exclusivamente do parlamento – lei em sentido formal – bastava sondar a validade do processo legislativo para validar o comando normativo.

Na sociedade líquida, é preciso pesquisar a densidade normativa da regra restritiva de direitos ou impositora de obrigações, bem como sua autorização genética para, aí sim, saber de sua validade.

Tempos modernos e complexos esses da liquidez…