STJ e a recuperação judicial do produtor rural

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    Por longos anos, o produtor rural brasileiro, seja pessoa física ou mesmo pessoa jurídica, vem tentando junto aos tribunais ter reconhecida a sua equiparação ao empresário e à sociedade empresária, especialmente para receber os benefícios da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, de número 11.101/05.

    O empresário rural (pessoa física), diz a Lei, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o Código Civil em seu art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. Já o artigo 984 do mesmo Código Civil, prescreve que:  “A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.”

    Assim, em principio, tanto o empresário rural individual quanto a sociedade empresária rural, desde que inscritos nas respectivas Juntas Comerciais, se equiparam, respectivamente, ao empresário individual e à sociedade empresária, e, por consequência, também sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. Em importante julgamento na semana que passou, a 4ª turma do STJ fixou marco temporal definidor dos créditos submetidos aos efeitos de recuperação judicial em favor de produtor rural que exerce atividade empresária.

    Até então, a alegação dos credores, especialmente os Bancos, era a de que nos termos do art. 48 da lei 11.101/05, o requisito temporal para o requerimento da recuperação judicial é o exercício regular da atividade empresária há pelo menos dois anos, embora estabelecido para os empresários e sociedades empresárias, deve também ser respeitado pelos empresários rurais. Diante destas argumentações, sustentam os credores a impossibilidade dos produtores rurais beneficiarem-se da recuperação judicial em relação às operações realizadas antes de registrarem-se na Junta Comercial.

    Para alguns Ministros da 4ª Turma do STJ, o entendimento é que a recuperação judicial tem de se limitar à inscrição na junta. Já para outros, com pensamentos contrários, entendem que a atividade econômica é a mesma, antes e depois do registro na Junta Comercial, devendo, assim, ser abrangidas as obrigações e dívidas anteriormente por ele contraídas, pois, para estes que assim pensam,  a inscrição no Registro Público será, tão somente, condição para a obtenção de melhores favores do ordenamento jurídico.

    Suspenso com pedido de vistas pelo eminente Ministro Luis Felipe Salomão, o julgamento foi retomado na semana que se findou com o seu voto-vista, ressaltando o ministro  que não admite o “argumento terrorista dos bancos” de que aumentarão as taxas de juros de empréstimos se o produtor rural puder exercer a recuperação judicial: “Essa postura não vai intimidar o STJ”, afirmou Luis Felipe.

    Para Salomão, é inadequado conferir tratamento distinto à natureza jurídica da inscrição feita pelo produtor rural, afirmando que “a qualidade de empresário rural também se verificará, nos termos da teoria da empresa, a partir da comprovação do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo igualmente irrelevante, para tanto, a efetivação da inscrição na Junta Comercial, ato formal condicionante de outros procedimentos.” Concluiu o Ministro Luis Felipe Salomão  que, quanto ao produtor rural, a condição de procedibilidade da recuperação judicial estará satisfeita sempre que realizado o registro na forma da lei e comprovada a exploração da atividade rural de forma empresarial por mais de dois anos, ressaltando que quanto ao período de dois anos, que, apesar da necessidade do registro para a efetivação do pedido de recuperação, não parece haver nenhuma exigência legal que tal ato registral tenha ocorrido há dois anos.

    No seu longo voto, que, aliás, definiu pró-produtor rural o placar de 3 x 2, o ministro assentou que: a) o produtor rural que exerce atividade empresária é sujeito de direito da recuperação judicial; b) é condição para o requerimento da recuperação judicial pelo produtor rural a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, observadas as formalidades do art. 968 e seus parágrafos (CC); c) a aprovação do requerimento de recuperação judicial pelo produtor rural está condicionada à comprovação de exercício da atividade rural há mais de dois anos, por quaisquer formas admitidas em direito; e d) comprovado o exercício da atividade pelo prazo mínimo exigido pelo art. 48 (lei 11.101/05), sujeitam-se à recuperação os créditos constituídos, que decorram de atividades empresariais.

    Este julgamento do STJ veio, em definitivo, assegurar para o produtor rural os mesmos benefícios que a Lei 11.101/05 assegura ao empresário e à sociedade empresária, pois, com estes comparados. Luis Felipe Salomão, em seu voto,  seguiu na íntegra as disposições dos enunciados números 96 e 97 do Conselho de  Justiça Federal, recentemente aprovados.