Primeiras considerações sobre a validade da cláusula compromissória em contratos de franqueadoras de seguro

A colega Fernanda Gonçalves Rocha escreve hoje as primeiras considerações sobre a validade da cláusula compromissória em contratos de franqueadoras de seguro. Ela é  advogada da ASAF – Alex Santana e Antônio Fabrício – Sociedade de Advogados, graduada pela PUC/MG e pós-graduada em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais/ FUMEC.

Fernanda Gonçalves Rocha

Leia a íntegra do texto:

INTRODUÇÃO E EVOLUÇÃO DA ARBITRAGEM BRASILEIRA

Cláusula compromissória é o mecanismo por meio do qual as partes que celebram negócio jurídico se comprometem a entregar ao árbitro a solução de algum conflito que eventualmente surja durante a execução do referido contrato. Ela deve ser estabelecida por escrito, no próprio contrato ou por meio de instrumento anexo, sendo cabível inclusive na modalidade por adesão, desde que neste caso haja assinatura específica para o seu dispositivo.

A Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) traz a definição literal da cláusula compromissória e suas demais regras:

“Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

  • 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
  • 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.

Sabe-se, por outro lado, que os conflitos levados ao exame do árbitro devem dizer a respeito a direitos de natureza patrimonial e disponíveis, envolvendo partes capazes e que tenham escolhido consensualmente a solução arbitral. A este respeito, o art. 1º da Lei de Arbitragem é expresso ao dispor:

“Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Desde 1996, a Lei de Arbitragem teve progressiva e importante repercussão no cenário jurídico brasileiro. Não se pode dizer que a Lei n. 9.307/1996 tenha literalmente introduzido o tema arbitral no direito pátrio, mas é inegável o seu protagonismo quando se discute a relevância que o juízo arbitral assumiu, principalmente, nos últimos 25 anos.

O CPC de 1939 – para não alongar esta discussão a experiências legislativas mais remotas – tinha o Livro IX direcionado especificamente ao juízo arbitral (arts. 1031 a 1046). O CPC de 1973 também trazia o Capítulo XIV, do Livro de Procedimentos Especiais, com regras de arbitragem (arts. 1072 a 1102). Ambas experiências legislativas não foram exitosas no intuito de aprofundar a prática real da arbitragem em Terra Brasilis. E o motivo do fracasso não é de difícil compreensão: a arbitragem dos Códigos de 1939 e de 1973 era procedimento que culminava na lavratura de um “laudo arbitral” pelo árbitro. Assim, após sua emissão, era preciso que as partes o submetessem à apreciação e homologação de juiz togado; somente então surgiria a verdadeira sentença arbitral (título executivo judicial), passível de ser levada a cumprimento compulsório, isto é, à chamada execução forçada propriamente dita, com penhora e expropriação de bens do devedor.

O modelo antigo se mostrou inábil à consecução de seu único objetivo plausível, que seria o de buscar mecanismos alternativos ao processo contencioso de jurisdição comum para a solução de conflitos.

É dentro dessa ordem de ideias que se apresenta a Lei n. 9.307/1996, responsável por verdadeiro e significativo câmbio no estado da arte da arbitragem interna brasileira, sendo de se destacar o novo tratamento legal conferido ao provimento final proferido no processo arbitral:

“Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.

“Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

Pode-se dizer, portanto, que a partir de 1996, no Brasil, o árbitro profere sentença arbitral (e não mais laudo) e que tal pronunciamento constitui título executivo judicial, podendo ser levado a execução forçada independentemente de qualquer ato homologatório proferido por magistrado.

A Lei de Arbitragem também cuidou de tema sensível e crucial para a efetiva internalização do instituto na práxis jurídica cotidiana: o controle jurisdicional da sentença arbitral por meio da ação de nulidade do art. 33:

“Art. 33.  A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei” (Redação dada pela Lei nº 13.129, de 2015).

Deste modo, o jurisdicionado desfruta de clima de segurança jurídica quando se submete à arbitragem, seja porque o provimento final tem natureza típica de sentença e de título executivo judicial, seja porque a invalidação desse pronunciamento se submete igualmente à lei e está condicionada à existência de vícios de nulidade explicitamente descritos no rol do art. 32 da Lei n. 9.307/1996.

Não menos importante foi o julgamento do Supremo Tribunal Federal, em 12/12/2001, sobre a constitucionalidade da arbitragem, ocorrido incidentalmente nos autos do SE 5206 AgR:

“1. Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis […]

  1. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem – a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral – não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua consequente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal – dado o seu papel de ‘guarda da Constituição’ – se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri).
  2. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte – incluído o do relator – que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória – dada a indeterminação de seu objeto – e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, consequentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade – aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31)”.

Na oportunidade, quando ainda exercia competência para homologar sentença estrangeira (função posteriormente atribuída ao STJ por meio da Emenda n. 45/2004), o Supremo Tribunal Federal, em apreciação incidental no bojo de procedimento de homologação de sentença proferida na Espanha, considerou, por unanimidade, que a Lei de Arbitragem não violava a Constituição ao estabelecer: (i) a irrecorribilidade da sentença arbitral; e (ii) a eficácia de sentença idêntica àquela proferida pelo Poder Judiciário. Convém destacar que, nesse mesmo julgamento, outros aspectos da Lei de Arbitragem foram apreciados e, em todos eles, declarou-se a constitucionalidade do diploma normativo, ainda que por votação não unânime.

O resultado dessa profunda mudança do panorama normativo no Brasil foi a grande procura da arbitragem como meio de solução de conflitos diversos. Nos últimos anos, por exemplo, foi divulgado que o Brasil é o 4º país em número de usuários da Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional de Paris (CCI) (https://www.conjur.com.br/2014-abr-10/casos-arbitragem-brasil-crescem-47-quatro-anos-aponta-pesquisa).

O gradativo incremento da utilização da Lei n. 9.307/1996 como alternativa à justiça comum na solução de conflitos, principalmente aqueles decorrentes da execução de contratos diversos entre as partes, demonstra que é muito oportuno reafirmar a segurança jurídica que existe por trás desse instituto. E também suscita novos debates para a ampliação dos horizontes do processo arbitral no Brasil.

A UTILIZAÇÃO DA ARBITRAGEM EM CONTRATOS DE FRANQUEADORAS DE SEGURO

Dando prosseguimento à permanente caminhada em busca de uma arbitragem cada vez mais segura para as partes e presente na realidade dos negócios jurídicos realizados no país, o Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de proferir julgamento paradigmático nos autos do CC 179987/SP.

A ementa do referido acórdão consigna:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. JUÍZO ARBITRAL. JUÍZO TRABALHISTA. CONTRATO DE FRANQUIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. CONFLITO CONHECIDO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL”.

Tratam os autos de procedimento de Conflito de Competência instaurado sob o fundamento do art. 105, I, “d” da Constituição Federal, que fixa a atribuição do STJ para julgar conflitos de competência entre juízes vinculados a tribunais diversos. No caso, a divergência teria sido estabelecida entre juiz do trabalho e juiz arbitral.

No caso em exame, originalmente, havia contrato de franquia entre sociedade anônima operadora de seguros (franqueadora) e empresa corretora (EIRELI). A franqueadora, sob o fundamento de violação de cláusulas contratuais, rescindiu o contrato e requereu a instauração de processo arbitral para obter a condenação da franqueada ao pagamento de multa contratual. Entretanto, o sócio da empresa franqueada ajuizou ação perante a Justiça do Trabalho, buscando o reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com a franqueadora.

Nos autos da reclamatória trabalhista, foi proferida decisão determinando a suspensão do processo arbitral, sob a justificativa de que o reconhecimento de vínculo empregatício inviabilizaria a solução da questão por meio da arbitragem. Na ocasião, assim decidiu o juízo do trabalho:

“O conhecimento e julgamento deste feito, se resultar em decretação da procedência do pedido declaratório do reclamante, afastará de pronto a submissão da questão ao Conselho Arbitral do Estado de São Paulo, já que somente a Justiça do Trabalho tem competência, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal, para solucionar litígios entre empregados e empregadores.

Diante do exposto, observados os comandos do artigo 300 do CPC, subsumidos à questão sob análise, concluo que a questão posta preenche os requisitos legais indispensáveis para o deferimento da medida de urgência, razão pela qual determino a suspensão da cláusula compromissória de arbitragem até o julgamento do presente feito, quando então será possível apontar sobre eventual competência do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo”.

O árbitro, por sua vez, verificou a validade dos elementos que ensejariam a competência do juízo arbitral, o que ensejou a instauração de procedimento de Conflito de Competência perante o Superior Tribunal de Justiça.

O STJ, no mencionado julgamento, reforçou posicionamento importante para a defesa da institucionalidade da arbitragem:

“Assim, diante de dois Juízos que se julgam competentes para a solução da lide e, uma vez constatada a existência de cláusula compromissória entre as partes, cabe ao JUÍZO ARBITRAL decidir sobre a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem”.

O ato decisório proferido pelo tribunal superior não é pronunciamento isolado nem se divorcia do entendimento sistematizado a respeito do tema que se encontra consolidado nos órgãos de jurisdição extraordinária brasileiros.

O Supremo Tribunal Federal, embora não tenha decidido a questão diretamente, por considerá-la infraconstitucional, reverbera o entendimento do STJ nos acórdãos do RE 936714 e do ARE 1207235, ambos do ano de 2019.

Já o Superior Tribunal de Justiça, a partir do ano de 2006, tem acervo extenso de julgados que estabelece que o primeiro órgão a decidir sobre a validade da arbitragem é o próprio juízo arbitral: AgRg no MS 11308/DF, MS 11308/DF, SEC 854/EX, REsp 1465535/SP, REsp 1597658/SP, SEC 12781/EX, REsp 1694826/GO, SEC 16208/EX, REsp 1550260/RS, AgInt no CC 153498/RJ, AgInt no REsp 1695609/AM, CC 157099/RJ, CC 150830/PA, AgInt no AREsp 425931/MG, HDE 120/EX, AgInt no AREsp 425955/MG, REsp 1598220/RN, CC 151130/SP, REsp 1818982/MS, CC 166681/PA, AgInt no REsp 1746049/SP, REsp 1864686/SP, AgInt nos EDcl no AgInt no CC 170233/SP, AgInt no AREsp 1276872/RJ, AgInt no AREsp 1372134/SP, REsp 1481644/SP, REsp 1699855/RS, AgInt no REsp 1778196/RS, REsp 1953212/RJ.

Para fundamentar seu entendimento, o STJ adota o chamado “princípio da kompetenz-kompetenz”, positivado na Lei de Arbitragem. Segundo a Ministra Nancy Andrighi, “os arts. 8º e 20 da Lei 9.307/96 estabelecem uma precedência temporal ao procedimento arbitral, permitindo que seja franqueado o acesso ao Poder Judiciário somente após a edição de sentença arbitral” (STJ, CC 151130/SP, 2ª Seção, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, DJ 11/02/2020).

Os arts. 8º e 20 da Lei de Arbitragem, mencionados no voto transcrito, determinam:

“Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.

“Art. 20. A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem.

  • 1º Acolhida a arguição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa.
  • 2º Não sendo acolhida a arguição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei”.

Continua a Ministra Nancy Andrighi:

“Trata-se de uma política de respeito à vontade das partes, que optaram pela arbitragem na solução dos seus conflitos. Em outras palavras, é uma garantia de acesso à jurisdição arbitral”.

E conclui sobre a abrangência do princípio:

“É, assim, prematura qualquer tentativa de movimentação do aparato judicial, antes que exista uma sentença arbitral. Mesmo quando possível se socorrer do Poder Judiciário, as partes dispõem de um estreito espectro de possibilidades para a impugnação de sentença arbitral”.

Lembra ainda a magistrada citada que a impugnação da sentença arbitral, por sua vez, não se faz por qualquer meio, mas por aquele expressamente previsto na Lei n. 9.307/1996:

“Assim, existente uma sentença arbitral, as partes poderão impugnar sua validade somente se for aplicável quaisquer das situações previstas nos incisos do art. 32 da Lei de Arbitragem”.

O que se pretende, com a aplicação do “princípio da kompetenz-kompetenz”, é a preservação da própria noção elementar de arbitrabilidade, pois do contrário haveria sempre a possibilidade de se burlar o processo arbitral e evitar a instauração e o desenvolvimento de sua atividade. Em última ratio, a jurisdição poderia ser provocada em todo caso e invocada independentemente de opção prévia das partes de celebração de cláusula compromissória.

É o que diz também decisão do STJ:

[…]

  1. Ante a cláusula arbitral, de rigor a submissão da alegação de nulidade primeiramente ante o próprio tribunal arbitral, como resulta de sentença estrangeira homologanda, que atende ao princípio Kompetenz Kompetenz, sob pena de abrir-se larga porta à judicialização nacional estatal prematura, à só manifestação unilateral de vontade de uma das partes, que, em consequência, teria o poder de, tão somente ad proprium nutum, frustrar a arbitragem avençada” (STJ, SEC 854/EX, Corte Especial, Rel. p/ acórdão Min. Sidnei Beneti, DJ 07/11/2013).

A Ministra Nancy Andrighi, no mesmo julgado anteriormente mencionado neste texto, recorda que a não utilização do “princípio da kompetenz-kompetenz” apenas teria espaço em situações consideradas de “cláusulas patológicas”, isto é, “hipóteses verdadeiramente fora de qualquer limite de razoabilidade”. Segundo a magistrada, “a jurisprudência do STJ se utiliza inclusive de vocabulário médico para se referir às cláusulas compromissórias que não vinculam as partes a um procedimento arbitral”.

Nancy Andrighi rememora a jurisprudência do STJ sobre o assunto e limita o uso do conceito de cláusulas patológicas às situações de cláusulas compromissórias “que sejam claramente ilegais, sem qualquer margem de interpretação ao contrário”. Uma avença assim, segundo o entendimento da juíza, “pode ser declarada nula pelo Poder Judiciário, antes da manifestação do juízo arbitral acerca da controvérsia”. As cláusulas compromissórias patológicas são examinadas também no REsp 1602076/SP.

Por último, percebe-se o silêncio do Superior Tribunal de Justiça sobre a eventual pertinência de argumento de exceção nos autos do Conflito de Competência 179987/SP (que invocasse, exempli gratia) hipotética inaplicabilidade do chamado “princípio da kompetenz-kompetenz” àquele caso. Tal comportamento do Superior Tribunal de Justiça dá a exata noção de que não cabe a utilização do conceito de cláusulas compromissórias patológicas às hipóteses dos contratos de franquia ali discutidos, por não consubstanciarem situações fora dos limites da razoabilidade ou da legalidade.