As consequências do descobrimento de fraudes e outros erros na recuperação judicial

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    A LFRE, de número 11.101/05, frente às suas grandes especificidades, traz, muitas vezes na interpretação dos seus operadores, alguns entendimentos que não correspondem àquilo que quis dizer o legislador.

    Ao contrário do que se pode interpretar em uma leitura rápida nas disposições do artigo 18 e seu Parágrafo único, por exemplo, ou seja, que após a respectiva homologação pelo juiz, assinaturas deste e do administrador judicial, bem como a consolidação e publicação do quadro-geral de credores, em que se acredita estarem todos os procedimentos em conformidade com a Lei, e que os atos procedimentais cami­nham para a aprovação e cumprimento do Plano de Recuperação Judicial, muitos outros percalços podem ainda ocorrer no trâmite do processo de recuperação judicial, inclusive durante o cumprimento do plano, se aprovado.

    O caput do artigo 19 diz que “[…] até o encerramento da recuperação judi­cial[…]”; de sua vez, o artigo 61 da mesma Lei 11.101/05 prescreve que, “proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se ven­cerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial”. (grifos nossos). Estamos aqui ressaltando que, dependendo do que ocorrer, uma recu­peração judicial, já bem próxima de seu cumprimento junto ao Poder Judiciário, isto é, quase 2 (dois) após a respectiva homologação da concessão, poderá tomar rumos que postergam o seu encerramento.

    As hipóteses para que isso ocorra decorrem da descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial, ou ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores (art. 19). E , havendo a descoberta desses atos, qualquer um desses legitimados – o adminis­trador judicial, o comitê de credores, qualquer credor ou mesmo o Ministério Público –, pode pedir exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito. Tais atos podem ser feitos até o encerramento da recuperação judicial, por meio de procedimento ordinário (CPC).

    A redação do artigo 19 (parte), acima, e negritada por nós, indica que deve-se levar em conta o momento exato da existência dos atos que levam ao pedido de exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, ou seja, eles de­vem existir na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores, mas devem também ser completamente ignorados naquele momento. A sua descoberta, portanto, e necessariamente, deverá ocorrer depois.

    Então, antes desses momentos – a época do julgamento do crédito ou da sua inclusão no quadro-geral de credores –, devem todos os legitimados envidarem todos os esforços possíveis no sentido de evitarem que qualquer dos atos enseja­dores do pedido de exclusão, outra classificação ou retificação, possam existir e se vingarem mesmo ante o julgamento do crédito ou sua inclusão no quadro-geral de credores.

    Essa diligência, é, antes de tudo, e a nosso sentir, um ato obrigacional que deve, necessariamente, assim ser compreendido e internalizado por todos os legitimados, e aqui – na recuperação judicial –, também o devedor recuperando, porque todos são absolutamente interessados em um final feliz e rápido do pro­cesso e, por conseguinte, fiscais naturais de todo o procedimento.

    Ao invés, portanto, de permanecerem, como se diz no jargão popular “cada um na sua”, “deixando” que um possível acaso do procedimento, no futuro, tra­ga à tona a descoberta de qualquer dos atos ensejadores, devem os legitimados agirem proativamente na busca e eliminação de qualquer irregularidade desde o princípio, com uma profunda análise na lista dos credores relacionados na petição inicial do impetrante, a par da documentação contábil que estará à dis­posição de todos, bem como dos dados e documentos que serão ofertados pelos credores em suas respectivas habilitações, ou mesmo em possíveis divergências quanto aos créditos relacionados (art. 7º e seguintes).

    O momento propício é este – o da verificação e habilitação dos créditos, e se bem aproveitado, com certeza, impedirá no futuro qualquer descoberta desagradável. A exemplo do Ministério Público que, além de legitimado é o fiscal natural da Lei, que sejam os demais legitimados – inclusive o impetrante –, fiscais naturais do processo de recuperação judicial.

    Se assim procederem os legitimados, a recuperação judicial terá a normalida­de em seus trâmites – que já não são tão rápidos –, evitando-se, por consequência que, ao final de 2 (dois) anos após a concessão da mesma e o correto cumprimento do plano de recuperação judicial até então, sofra atrasos de duração inestimável decorrentes de uma exclusão, ou outra classificação ou mesmo a retificação de qualquer crédito, ocorrendo, evidentemente, as causas ensejadoras previstas na Lei ou outras da mesma natureza.