O direito, a política e a politicagem

*Marcelo Bareato 

Quando nos encontramos às voltas com os pleitos eleitorais, as propagandas em jornais, revistas, meios digitais e perfis só fazem aumentar e acirrar os ânimos daqueles que se preparam para eleger seus representantes, por vezes trazendo discórdia, rompimentos familiares e entre amigos, por vezes aglutinando pensamentos com os quais o espectador se identifica.

O fato é que, de tempos em tempos, dentre outras, nos deparamos com expressões: “tem muita politicagem no direito de hoje em dia”; “se o direito fosse direito e menos política, estaríamos bem” ou, ainda, “a Constituição é um texto de política para os mais fortes”.

Nas expressões acima, por certo, temos alguma coerência, mas, sem dúvidas, bastante desconhecimento daqueles que não buscaram entender cada significado proposto em nosso tema de hoje. Tais significados, quando entendidos em sua verdadeira e exata extensão, podem transformar uma nação, mover judiciário e legislativo, obrigar o executivo às boas práticas. É por eles que começamos nossa reflexão.

O DIREITO, “em seu sentido objetivo, é o sistema de normas que regula as condutas humanas por meio de direitos e deveres. Esse sistema se impõe em praticamente todos os âmbitos das relações sociais e, como tal, exerce um papel de enorme importância mas também de grande ambiguidade, visto que seu conteúdo e aplicação são influenciados por numerosos fenômenos, como a religião, a política, a economia, a cultura, a moral e a linguagem. Sua natureza precisa, incluindo suas condições de validade e os fundamentos de sua normatividade, é objeto de um antigo e complexo debate, em que se destacam as correntes juspositivistas e jusnaturalistas e suas múltiplas ramificações” (conceito extraído via wikipedia.org). Ou para aqueles que preferem um conceito mais direto e didático: “um conjunto de normas executáveis coercitivamente, reconhecidas ou estabelecidas e aplicadas por órgãos institucionalizados” (Paulo Dourado de Gusmão).

A POLÍTICA, por sua vez, “significa algo relacionado com grupos sociais que integram a Pólis, algo que tem a ver com a organização, direção e administração de nações ou Estados. É o Direito, enquanto ciência aplicada não só aos assuntos internos da nação (política interna), mas também aos assuntos externos (política externa). Nos regimes democráticos, a ciência política é a atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos públicos com seu voto ou com sua militância” (conceito obtido via wikipedia.org). Na visão de Aristóteles, é a ciência que tem por objetivo a felicidade humana e divide-se em ética (que se preocupa com a felicidade individual do homem na Pólis) e na política propriamente dita (que se preocupa com a felicidade coletiva na Pólis).

A POLITICAGEM, é um substantivo feminino, que indica Política de quem tem o objetivo de satisfazer interesses pessoais, definida pela troca de favores particulares em benefício próprio (https://www.dicio.com.br).

Perceba, meu caro leitor, que a menção proposital de sites facilmente acessáveis nas citações acima, tem por objetivo indicar que todos podem ter contato com as diversas informações que aqui explanamos, sem a necessidade de um estudo mais aprofundado e, talvez, dificultoso.

Dito isso, o que se tem e parece indiscutível, é que Direito e Política são conceitos indissociáveis. Tanto assim, que Platão, em celebre frase alertou que “não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”.

O problema do desconhecimento dos conceitos de direito e política, como sempre enfatizamos, é permitir que aqueles que operam as áreas jurídicas, legislativas e executivas, sigam formando válvulas de escape para a confecção de dilemas (julgamentos morais), sem obediência a Constituição Federal e a pouca objetividade que demonstramos na cobrança de nossos direitos enquanto cidadãos.

Desse ponto, é fundamental que entendamos que ao eleger um Estado Democrático de Direitos, assumimos a responsabilidade de criar leis que respeitem a dignidade do ser humano. Com isso, percebam, estamos obrigados a obter informação, dividir conhecimento, buscar aquilo que fortalece o grupo social e afastar dele toda e qualquer ameaça àquilo que pode colocar em risco nossa dignidade.

Não é por menos que um dos maiores constitucionalistas brasileiros, José Afonso da Silva, já no ano de 2013, em entrevista ao ConJur, enfatizou pontos de importância ímpar para todo e qualquer brasileiro que pretenda entender sobre a necessidade da elaboração de uma Constituição nos moldes da atual Carta de 1988, demonstrando, ainda, o poder que todo cidadão tem para corrigir os rumos do direito e da política. Vejamos uma das respostas ao ser indagado se: “A Constituição carrega traumas do período militar?” Tendo como resposta de José Afonso: “Em alguns aspectos carrega, embora menos do que a Constituição de 1946, em grande parte aprovada contra a ditadura de Getúlio Vargas. Por isso a doutrina fala que ela nasceu de costas para o futuro porque estava preocupada com o passado. A Constituição de 1988 se voltou mais para o futuro. Mas há um dispositivo (artigo 5.º, inciso XLIV), por exemplo, que considera crime inafiançável a ação de grupos armados contra a ordem constitucional. Há também a norma sobre a cassação do mandato, exatamente para não ocorrer como no regime militar, em que o presidente ou outro poder cassava o parlamentar. Agora só a Casa respectiva pode cassar o mandato. Esse talvez seja o tema mais diretamente contrário ao que aconteceu na ditadura”.

E, continuando a entrevista, José Afonso da Silva ainda respondeu ao seguinte questionamento: “Diante dessa perspectiva de agora, com as instituições mais consolidadas, o senhor acha que a Constituição fez certo?” A qual respondeu: “Eu acho que fez pelo seguinte: o mandato é popular. Ou se dá essa possibilidade ao povo através do recall – o que é complicado em um país tão grande como o Brasil – ou se dá o poder

de cassar à Casa a que pertence o congressista” (maiores detalhes sobre a entrevista poderão ser obtidos junto ao site Consultor Jurídico (www.conjur.com.br).

Vê-se, portanto, a sintonia com o momento atual e o poder que temos nas mãos para fazer valer o direito que está posto, o direito positivado em nossos códigos e leis, mas que por desconhecimento, permitimos sua manipulação através de entendimentos jurisprudências que nada mais são do que válvulas de escape ao cumprimento daquilo que seria a garantia para resolução de processos e segurança jurídica, inclusive para regular o andamento das Casas Legislativas.

Da mesma forma, aqueles que nos representam junto as supracitadas Casas legislativas e que lá chegaram única e exclusivamente através dos votos que receberam, por expressa determinação Constitucional, tem o dever de agir de acordo com o que lhes autorizamos a fazer e legislar (Estado Democrático de Direito).

A sórdida troca de favores particulares em benefício próprio, comumente conhecida como politicagem, pode ser estancada na medida em que retiremos do poder todo e qualquer representante (político) que deixou de desempenhar o papel a que se propôs quando empenhou esforços para conseguir o seu voto.

O Estado Democrático de Direito, tão festejado quando da promulgação da atual Constituição e tão pouco conhecido no momento presente, acena todos os dias aos cidadãos, indicando que a soberania é da população, que a democracia é representativa e participativa e que já existe um sistema de garantia dos direitos humanos pronto para dar a resposta que precisamos para obtenção de uma vida digna.

E, para alcança-lo basta que conheçamos nossos Direitos, entendamos que a formação e atualização desses direitos é Política e que para a funcionabilidade do sistema e garantia da ordem legal com a tão sonhada segurança jurídica que queremos, só há um caminho, escolher representantes que estejam a altura do nosso conhecimento e necessidades, congreguem de todos os conceitos e responsabilidades que eles encerram e sobretudo, não façam uso da Politicagem, sob pena de responderem por isso e jamais retornarem a representatividade de qualquer seguimento da população.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Advogado Criminalista, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).