A exclusão extrajudicial de sócio nas sociedades limitadas: é suficiente a cláusula em instrumento não registrado?

Davi de Paula Silva Ribeiro*

A exclusão extrajudicial de sócio, especialmente nas sociedades limitadas, suscita relevante discussão prática e teórica: seria válida quando fundada em cláusula constante de acordo de sócios não registrado na Junta Comercial? Ou o artigo 1.085 do Código Civil exige, de forma inequívoca, que a cláusula esteja expressamente prevista no contrato social?

É que, no Brasil, sócios minoritários podem ser excluídos do quadro societário por deliberação dos majoritários, por meio de procedimento extrajudicial, com simples registro do ato de exclusão na Junta Comercial. Trata-se de mecanismo que evita judicialização e confere celeridade à solução de conflitos societários. Contudo, o artigo 1.085 do Código Civil impõe condição clara para a validade desse procedimento: a previsão expressa, no contrato social, da possibilidade de exclusão por justa causa.

“Art. 1.085. […] poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.” (grifo nosso)

Diante disso, surge a controvérsia: e se a cláusula estiver inserida exclusivamente em acordo de sócios não levado a registro? Poderia ainda assim produzir efeitos válidos para autorizar a exclusão extrajudicial?

O tema ganhou novos contornos após recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (RECURSOESPECIAL Nº 2170665 – DF (2024/0350787-8), em que se analisou a eficácia de cláusula de exclusão prevista em documento intitulado “Estatuto da CALS”, assinado por todos os sócios, mas não registrado. 

O Tribunal, ao examinar os efeitos da cláusula, promoveu distinção entre os planos intra-societário e externo, admitindo que, ainda que não registrado, o documento produzia efeitos válidos entre os sócios.

Segundo o STJ, “partindo da premissa de que o ‘estatuto’ pode ser considerado um aditamento ao contrato social”, a cláusula de exclusão extrajudicial inserida no referido instrumento teria validade entre os sócios, especialmente porque versava sobre matéria típica de contrato social e havia sido subscrita por todos os integrantes da sociedade. 

A Corte reconheceu, portanto, a intenção dos sócios de atribuir ao “estatuto” a natureza de um instrumento complementar ao contrato social.

Ainda assim, o entendimento adotado não implica, automaticamente, que a cláusula inserida em acordo de sócios não registrado possa sempre justificar a exclusão de um sócio perante terceiros e perante a Junta Comercial. O ponto central continua sendo a ausência de previsão expressa no contrato social, o que pode gerar insegurança jurídica quanto à eficácia externa da exclusão, especialmente se questionada judicialmente.

Acerca do tema, o professor Luís Felipe Spinelli sustenta:

“De qualquer forma, o art. 1.085 do CC exige que a cláusula que prevê a exclusão de sócio esteja inserida no contrato social e, logicamente, produza efeitos entre os sócios, i.e., não exige que tal previsão contratual esteja inserida em previsão devidamente arquivada no respectivo registro. Assim, até podemos pensar em previsão de exclusão de sócios em acordo de quotistas quando todos os sócios são partes do pacto, mesmo porque é possível imaginar uma alteração do contrato social (independentemente de se foi levada a registro ou não), possuindo, neste último caso, somente eficácia entre os sócios – arts. 999, parágrafo único, 1.003, 1.063, §3º, e 1.075 do Código Civil; Lei das S.A., art. 118, caput e §1º: aqui, ter-se-ia verdadeira alteração contratual, alteração da estrutura real da sociedade.”
(SPINELLI, Luis Felipe. Exclusão de Sócio por Falta Grave na Sociedade Limitada).

A interpretação de Spinelli reforça o entendimento de que a exigência legal diz respeito à eficácia da cláusula entre os sócios, e não necessariamente à sua publicidade formal. Isso, no entanto, não elimina os riscos da não formalização. A ausência de registro pode dificultar a comprovação da validade do ato perante a Junta Comercial e terceiros, criando margem para discussões judiciais quanto à sua eficácia externa.

Outro aspecto que merece atenção é o tratamento conferido às sociedades compostas por apenas dois sócios. Nessa hipótese, o parágrafo único do artigo 1.085 afasta a necessidade de reunião ou assembleia, mas não afasta a exigência de cláusula expressa no contrato social autorizando a exclusão por justa causa. Ou seja, mesmo na presença de apenas dois sócios, o procedimento extrajudicial de exclusão continuará condicionado à existência dessa previsão no contrato social.

Em síntese, embora a jurisprudência sinalize uma abertura interpretativa quanto à validade de cláusulas de exclusão em acordos de sócios não registrados — especialmente no plano interno —, o cenário atual ainda recomenda cautela. 

Para assegurar plena eficácia à exclusão extrajudicial e evitar contestações judiciais que possam ensejar a reintegração do sócio excluído, o caminho mais seguro continua sendo a inserção expressa da cláusula permissiva no contrato social registrado na Junta Comercial.

Afinal, em se tratando de medida extrema com reflexos patrimoniais e institucionais relevantes, a formalidade exigida pela lei não parece mero tecnicismo, mas elemento essencial à segurança das relações societárias.

*Davi de Paula Silva Ribeiro é advogado do Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi (GMPR) Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pós-graduando em M&A pela Galícia Educação. davi.ribeiro@gmpr.com.br