Advogado pode ser condenado por litigância de má-fé?

Paulo Sérgio Pereira da Silva*

Causou-me estranheza uma notícia publicada no dia 13 de março de 2023 em site jurídico sobre um advogado condenado por litigância de má-fé nos mesmos autos do processo em que atuou como procurador da parte, por supostamente alterar a verdade na petição inicial, o que teria sido comprovado pelo depoimento da parte autora, por cartões de pontos e testemunhas ouvidas na justiça trabalhista.

Os artigos 5º e 6º do CPC exigem de “todos os sujeitos do processo” a cooperação e a boa-fé a todo “aquele” que de qualquer forma participe do processo. Já os arts. 2º, parágrafo único, II, e 6º do Código de Ética da OAB (CED) destacam o dever do advogado atuar com boa-fé e lhe veda expor os fatos em juízo “em falseamento deliberado da verdade e com a utilização da má-fé”.

Analisemos as duas leis que preveem a multa por litigância de má-fé. Os art. 81 e 96 do CPC permitem a sua aplicação contra o litigante de má-fé, assim como o art. 142 do mesmo Código a permite contra o autor ou o réu que se servem do processo para a prática de ato simulado ou para fim vedado por lei.

Por sua vez, a CLT – em seus arts. 793-B, II e 793-C – permite a condenação do litigante de má-fé. Daí se observa que os textos legais são restritivos quanto à aplicação da multa à parte, ou seja, ao litigante (autor, réu, terceiro interessado), conceito no qual não se encaixa o advogado, que atua no processo apenas por representação de seu constituinte (art. 103, CPC).

As condutas contrárias à ética profissional devem ser analisadas e decididas privativamente pela OAB, por meio do seu Tribunal de Ética e Disciplina, conforme 7º, § 14, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia): “cabe, privativamente, ao Conselho Federal da OAB, em processo disciplinar próprio, dispor, analisar e decidir sobre a prestação efetiva do serviço jurídico realizado pelo advogado.”

Em arremate, o referido Estatuto, em seu art. 32, caput, obriga o advogado a cumprir rigorosamente os deveres previstos no CED e deixa claro, em seu parágrafo único, que esse profissional será solidariamente responsável com seu cliente, se comprovado que se coligou com este para prejudicar a parte adversa, “o que será apurado em ação própria”, e não dentro do mesmo processo em que atua como procurador de seu constituinte.

Se não bastasse, o CPC, em seu art. 7º, § 6º, estabelece que a multa por ato atentatório à dignidade da justiça não se aplica aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público, cuja responsabilidade disciplinar deve ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria.

Conclui-se, portanto, que é vedado ao magistrado condenar o advogado por litigância de má-fé no mesmo processo em que o profissional atua como procurador da parte, o que não quer dizer que o causídico estará isento de sua atitude aética, mas sim que por ela responderá perante o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB.

Em relação aos prejuízos cíveis causados à parte ou ao Judiciário, será necessário que o profissional seja acionado pelo prejudicado ou pelo Estado para a reparação devida, em ação própria, por meio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF). Na seara criminal, caso haja indícios de crime de ação penal pública incondicionada, caberá ao Ministério Público a denúncia (art. 129, I, CF).

Esse, por sinal, é o entendimento harmônico do Superior Tribunal de Justiça, como se verifica por meio do AgInt no AREsp 1.722.332-MT, DJe 21.06.2022: “as penas por litigância de má-fé, previstas nos artigos 79 e 80 do CPC de 2015, são endereçadas às partes, não podendo ser estendidas ao advogado que atuou na causa, o qual deve ser responsabilizado em ação própria, consoante o artigo 32 da Lei 8.906/1994. Precedentes”.

Não é demais recordar que até o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADI 2.652, em 08.05.2003, para estender a todos os advogados, inclusive os públicos, os efeitos do parágrafo único do art. 14 do CPC/1973, que deixava os profissionais sujeitos exclusivamente ao estatuto da OAB, no tocante aos “deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”.

Por fim, caberá ao advogado interpor o recurso próprio contra a decisão que decidir em sentido contrário às leis e à jurisprudência: se no juízo cível a multa foi aplicada em sentença, apelação. Se confirmada por acórdão do tribunal estadual (ou TRF), recurso especial.

Porém, em caráter excepcional, o STJ já aceitou, contra acórdão de tribunal de 2º grau, diretamente mandado de segurança devido à ilegalidade, teratologia e abuso de poder pela aplicação da multa, conforme se extrai do RMS 59.322-MG, relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira, da 4ª Turma, em acórdão publicado no DJe de 14.02.2019.

*Paulo Sérgio Pereira da Silva é advogado, Instagram @paulosergiomestre, sócio do escritório Machado & Pereira Advogados, professor de direito processual civil pela Escola Superior de Advocacia de Goiás, Juiz Presidente da 10ª Câmara do Tribunal de Ética da OAB/GO, autor do e-book Embargos de Declaração na Prática Advocatícia e do curso Defesa do Devedor na Prática da Advocacia, ambos pela Hotmart.