Líbhia Rodrigues*
A Lei 11.101/05 trouxe consigo um sistema jurídico próprio, com regras e dinâmicas muito diferentes dos processos cíveis tradicionais. Enquanto estes últimos seguem uma lógica mais simples e bilateral, os processos de recuperação judicial e falência envolvem uma rede complexa de interesses. Aqui, devedores, credores de diferentes naturezas, trabalhadores, o fisco e a própria sociedade estão interligados, exigindo uma abordagem mais ampla e cuidadosa.
Essas peculiaridades aparecem em várias etapas. Os prazos não seguem as regras do CPC, como o stay period de 180 dias; há a necessidade de convocar assembleias de credores; e contamos com figuras como o administrador judicial, que desempenha um papel essencial na condução do processo. Além disso, as decisões frequentemente envolvem não apenas questões jurídicas, mas também econômicas e contábeis, demandando uma compreensão mais ampla do magistrado.
Diante dessa complexidade, a especialização técnica na área recuperacional não é apenas desejável, mas essencial. A prática diária mostra que o conhecimento profundo da Lei 11.101/05 é indispensável para lidar com questões como a distinção entre créditos concursais e extraconcursais, o papel do administrador judicial e os procedimentos específicos que marcam esse tipo de processo.
O tempo é um fator crítico aqui. O stay period deve ser usado de forma eficiente para garantir que a empresa tenha chances reais de se reerguer. A especialização técnica dos juízes e servidores pode fazer toda a diferença, garantindo que essas etapas sejam conduzidas com agilidade e precisão.
Nesse cenário, a criação de varas especializadas desponta como uma solução indispensável. Para as empresas em recuperação, isso significa mais eficiência e melhores chances de sucesso. Para os credores, representa previsibilidade e segurança jurídica. Para o sistema judicial, é uma forma de padronizar procedimentos e otimizar recursos.
A iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com a Resolução nº 215/2022, é um passo significativo nessa direção. A proposta de criar três varas especializadas para atender Goiânia e outras comarcas próximas reflete o reconhecimento da necessidade de especialização no âmbito recuperacional e falimentar.
Embora a resolução represente um avanço normativo, sua implementação efetiva ainda é aguardada. O atraso priva o sistema de justiça dos benefícios que essa especialização pode trazer, especialmente diante do aumento do volume e da complexidade dos processos recuperacionais.
O momento, portanto, exige urgência. A criação dessas varas não é apenas uma questão de estrutura administrativa, mas uma oportunidade de alinhar Goiás às melhores práticas já adotadas em outros estados brasileiros. Experiências bem-sucedidas mostram que a especialização contribui diretamente para o princípio da preservação da empresa, que é o alicerce do sistema de recuperação judicial.
Mais do que isso, a efetivação dessa iniciativa, combinada com programas de capacitação para magistrados e servidores, terá reflexos positivos em toda a sociedade. Empresas em recuperação desempenham um papel vital na economia local, geram empregos e movimentam tributos. Um sistema de justiça ágil e especializado será capaz de contribuir não apenas para a sobrevivência dessas empresas, mas para o fortalecimento do tecido econômico e social goiano.
Goiás tem, hoje, uma oportunidade única de avançar. A implementação das varas especializadas pode ser um marco histórico na forma como o estado trata as demandas recuperacionais, promovendo segurança jurídica e preservando o equilíbrio entre as forças econômicas e sociais. O futuro do ambiente empresarial e da economia local depende de passos decisivos como este.
*Líbhia Rodrigues é advogada especialista em Recuperação Judicial e Falência. Associada à banca Murillo Lobo Advogados.