A relativa soberania da Assembleia Geral de Credores na recuperação judicial

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    Dentre os diversos órgãos que compõem um processo de recuperação judicial, um dos mais importantes, a nosso modesto ver, é a Assembleia Geral de Credores (art. 35 e seguintes da Lei 11.101/05). Tanto é que, ao longo da vigência da Lei de Falências e Recuperação Judicial de Empresas, muito se discutiu sobre a soberania da AGC, alguns juristas e até mesmo julgadores defendendo que a mesma era absoluta, enquanto outros diziam que  era apenas relativa. Por fim, chegou-se ao entendimento (STJ) de que a soberania da AGC era absoluta, mas somente quanto à aprovação, modificação ou rejeição  do plano de recuperação judicial que não contrariasse qualquer dispositivo legal, pois, se assim o fosse, caberia ao Poder Judiciário intervir para que a Lei fosse cumprida.

    O Artigo 35, da Lei 11.101/05, cuida das atribuições da Assembleia Geral de Credores na recuperação judicial, dizendo que: “A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; c) VETADO; d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4º do art. 52 desta Lei; e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores. (grifamos). Observa-se que a atribuição da AGC é exclusivamente a de deliberar.  E, no caso que mais especificamente nos interessa para os nossos estudos, deliberar sobre a aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, mas não analisar ou promover um controle sobre a licitude das providências decididas na AGC, como ocorreu com o caso sob análise, no Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, no   Agravo de Instrumento número 5508193-06.2018.8.09.0000, em que é Relator o eminente Desembargador  AMARAL WILSON DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 29/10/2019, DJe  de 29/10/2019, cuja ementa transcrevemos na íntegra:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO DO PLANO. INDEFERIMENTO. PRESENÇA DE IRREGULARIDADES. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. 1- Cabe ao Judiciário o controle de legalidade do plano de recuperação aprovado pela AGC em casos pontuais, nos quais haja nítida afronta a dispositivos legais (Enunciado n. 44, da 1ª Jornada de Direito Comercial, do Conselho da Justiça Federal e REsp n. 1.660.195/PR, STJ). 2- No caso dos autos, a decisão vergastada não adentrou na discussão sobre a viabilidade econômica do Plano de Recuperação Judicial, mas, tão somente, promoveu um controle quanto a licitude das providências decididas em assembleia, especificamente em relação aos seguintes pontos: a) não inclusão dos créditos pertencentes a classe II nas propostas de novação previstas no PRJ, sob a alegativa de que ‘de que seus votos, por si só, poderiam inviabilizar toda pretensão recuperacional das empresas devedoras, como meio de manipular os credores, parte fraca na relação’; b) deságio de 80% dos credores ordinários, caracterizando forma abusiva de pagamento desses credores dentre os demais e alongamento do pagamento da dívida; c) escolha dos credores parceiros pela própria empresa recuperanda, uma vez, que a condição para ser credor depende da aprovação da assembleia geral de credores. 3- Diante disso, mostra-se escorreita a intervenção do Judiciário nesses pontos, não havendo prejuízo alguns às partes da realização de nova assembleia geral para apresentação de novo plano recuperacional, justamente porque o plano deve ser exaustivamente discutido e aprovado pelos credores. 4- Decisão reformada para estender o prazo de apresentação de novo plano para 60 (sessenta dias); ficando a cargo do Juiz de origem a prorrogação do prazo, caso necessite. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (grifamos).

    Ora, a discussão ou, como diz a Lei – deliberar -, deveria, neste caso, girar sobre a “aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor”, mas nunca, conforme muito bem visto pelo eminente Desembargador Amaral Wilson de Oliveira, sobre questões de licitude ou não das providências decididas pela AGC, pois este campo foge das atribuições desta, sendo, portanto, da competência do Poder Judiciário, o que foi feito, reformando a aprovação daquele plano de recuperação judicial e determinando o prazo de 60 dias para a apresentação de um novo junto ao juízo de origem (primeiro grau).