Desconsideração da personalidade jurídica tem como raiz a ilicitude

*Henry Benevides

É de comum senso que a personalidade jurídica das sociedades empresárias deve ser usada para fins legítimos. Desta forma, sócios e administradores da sociedade devem atuar para preservar e manter a sua função social, rompendo qualquer tipo de manipulação da pessoa jurídica com o propósito de fraudar credores ou obter benefícios indevidos. Porém, infelizmente, nem sempre os sócios agem de forma ética e muitas vezes valem-se do princípio da autonomia patrimonial para fraudar, simular e sobressair, de forma ilegal, em face de algo ou alguém.

Mediante esta situação, é possível que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, que possibilita aos magistrados dispensarem a estrutura formal da pessoa jurídica. Acontece, via de regra, mediante confusão patrimonial ou desvio de finalidade, conforme preconiza o Artigo 50 do Código Civil. A desconsideração torna-se viável quando a autonomia patrimonial da empresa passa a acobertar práticas fraudulentas dos sócios, sendo estes últimos beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Importante clarificar, ainda que de forma resumida, que o ordenamento jurídico brasileiro segue, como regra, a denominada Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a qual se traduz na necessidade de se comprovar, para fins da desconsideração, a ocorrência efetiva do abuso da personalidade jurídica, não bastando, por exemplo, a mera insolvência da empresa. A legislação consumerista, por sua vez – com vistas ao princípio da hipossuficiência do consumidor -, incorporou a denominada Teoria Menor, segundo a qual, para a efetiva desconsideração, não se exige necessariamente a comprovação do abuso da personalidade jurídica, bastando que tal personalidade represente um obstáculo ao ressarcimento de eventuais prejuízos causados pelos produtos/serviços disponibilizados, ou mesmo a mera insolvência da empresa.

Para entender melhor como acontece a desconsideração, é válido esclarecer o que é a personalização da pessoa jurídica, a qual nada mais é do que a possibilidade jurídica de uma pessoa, ou grupo de pessoas, ser capaz de revestir-se de uma identidade jurídica com direitos e deveres próprios da pessoa jurídica. Dentro desta personalização, resta consagrado o princípio da autonomia patrimonial, que, por sua vez, diferencia o patrimônio da sociedade do patrimônio dos sócios, ou seja, um não responde pelas eventuais dívidas do outro.

Na sociedade limitada, por exemplo, o sócio somente será responsabilizado ao valor correspondente à sua quota dentro da sociedade, isto decorre do princípio da autonomia supramencionado. Infelizmente, contudo, é corriqueira a situação de abuso da personalidade jurídica, como em situações simuladas que caracterizam fraude, o que desemboca na desconsideração. Assim, a sociedade empresária pode, por um tempo determinado, ser tratada como sociedade não personificada. Sua personalidade jurídica, atribuída pelo direito, pode ser temporariamente desconsiderada.

A desconsideração da personalidade jurídica, no entanto, é medida excepcional, e não visa a extinção da empresa (pessoa jurídica). Pelo contrário, o exercício da desconsideração garante a “sobrevivência” da empresa, preservando-a e afastando sua personalidade de forma momentânea, para que seus sócios respondam pelos atos ilícitos por eles praticados.

*Henry Benevides é advogado. Sócio do escritório Jacó Coelho Advogados. Possui LL.M (Masters of Law) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV; especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela ATAME/GO; e experiência em gestão de Departamentos jurídicos de empresas de médio e grande porte.