Requisitos para utilização de provas digitais no processo do trabalho: o caso dos “prints” de WhatsApp

Raphael Miziara é quem escreve hoje na coluna. Ele vai abordar os requisitospara utilização de provas digitais no processo do trabalho. Em especial o caso dos “prints” de WhatsApp. Miziara é advogado e professor. Doutorando em Direito do Trabalho (USP). Especialista em Direito do Trabalho (UDF).

Leia a íntegra do texto abaixo: 

Raphael Miziara

O acesso a dispositivos conectáveis à internet tem crescido exponencialmente. No Brasil, por exemplo, a população no ano de 2016 era de 206 milhões de habitantes e os dispositivos conectáveis à internet somavam 244 milhões. Cinco anos depois, já em de 2021, a população teve um tímido crescimento para 213 milhões de habitantes, enquanto o número de dispositivos conectáveis à rede mundial de computadores teve um aumento exponencial para 424 milhões, conforme dados extraídos da 32ª pesquisa anual do uso de TI da FGVcia e do IBGE, graficamente representados a seguir. Os mesmos dados são corroborados pela organização “datareportal.com”. Este fenômeno de capilaridade tecnológica é chamado de computação ubíqua ou pervasiva.

A quantidade de dados e informações que as pessoas despejam por dia em redes sociais é significativa. Apenas para se ter uma ideia, a cada segundo são postados no mundo: 9.281 (nove mil duzentos e oitenta e um) tweets; 1.074 fotos no aplicativo Instagram; 1.100.000 (um milhão e cem mil) mensagens no WhatsApp; e, 54.977 (cinquenta e quatro mil, novecentos e setenta e sete) postagens no Facebook.

O alto fluxo de dados, propiciado pela enorme quantidade de dispositivos conectáveis, desafia as seculares e tradicionais normas que compõe o ordenamento jurídico, inclusive no que tange às regras processuais. Quanto maior o número de dispositivos conectáveis à internet e quanto mais avança a tecnologia, mais serão as possibilidades de extração de elementos probatórios do meio digital.

É cada vez mais comum, por exemplo, a juntada em processos judiciais de prints de conversas ou, até mesmo, a juntada de outros elementos extraídos do meio digital, tais como códigos de programação e outros. Ocorre que muitas vezes as partes acostam tais provas aos autos sem maiores cuidados e com inobservância das normas técnicas pertinentes, o que poderá invalidar a prova e dar azo à impugnação pela outra parte.

Conceitualmente, entende-se por meio de prova digital é todo elemento extraído de fontes digitais, vocacionado à demonstração da ocorrência ou não de determinado fato, tenha este ocorrido ou não em ambiente virtual. Em outras palavras, é o meio de prova que foi colhido ou extraído em fonte digital, com o uso de tecnologias digitais. Desse modo, se o “digital” serviu como instrumento de demonstração de determinado fato e de seu conteúdo, está-se diante de um meio de prova digital.

O artigo 4º do PL n.º 4.939 de 2020, que pretende regulamentar o uso de provas digitais em processos judiciais, conceitua prova digital como toda informação armazenada ou transmitida em meio eletrônico que tenha valor probatório.

Imagine-se hipótese na qual uma das partes insira no corpo de sua petição inicial uma série de prints extraídos do aplicativo whatsapp. Tais elementos são imprestáveis como meio de prova.

Não se nega a quantidade de dados produzidos digitalmente, inclusive nas relações de emprego. São exemplos de fatos digitais as inúmeras conversas trocadas pelo aplicativo whatsapp, a constante troca de e-mails, os dados de geolocalização, dados de conexão etc.

A prova de tais fatos pode se dar pelos meios tradicionais de prova ou pelos chamados meios de prova digitais. Fato é que, mensagens de textos enviadas por aplicativos e até mesmo e-mails, não podem ser provadas por simples “prints” acostados aos autos sem maiores cuidados.

Os requisitos de validade da prova digital são: autenticidade, integridade e preservação da cadeia de custódia. Nesse mesmo sentido também se manifesta autorizada doutrina:

Para a atribuição de força probante a documentos eletrônicos e outras informações extraídas de meios digitais, é fundamental avaliar o grau de segurança e de certeza que se pode ter, sobretudo quanto à sua autenticidade, que permite identificar a sua autoria, e à sua integridade, que permite garantir a inalterabilidade do seu conteúdo” (DIDIER JÚNIOR; Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 221-222). (gn)

O uso de meros “prints” de supostos fatos ocorridos em ambiente virtual são extremamente frágeis como meio de prova, dada a facilidade de sua adulteração e manipulação, sem contar os aspectos ligados à intimidade e a privacidade dos demais envolvidos na conversa. Em outras palavras, a prova digital trazida aos autos, da forma como colocada no exemplo, será totalmente desprovida de confiabilidade e de segurança, razão pela qual não possuirão aptidão para fazer prova dos fatos e das coisas nela representadas.

Vale registrar que existem diversos aplicativos que forjam mensagens de whatsapp, construindo diálogos ao bel prazer do usuário. Observe-se que não há certeza da sua origem, contexto ou autoria das conversas juntadas. Em um mero print, muitas vezes, sequer consta a identificação do número de telefone das pessoas envolvidas. Outrossim, não há certeza de que as informações/conteúdo se mantiveram inalteradas após a colheita da prova.

A propósito, o aplicativo whatsapp permite que o conteúdo dos “chats”, ou seja, das conversas, sejam exportadas em formato de arquivo de texto. Tais arquivos necessitam sempre ser acostados aos autos, sob pena de flagrante falta de zelo e cuidado da parte na produção da prova.

Com efeito, a parte precisa demonstrar que a colheita da prova digital observou as normas legais e técnicas sobre a observância da cadeia de custódia, entendida como o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte, conforme artigo 158-A do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente à espécie, conforme artigo 769 da CLT.

Em outros termos, o registro da cadeia de custódia é um documento que identifica a cronologia da movimentação e manuseio da potencial evidência digital, conforme prevê a principal norma técnica sobre o tema, que é a ISO 27037.

As normas ISO/IEC 27037:2012, que não foram seguidas pelo autor ao produzir a sua prova, garantem registro adequado da cadeia de custódia e processos aplicados a potencial evidência digital, ajuda a garantir que não possa haver alegações de que ocorreu espoliação como resultado de adulteração por parte de alguma parte desconhecida. Isso é obtido por meio de registros rigorosos e completos de todos os processos aplicados a fim de produzir evidência digital a partir de uma fonte de evidência digital potencial.

A propósito, o artigo 5º do Projeto de Lei n.º 4939 de 2020, que pretende regulamentar o uso de provas judiciais, prevê expressamente que “a admissibilidade da prova nato-digital ou digitalizada na investigação e no processo exigirá a disponibilidade dos metadados e a descrição dos procedimentos de custódia e tratamento suficientes para a verificação da sua autenticidade e integridade”, o que não se verifica no caso concreto.

Importante reforçar que dois dos requisitos de validade da prova digital, quais sejam, autenticidade e integridade, estão expressamente previstos no artigo 195 do CPC para o registro de atos processuais eletrônicos e podem ser estendidos, seja por analogia, seja pela própria finalidade da prova, a todo e qualquer registro eletrônico que se pretenda utilizar com força probante no processo.

Se tais requisitos não forem observados, a parte contra a qual a prova foi produzida deve impugnar a autenticidade dos prints juntados, pois neles não há elementos que demonstrem sua origem, contexto ou autoria. Não há sequer garantia da identidade das pessoas envolvidas na conversa. Igualmente, a depender do caso concreto, deve também impugnar a integridade dos prints juntados, pois não há garantia de que as informações/conteúdo se mantiveram inalteradas após a colheita da prova.

Por fim, é preciso muito cuidado, na colheita de tais provas, para que não ocorra em violação aos direitos fundamentais de intimidade, privacidade e proteção de dados. Em se tratando de prova ilícita, é preciso requerer o desentranhamento dos autos de todos as provas ilícitas.