TJGO anula votos de instituições financeira que não aprovaram plano de recuperação judicial

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    A Lei número 11.101/05 – Lei de Falências e Recuperação de Empresas – regula que, para a aprovação de um plano de recuperação judicial apresentado por um impetrante, todas as classes existentes neste pedido deverão aprová-lo ou modificá-lo com a aquiescência do devedor/recuperando, significando que, caso ocorra o contrário – a não aprovação de apenas uma -, diz a Lei, necessariamente, ocorrerá a decretação da falência. Isto se deve à responsabilidade imposta à Assembleia Geral de Credores, que determina em seu artigo Art. 35 que  “A assembleia geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor” (destacamos).  Bem, mas de quantas classes de credores é constituída uma assembleia? Como votam os integrantes de cada classe de credores? Há, enfim, uma soberania absoluta quanto aos resultados dos votos de cada integrante de cada classe de credores?

    Questões como as acima são muito comuns no curso de um processo de recuperação judicial, e podem suscitar respostas, cujos resultados prevalecerão, apesar de a Lei dizer o contrário. O número de classes de credores são de quatro, não significando que, necessariamente, em uma assembleia geral de credores, existirão todas elas. Ao contrário, pode ocorrer de existir apenas uma, ou duas, ou mesmo três. E, claro, as quatro. São elas – as classes – previstas em Lei, no  Art. 41: “I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos com garantia real; III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. IV – titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. (destacamos). Já os parágrafos 1º e 2º deste mesmo artigo  41 da Lei 11.101/05 determinam como votam os integrantes de cada uma dessas classes de credores, ou seja, “§ 1º Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe prevista no inciso I do caput deste artigo com o total de seu crédito, independentemente do valor.§;  2º Os titulares de créditos com garantia real votam com a classe prevista no inciso II do caput deste artigo até o limite do valor do bem gravado e com a classe prevista no inciso III do caput deste artigo pelo restante do valor de seu crédito”. (destaques nossos). Quanto à soberania absoluta da prevalência dos votos dos integrantes de cada uma dessas classes de credores, alertamos que, nada obstante os votos serem de uma forma, pode a mesma não prevalecer, isto porque, antes mesmo da vontade de cada credor, há determinados princípios que são alicerces da LFRE e que devem ser observados, como o da continuidade da atividade ou manutenção da empresa.

    E é exatamente um caso dessa natureza que abordamos em nossos estudos de hoje, onde observamos que votos de determinados credores foram no sentido de não aprovação do plano de recuperação judicial, mas que não prevaleceram, contrariando, assim, a letra fria da Lei. No Agravo de Instrumento número 5361347-20.2018.8.09.0000, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, de relatoria do eminente desembargador Fausto Moreira Diniz, 6ª Câmara Cível, julgado em 29/08/2019, DJe  de 29/08/2019, nos deparamos com uma situação em que nem todas as classes existentes aprovaram o plano. Tampouco o modificaram, mas simplesmente não o aprovaram. E qual foi o resultado? O eminente desembargador relator, em sua ementa que abaixo transcrevemos na íntegra, assim decidiu:

    “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. GRUPO MANACÁ. PLANO REJEITADO POR DUAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. ABUSO DE DIREITO VERIFICADO. CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE. ANULAÇÃO DOS MENCIONADOS VOTOS. APROVAÇÃO DO PLANO RECUPERACIONAL. DECISÃO MANTIDA. Visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que agiu adequadamente o julgador com sensibilidade na verificação dos requisitos, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente porque os mencionados bancos discordantes dominaram a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se ao interesse da comunhão de credores. RECURSO CONHECIDO AO QUAL FOI NEGADO PROVIMENTO”. (destacamos).

    Destacamos que o juízo de primeiro grau já tinha observado que a soberania da assembleia geral de credores não é absoluta, o que também foi ressaltado pelo digno Desembargador Dr. Fausto Moreira Diniz, ao enxergar na questão que o voto contrário à aprovação do plano por duas instituições financeiras se constituíam em abuso de poder, o que prejudicaria totalmente a recuperação da impetrante, vez que todos os demais credores integrantes das demais classes haviam votado favoravelmente à aprovação do questionado plano de recuperação judicial.

    Prevaleceu, portanto, a sensibilidade dos julgadores, tanto do singular quanto do de Segundo Grau, cujos exames se pautaram pelo maior dos princípios que regem o instituto da recuperação judicial, ou seja, o princípio da preservação da empresa, o qual, na hipótese, bateu de frente às disposições legais, vencendo-as.