A simplificação da recuperação judicial do produtor rural

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    Podem o produtor rural (pessoas física), cuja atividade rural constitua sua principal profissão,  e a sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural se beneficiarem dos benefícios da recuperação judicial? Antes de adentrarmos na resposta a esta questão, vamos analisar os respectivos dispositivos que tratam dessas duas figuras distintas, ou sejam, os artigos 971 e 984 do Código Civil Brasileiro, observando que este Estatuto legal é de 2002, enquanto que a Lei de Falências e Recuperação de Empresas – 11.101/05 -, é de 2005. Diz o artigo 971 do Código Civil, que: “O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. (grifamos). A situação prevista nesse artigo tem como destinatário o empresário individual. Já o outro artigo mencionado – 984 do mesmo Diploma legal, este referindo-se à sociedade empresária, prescreve:  “A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.” (grifamos). 

    Ficou claro em ambos os artigos que, para ser o produtor rural equiparado ao empresário (individual),  e a sociedade rural para ser equiparada à sociedade empresária, além de outros requisitos, necessitam se inscrever no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, ou seja, as respectivas Juntas Comerciais. De outro lado, diz o artigo 1º da Lei 11.101/05: “Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor”. No contexto de todos os artigos citados e transcritos, fica claro que tanto o empresário individual quanto a sociedade empresária só assim são considerados após as respectivas inscrições  nas Juntas Comerciais de suas sedes. É também o Código Civil, em seu artigo 966, que nos dá a definição de empresário: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. (grifamos). Daí, o mesmo aplicar-se aos produtores rurais que desejam os respectivos status de empresário  e sociedade empresária. E, de consequência, já que equiparados a tanto, poderem usufruir dos benefícios da recuperação judicial.

    Entretanto, para se gozar dos benefícios mencionados,  a Lei da recuperação judicial vai mais além, exigindo, não somente as respectivas inscrições nas Juntas Comerciais das sedes, mas um tempo mínimo dessas inscrições, ou seja, de mais de 2 (dois) anos de exercício regular da atividade, conforme dispõe o Artigo 48, da Lei 11.101/05, o que se prova com uma certidão simplificada emitida pela Junta Comercial da sede. Porém, tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo de exercício da atividade por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente (§ 2º, do art. 48). Assim, se o produtor rural (pessoa física) não comprovar o exercício de sua atividade rural há mais de 2 (dois) anos via certidão simplificada da respectiva Junta Comercial, diz a Lei, não estará equiparado ao empresário individual, e daí, impossibilitado de usufruir dos benefícios da LFRE; da mesma forma, a sociedade rural (pessoa jurídica) que não cumprir os requisitos acima mencionados.

    Esta era a verdade para tais situações até o último mês de junho deste ano de 2019, quando o Conselho de Justiça Federal, em sua III Jornada de Direito Comercial, editou e publicou Enunciados que modificam por completo as exigências acima mencionadas, tornando o acesso dos produtores rurais à recuperação judicial por demais simplificados. Mas, o que são Enunciados? “Os enunciados são referência essencial para julgados e doutrina, além de abrirem novos caminhos”. (grifamos). O entendimento é do ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ruy Rosado de Aguiar Júnior, um dos organizadores do evento.

    O primeiro deles é o  ENUNCIADO 96, que diz:  “A recuperação judicial do empresário rural, pessoa natural ou jurídica, sujeita todos os créditos existentes na data do pedido, inclusive os anteriores à data da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis”. (destacamos). Outro, é o ENUNCIADO 97, que diz: O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido. (destaques nossos). Finalmente, o ENUNCIADO 100, com os seguintes dizeres:  “Consideram-se sujeitos à recuperação judicial, na forma do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, os créditos decorrentes de fatos geradores anteriores ao pedido de recuperação judicial, independentemente da data de eventual acordo, sentença ou trânsito em julgado”. (destacamos). 

    Dessa forma, caíram as barreiras até então existentes e contidas na Lei 11.101/05, pois tanto o empresário individual rural quanto a sociedade empresária rural: (i) terão sujeitos à recuperação judicial todos os seus débitos existentes na data do pedido (protocolo), mesmo aqueles anteriores à inscrição na Junta Comercial da sede; (ii) A inscrição na Junta Comercial  basta ser feita antes do pedido (protocolo), e a comprovação do efetivo exercício da atividade rural há mais de dois anos pode ser feita por qualquer meio; e, (iii) todos os débitos dos empresários rurais e das sociedades empresárias rurais, desde que decorrentes de fatos geradores anteriores ao pedido,  mesmo que decorrentes de acordo, sentença ou trânsito em julgado, sujeitar-se-ão aos efeitos da recuperação judicial. 

    Tais Enunciados são, sem dúvida, muito esclarecedores e um grande avanço no instituto da recuperação judicial, pois propicia ao produtor rural, tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica, de forma bastante simplificada, os benefícios da Lei 11.101/05, o que chega em boa hora, pois, nada obstante ser o setor um dos maiores alavancadores da economia brasileira, sabe-se, muitos encontram-se em situação de crise econômico-financeira.