Os juízes que não querem ver

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    Os juízes que não querem ver

    Em 1647, em Nímes, na França, um médico chamado Vicent de Paul D’Argent fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão chamado Angel.

    A cirurgia foi um sucesso e marcou a medicina para sempre.

    No entanto, Angel não teve o que comemorar. Ficou horrorizado com o que ele passou a enxergar.

    Dizia para todos que o mundo que ele imaginava era muito melhor e mais belo que o mundo descortinado pela nova córnea.

    Foi então que Angel pleiteou a remoção do olho implantado, pois não queria mais enxergar.

    A questão foi parar no Tribunal Parisiense e, ao fim, Angel ganhou a ação e entrou para a história como o cego que não quis ver.

    Ainda hoje, principalmente nas lides judiciais trabalhistas, nos deparamos com várias do que chamo de “decisões de Angel”. Decisões dadas por magistrados e tribunais que não querem ver, não querem enxergar a realidade.

    Na área de transporte e logística, para ser mais específica, deparamo-nos, dia a dia, com decisões que não enxergam a realidade.

    As operadoras logística são condenadas de maneira absurda em algumas decisões trabalhistas que desconsideram todas as provas, inclusive documentais carreados pelas empresas, levando em consideração exclusivamente as alegações teratológicas dos autores das ações.

    sso pelo fato, parece, de haver uma predisposição decorrente de um voluntarismo típico de quem atua na área laboral, que leva o operador do direito a se afastar das normas jurídicas e ser tomado por um espírito Robin Hood, fazendo “justiça” à sua forma e vendo apenas o que pretende ver.

    Não se leva em consideração que as verdadeiras operadoras logísticas são estruturadas de maneira a cumprir rigorosamente todas as normas laborais e regulatórias, equipando-se, inclusive com tecnologia de ponta e alto custo, para cercar-se de eventuais litígios futuros.

    Todavia, tudo parece ser pouco para os “Magistrados-Angel”.

    Seguem enxergando um mundo romântico tendo como pano de fundo o “coitadismo do empregado”, enquanto aqui, aos que querem ver, está-se criando uma corja de mão-de-obra descompromissada e crente no lucro fácil obtido nos Tribunais Trabalhistas. Podem, de fato, permanecerem descompromissados, pois na pior das hipóteses serão assistidos por alguma bolsa.

    É preciso ressuscitar o Dr. Vicent de Paul D’Argent e evitar que Angel estrague sua arte.

    É preciso mais dar olhos aos magistrados. É fundamental fazer com que eles enxerguem.

    *LUDMILLA ROCHA CUNHA RIBEIRO, Advogada, Gerente Jurídica da Quick-Logística, pós-graduada em Direito Público, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, L.LM em Direito Empresarial pela FGV (em curso).