Suspensão das ações e execuções na recuperação judicial

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    Na LFRE, de número 11.101/05, constam dois dispositivos que ainda causam certa confusão em alguns operadores do direito, vez que, numa primeira leitura apressada, podem lhes parecer antagônicos. O primeiro deles é o que consta no artigo 6º, que diz “a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário” (grifamos). Nota-se que o benefício da suspensão de todas as ações e execuções é direcionado exclusivamente em face do devedor, ou seja, aquele empresário ou aquela sociedade empresaria que encontra-se em recuperação judicial. O final do dispositivo deste artigo 6º está cuidando exclusivamente da suspensão das ações e execuções dos credores particulares do sócio solidário, ou seja, aquele sócio cuja responsabilidade junto à recuperanda é total, isto é, ilimitada, cujos bens particulares se confundem com os bens da recuperanda. Ao contrário do que alguns entendem, não se trata aqui da suspensão de ações e execuções de avais e garantidores daquele que encontra-se em RJ.

    De outro lado, o outro dispositivo que confunde alguns operadores do direito é o do  § 1º, do artigo 49, da lei de regência da RJ, que diz “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e     obrigados de regresso”. Nada obstante a suspensão das ações e execuções contra o recuperando (art. 6º supra), permanece intocável a obrigação dos coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Ou seja, suspende-se as ações e execuções em face do recuperando, mas prosseguem as mesmas ações e execuções contra os coobrigados (avais, fiadores, etc).

    Enfrentando esta questão, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por sua 4ª Câmara Cível, no Agravo de Instrumento  5342826-27.2018.8.09.0000, em que é Relator o eminente Desembargador KISLEU DIAS MACIEL FILHO, julgado em 25/11/2018, DJe  de 25/11/2018), assim decidiu:

    “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTERPOSTOS EM FACE DA DECISÃO QUE DEIXOU DE CONCEDER O EFEITO SUSPENSIVO. PREJUDICIALIDADE. 1. Resta prejudicada a apreciação dos embargos de declaração manejados contra decisão interlocutória que negou a atribuição do efeito suspensivo ao agravo de instrumento, quando constatado que este encontra-se em condições de receber julgamento definitivo de mérito, ante sua completa instrução. EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO CONTRA SÓCIOS, FIADORES E COOBRIGADOS EM GERAL DA DEVEDORA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO EXECUCIONAL. ARGUIÇÃO AFASTADA. 2. Na dicção da Súmula 581 do STJ, “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.” 3. Sendo possível prosseguir com a execução em face dos sócios de responsabilidade limitada da devedora recuperanda, corresponsáveis pelo crédito inadimplido, é competente o juízo execucional para a prática de ato constritivo sobre bens particulares daqueles, não expressamente abrangidos pelo plano de reorganização da sociedade empresária. SÓCIO CUJO NOME CONSTA DA CDA. PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. 4. Em linha com a tese fixada pelo STJ no REsp nº 1.104.900/ES, representativo de controvérsia, a presunção de legitimidade do título executivo extrajudicial viabiliza o redirecionamento da execução fiscal contra sócio corresponsável, cujo nome estiver incluído na CDA. SUSPENSÃO DA TRAMITAÇÃO DO PROCESSO COM BASE NO RESP Nº 1.712.484/SP (TEMA 987). DESCABIMENTO. CASO QUE NÃO SE AMOLDA À QUESTÃO JURÍDICA AFETADA. 5. A suspensão processual por afetação do Tema nº 987 à sistemática dos recursos repetitivos, para definição acerca da “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal”, não se aplica ao caso concreto, em que não houve constrição de bens da empresa recuperanda, mas sim, de seu sócio. Aplicação da técnica hermenêutica do distinguishing. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO”. (grifamos).

    Para maior embasamento à sua decisão, o digno Desembargador Kisleu Dias Maciel Filho cita e transcreve decisão do STJ, que, inclusive, já foi sumulada (Súmula nº 581), onde, de certa forma, reitera os dispositivos do acima mencionado e transcrito § 1º, do art. 49, da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, consolidando que os devedores solidários e coobrigados em geral, por garantia real ou fidejussória para com o recuperando, podem ter ou ajuizadas ou mesmo o prosseguimento das ações e execuções já em andamento; e, é claro, desde que o recuperando não seja empresário individual ou sociedade empresária cujos sócios sejam de responsabilidade ilimitada. Só nessa hipótese é que deveriam ser suspensas as ações e execuções.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br