Recurso no rito sumário – uma visita ao entendimento correto

*Bruno Pereira Magalhães

Ao analisar um julgado da 2ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, AIRORSum-0011578-49.2019.5.18.0007, me deparei com o entendimento da desembargadora relatora Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque, de que o recurso cabível em face de sentenças de Primeiro Grau de Jurisdição, no rito sumário seria o Recurso Extraordinário, tendo em vista que o referido rito descrito na Lei Federal n.º 5.584/1970, em especial em seu art. 2º, §4º, diz:

“Salvo se versarem sobre matéria constitucional, nenhum recurso caberá das sentenças proferidas nos dissídios da alçada a que se refere o parágrafo anterior, considerado, para esse fim, o valor do salário mínimo à data do ajuizamento da ação. (Redação dada pela Lei nº 7.402, de 1985)”

Ou seja, para a Ilustre Desembargadora Relatora e, por conseguinte a 2ª Turma, por ser uma decisão em única Instância, quando há matéria constitucional, e, conforme suposto entendimento do Excelso Supremo Tribunal Federal cabível o Recurso Extraordinário.

Eis a ementa do julgado, verbis:

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO DE ALÇADA. VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA INFERIOR A DOIS SALÁRIOS-MÍNIMOS. O único recurso cabível das decisões de alçada dos Juízos monocráticos desta Especializada, salvo os embargos de declaração, é o recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, podendo versar unicamente sobre as matérias elencadas no artigo 102, inciso III, alíneas de “a” a “d” da Constituição Federal. Agravo de instrumento não provido.

Ocorre que este não é o entendimento majoritário, e, por conseguinte, o correto.

Para melhor entendermos a decisão simplificada na ementa e demonstrarmos o seu equívoco colacionamos os fundamentos da decisão para sabermos o pensamento da Egrégia 2ª Turma:

(…)

Por fim, analiso a possibilidade de interposição recursal para esta instância revisora.

O valor atribuído à causa foi de R$ 1.000,00, correspondente a menos de 2 (dois)

salários-mínimos na data do ajuizamento da ação, em 22.10.2019.

Na Justiça do Trabalho não existe possibilidade de recurso quando o valor da causa não ultrapassar 2 (dois) salários-mínimos – valor de alçada – em face das decisões do Juízo monocrático, salvo se versar sobre matéria constitucional.

Assim dispõe o artigo 2° da Lei n° 5.584/70:

Art. 2º Nos dissídios individuais, proposta a conciliação, e não havendo acordo, o Presidente, da Junta ou o Juiz, antes de passar à instrução da causa, fixar-lhe-á o valor para a determinação da alçada, se este for indeterminado no pedido.

(…)

  • 3º Quando o valor fixado para a causa, na forma deste artigo, não exceder de 2(duas) vezes o salário-mínimo vigente na sede do Juízo, será dispensável o resumo dos depoimentos, devendo constar da Ata a conclusão da Junta quanto à

matéria de fato.

  • 4º Salvo se versarem sobre, matéria constitucional, nenhum recurso caberá das sentenças proferidas nos dissídios da alçada a que se refere o parágrafo anterior considerado, para esse fim, o valor do salário-mínimo à data do ajuizamento da ação.

Poder-se-ia imaginar, da leitura fria do texto infraconstitucional citado que, versando sobre matéria constitucional, seria cabível recurso ordinário para este Órgão Colegiado.

Contudo, esse não é o posicionamento que vem prevalecendo na Corte Suprema, tendo, inclusive, pronunciado entendimento por meio da Súmula n° 640, in verbis:

É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.

Certo é que tal entendimento coaduna-se com o disposto no artigo 102, inciso III,

da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(…)

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

  1. a) contrariar dispositivo desta Constituição;
  2. b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
  3. c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
  4. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Como visto, o único recurso cabível das decisões de alçada dos Juízos monocráticos desta Especializada, salvo os embargos de declaração, é o recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, podendo versar unicamente sobre as matérias elencadas no artigo 102, inciso III, alíneas de “a” a “d” da Constituição Federal.

Assim, ainda que a matéria ventilada no presente apelo verse sobre matéria constitucional, seria cabível apenas recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, porquanto a causa é decidida em única instância, nos termos do artigo 102, III, “a”, da Constituição Federal.

Ressalto que não há falar em ofensa ao duplo grau de jurisdição vez que a própria

Constituição Federal faz exceção específica, como visto, às causas de alçada. Ademais, a Instrução Normativa nº 27/TST, ao dispor sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº 45/2004, estabelece:

Art. 2º A sistemática recursal a ser observada é a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive no tocante à nomenclatura, à alçada, aos prazos e às competências.

Ou seja, para a Ilustre Desembargadora Relatora e, por conseguinte a 2ª Turma, por ser uma decisão em única Instância, as decisões exaradas no âmbito do rito sumário (rito de alçada), ainda que o tema versar sobre matéria constitucional, conforme suposto entendimento do Excelso Supremo Tribunal Federal exarado em sua Súmula n.º 640, cabível o Recurso Extraordinário.

Ocorre que este não é o entendimento majoritário, inclusive do Excelso STF, que já ultrapassou o verbete da referida súmula acima mencionada, ao menos no que se refere ao rito sumário da Lei n.º 5.584/70; ainda, o próprio Col. Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento diverso da decisão do acórdão aqui analisado, portanto, por uma questão de disciplina judiciária, a decisão deveria ter seguido o entendimento diverso.

É certo que a Lei. 5.584/1970 foi recepcionada pelo normativo pátrio, em especial pela Constituição de 1988, mas, ao dar interpretação restritiva ao art. 2º, §4º desta lei, no sentido de que o único recurso cabível seria o Recurso Extraordinário é subjugar todo o sistema recursal trabalhista. Ao contrário, se a questão a ser discutida é constitucional, não há erro em dizer que o recurso cabível da sentença proferida é o recurso ordinário, e, os demais, como recurso de revista, agravo de instrumento em recurso de revista, e, após o Recurso Extraordinário, como exemplos, pois, no processo do trabalho, apenas de decisões do Col. TST cabem Recurso Extraordinário, o que está decidido no julgado do STF abaixo.

Vejamos decisões do Col. TST e do Excelso STF que confirmam a nossa tese: 

“(…) II – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. DECISÃO DE ALÇADA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. RITO SUMÁRIO. RECORRIBILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. I. Segundo o art. 2º, § 4º, da Lei 5.584/70, não cabe recurso contra decisão proferida em dissídio de alçada, assim entendido aquele cujo valor da causa não excede a dois salários mínimos, salvo quando versar sobre matéria constitucional, o que é o caso dos autos em que se discute coisa julgada. II . O entendimento do Supremo Tribunal Federal é de que, mesmo nos dissídios de alçada, faz-se necessário o prévio esgotamento das instâncias ordinárias para o cabimento do recurso extraordinário. Assim, a Súmula 640 do STF não se aplica às causas trabalhistas. Nesse sentido o decidido no RE nº 638224 SP em que foi Relator o Exmo. Sr. Ministro Celso de Mello. III . Caracterizada a violação do art. 5º, LV, da Constituição da República. IV . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR-11884-14.2013.5.11.0010, 4ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos, DEJT 05/05/2017). Grifamos.

RECURSO DE REVISTA – RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO – PROCESSO DE ALÇADA – CAUSA QUE VERSA SOBRE MATÉRIA CONSTITUCIONAL – DECISÃO RECORRÍVEL. A questão debatida nos autos, concernente à possível responsabilização da entidade pública reclamada por danos morais decorrentes de prática discriminatória contra seus empregados, versa sobre matéria constitucional, estando sujeita, portanto, ao duplo grau de jurisdição. Incidência do art. 2º, § 4º, da Lei nº 5.584/70. Recurso de revista conhecido e provido . (TST – RR: 1615009520105210008, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 29/04/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/05/2014) Nosso grifo.

 RE 638224 AgR

Órgão julgador: Segunda Turma

Relator(a): Min. CELSO DE MELLO

Julgamento: 07/06/2011

Publicação: 21/06/2011

Ementa

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – JUSTIÇA DO TRABALHO – CAUSA DE ALÇADA (LEI Nº 5.584/70, ART. 2º, § 4º) – AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS – DESCABIMENTO DO APELO EXTREMO – SÚMULA 281/STF – DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO IMPROVIDO. – O prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias constitui pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Súmula 281/STF. – No âmbito do processo trabalhista, somente decisões emanadas do Tribunal Superior do Trabalho revelam-se passíveis de impugnação mediante recurso extraordinário. Mesmo que haja discussão de matéria constitucional em sede de dissídios individuais, e ainda que se trate de causa de alçada (Lei nº 5.584/70, art. 2º, § 4º), não se mostra lícito interpor recurso extraordinário “per saltum”, incumbindo, a quem recorre, exaurir, previamente, perante os órgãos competentes da Justiça do Trabalho, as vias recursais definidas pela legislação processual trabalhista, sob pena de a inobservância desse pressuposto recursal específico tornar insuscetível de conhecimento o apelo extremo deduzido. Precedentes (STF).

Decisão

Negado provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. 2ª Turma, 07.06.2011. Grifamos.

RE 632365 AgR

Órgão julgador: Primeira Turma

Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI

Julgamento: 04/10/2011

Publicação: 11/11/2011

Ementa

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Direito do trabalho. Causa de alçada. Não esgotadas as instâncias ordinárias. Súmula nº 281/STF. Precedentes. 1. O recurso extraordinário é inadmissível quando não foi esgotada a prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula nº 281/STF. 2. Agravo regimental não provido.

Como verificado, o entendimento do Col. TST e, em especial do nosso STF é no sentido de exaurimento recursal integral das Instâncias Ordinárias, antes da interposição do Recurso Extraordinário, pois, somente é cabível este de decisões do TST, o que afasta a Súmula 640 do próprio STF, ainda que a matéria constitucional versada advenha de processo do rito sumário da Lei 5.584/1970, com incidência da Súmula 281 do STF.

A Lei não quis dizer na sua exceção que se o tema tratado for constitucional deverá ser discutido diretamente pelo STF, mas apenas que somente é cabível recurso para os Tribunais Regionais do Trabalho via recurso ordinário, se a matéria tratar questão constitucional, este o espírito da lei, e o próprio entendimento do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, ao contrário do entendimento da 2ª Turma do TRT-18, em processo que segue o rito sumário da Lei n.º 5.584/1970, em caso do tema a ser recorrido tratar de matéria constitucional, cabível, portanto, o recurso ordinário a rigor do entendimento do Col. TST e do próprio STF, sob pena de não conhecimento das matérias pelo salto recursal dado.

*Bruno Pereira Magalhães é advogado, membro da CDTrabalho – OAB/GO