Como ver o óbvio?

Talvez tenha sido a imbricação de entre a religião e o Estado que tenha sido a responsável por tornar o direito tão dogmático.

Dogmas jurídicos, quase mantras, repetidos e utilizados sem nenhum rigorismo técnico por operadores e professores de direito servem apenas à alienação, ao neoescravagismo mental. Afasta a justiça da técnica e a aproxima da fé.

O óbvio, frente aos dogmas, é transgressor, obscuro, rompe paradigmas.

Em setembro de 2005 realizou-se em Goiânia o V Congresso Estadual do Ministério Público do Estado de Goiás, cujo tema era “Um Ministério Público Contemporâneo”.

Naquela ocasião, instigado pela nova redação dada pela Emenda Constitucional 45 ao inciso VIII, do artigo 93, da Constituição da República, defendi a tese de que, pelo novo regramento Constitucional seria possível a permuta entre membros do Ministério Público e do Judiciário de Estados distintos.

A tese foi rechaçada de pronto pelo plenário do Congresso, sob crítica dos dogmáticos presentes que rotularam a tese de subversora, transgressora.

Pouco mais de dez anos se passaram e, agora, as associações do Ministério Público e do Judiciário lutam nos Conselhos Nacionais pela aprovação de resoluções que permitam a remoção, no mesmíssimo molde defendido na tese. No Conselho Nacional do Ministério Público a questão deve ser definida na próxima sessão ordinária, no final de julho próximo.

A construção ou a reconstrução de qualquer estrutura predica, sempre, o estudo e o desenvolvimento a partir de um marco efetivamente zero.

Quando se toma por base dogmas ou paradigmas repetidamente citados e utilizados, não se chegará a nenhuma nova solução pois o ponto de partida é enviesado na largada.

É preciso observar o que é posto, perceber o que é verdadeiramente o núcleo do objeto investigado e, partindo dele, puramente dele, extrair sumas e construir soluções.

Isso tudo demonstra que, em qualquer ciência, o papel do operador é raciocinar sobre os institutos, questionar doutrinas, posicionamentos já sedimentados.

Se a quebra de paradigmas é trabalho que expõe, fadiga, é também o caminho único à novas formas de pensar e de agir.

Em tempos de crises – e estamos passamos por várias crises -, pensar de formas diferentes possibilita a busca por outros resultados.

Trocando em miúdos, as soluções podem ser óbvias. Mas o pensamento encaixotado raramente permite perceber o que ronda o lado de fora.

Que sejam livres os pensamentos. Que novas modelagens surjam e que os problemas sejam enfrentados com soluções inovadoramente simples. Quase sempre não há grandes segredos ou uma chave interpretativa complexa. As coisas são como são.

Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Mestre e Doutor em Direito de Estado pela USP, Professor de Direito Administrativo.