O ilícito na terceirização de serviços

Paulo Sergio João*

Durante muitos anos, o tema da terceirização foi considerado como forma de exclusão social, tratado algumas vezes como terceirização de mão-de-obra, expressão esta incompatível com o trabalho livre e insinuando venda de força de trabalho, ao contrário da prestação de serviços. E, nesta toada, o regime jurídico de trabalho temporário também foi frequentemente confundido, de forma equivocada, com a figura jurídica da terceirização.

Com o advento das Leis nº 13.429 de 2017, que alterou a Lei nº 6.019/74, relativa ao trabalho temporário e inseriu a regulamentação da prestação de serviços, e a Lei nº 13.467 de 2017, que complementou a Lei nº 13.429 relativamente à prestação de serviços, novos padrões de entendimento jurídico se apresentaram de forma objetiva. A partir de então, há lei para sustentar a possibilidade de prestação de serviços por terceiros e, ainda, a contratação de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica na atividade fim.

Dito isto, a previsão expressa em lei para contratação de serviços, deixou claro que há regularidade reconhecida na prática e, portanto, afasta-se, desde então, a ilicitude na contratação de terceiros para prestar serviços. Não se discute mais se o conteúdo contratado pertence a atividade fim ou meio do tomador. Tout court, não se poderia mais questionar a licitude na contratação.

Ocorre, todavia, que a missão protecionista do Judiciário Trabalhista pode muitas vezes resistir ao reconhecimento de situações jurídicas novas e, neste sentido, o STF já decidiu na ADPF 324 quanto à licitude da terceirização sem limites da atividade empresarial. Da mesma forma na ADC 66 o STF decidiu pela constitucionalidade do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 que se refere à prestação de serviços, ainda que pessoalmente, por meio da pessoa jurídica nas atividades intelectuais.

No dia 31 de março, o sítio do TST publicou notícia com a seguinte chamada: “Contratação fraudulenta para burlar legislação afasta tese vinculante do STF sobre terceirização”. Tratou-se de decisão da 7ª Turma, daquela Corte Superior, que considerou fraudulenta a contratação de serviços, por meio de empresa do mesmo grupo, e que teve como objetivo excluir dos trabalhadores os benefícios da categoria dos bancários (Processo: ARR-1258-54.2011.5.06.0006).

O acórdão da lavra do ministro Evandro Valadão deixou de aplicar tese vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 324 e no tema 725 da Repercussão Geral referente à licitude de terceirização “de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre contratante e o empregado da contratada”.

O fundamento trazido diz respeito a procedimento ilícito adotado pela empresa contratante, cuja finalidade foi de excluir os benefícios da categoria bancária, tese que certamente não se aplica, de forma generalizada, na prestação de serviços por terceiros, tanto no modelo de terceirização no seu sentido amplo, como na prestação de serviços prestados por meio de pessoa jurídica.

*Paulo Sergio João é advogado e professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.