Negociado x Legislado: retrocesso contra o trabalhador

*Ruzell Nogueira

Em recente decisãoo Supremo Tribunal Federal deu provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1121633, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.046). Assim, os direitos dos trabalhadores e a atuação sindical sofreram um forte golpe, que coloca em xeque direitos essenciais e conquistados ao longo dos anos pela sociedade. Desde junho, passou a ser constitucional a prevalência dos acordos e das convenções coletivas sobre o legislado, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis (que o cidadão não pode abrir mão).

Mas de fato, os outros direitos, neste ponto da história, podem ser dispostos? A decisão se reveste da falsa ideia de autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, através de acordos e convenções coletivas. Mas coloca todas as conquistas que já são lei à deriva de negociações que não terão que seguir o rigor do Direito do Trabalho e terão como mediadores imediatos os empregadores.

Conforme relatado, fora abalizado na decisão em tela, a autonomia da vontade no âmbito do Direito do Trabalho, contudo, verifica-se que a decisão em exame proporciona um enorme retrocesso social, ferindo os artigos 4º, I, e 7º da Constituição Federal. Nesse sentido, inclusive, foi o voto do Ministro Luiz Edson Fachin, contrário à aprovação do tema. “Entendo que o imperativo de efetividade desses direitos sucede um dever de não regressividade, a demandar que medidas de restrição a seu exercício se dê sob justificação concernente à totalidade de direitos sociais, econômicos e culturais em atenção a um patamar civilizatório mínimo que está na própria Constituição.”

Logo, essa decisão reforça o enfraquecimento e desmantelamento das entidades sindicais em nosso país, conferindo uma interpretação neoliberal aos direitos trabalhistas. Por exemplo, no julgamento desta decisãoo relator Ministro Gilmar Mendes entendeu que as horas _in itinere_ não se tratam de direitos indisponíveis e estão sujeitas a acordo. E por maioria de votos, restou fixada a tese: são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.

Entretanto, a “prevalência do legislado ao pactuado” deveria se dar somente nos casos de avanço e melhoria das condições de trabalho, o que não acontecerá devido a esta decisão. Devemos observar o princípio da transparência e da lealdade para com os representados, assim como, diante desta recente decisão, as convenções coletivas devem minimamente ter um patamar civilizatório, respeitando os direitos absolutamente indisponíveis.

A decisão segue o que já tem sido decidido e empregado hodiernamente, ou seja, o enfraquecimento do poder dos sindicatos, abandonando-se o Estado de bem-estar social e adotando-se o neoliberalismo. Ou seja, os sindicatos passaram a ter ainda mais dificuldade em estabelecer negociações coletivas com empregadores que efetivamente resulte em ganho de direitos para os trabalhadores, ou que pelo menos evitem retrocessos.

Diante desse novo cenário, os sindicatos mais do que nunca devem atuar de modo a evitar ilegalidade e supressões demasiadas do direito laboral. Contudo, como dito, cada dia mais há um desmantelamento dos sindicatos, tornando ainda mais desequilibrada a relação entre empregador e empregado.

*Ruzell Nogueira é advogado trabalhista