Classificação brasileira de ocupações e riscos trabalhistas

O texto da coluna desta semana está a cargo da advogada e mediadora Carolina Tupinambá, que é pós doutora no Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos – Direito, Política, História e Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Carolina, que também é autora de livros e artigos na área trabalhista, vai escrever sobre a classificação brasileira de ocupações e riscos trabalhistas.

Carolina também é mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Trabalhista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, ocupante da Cadeira n°47. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro da American Bar Association. Membro da Comunidad para la Investigación y el Estudio Laboral y Ocupacional (CIELO).

Carolina Tupinambá

Confira a íntegra do artigo abaixo:

Muitas empresas chegam ao escritório com dúvidas referentes à estruturação interna de seus cargos em relação à Classificação Brasileira de Ocupações. Quais são os riscos de se possibilitar a contratação de pessoas sem curso superior em cargos com CBO que exijam curso superior para respectivo exercício e vice e versa? Quais eventuais impactos para a cota de aprendizes na classificação de cargos?

A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) trata-se de um documento instituído pela Portaria nº 397/02. A própria norma regulamentar preceitua em seu artigo 4º que “Os efeitos de uniformização pretendida pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) são de ordem administrativa e não se estendem às relações de emprego, não havendo obrigações decorrentes da mudança da nomenclatura do cargo exercido pelo empregado.”

Basicamente, os dados da CBO, portanto, alimentam as bases estatísticas de trabalho e servem de subsídio para a formulação de políticas públicas de emprego.

Atualmente, não existe multa expressa por eventual incompatibilidade da CBO com a ocupação real do empregado, sendo o órgão fiscalizador o Ministério da Economia, Subsecretaria do Trabalho e Emprego.

Os conselhos de profissões regulamentadas, eventualmente, também fazem fiscalização com base na CBO, uma vez que algumas ocupações exigem o registro no conselho regional da área, variando os casos conforme lei da respectiva profissão.

Nesse contexto, é possível enumerar os seguintes riscos derivados de eventual discrepância entre as qualificações e encargos do empregado, com os atributos exigidos para ocupação de seu respectivo cargo, segundo a CBO:

  1. Autuações administrativas genéricas por violação da Portaria n. 397;
  2. Autuações de conselhos profissionais competentes;
  3. Constituição de prova em ações trabalhistas para caracterização de hipotético desvio ou acúmulo de função;
  4. Possível caracterização de fraude com objetivo de manipulação de cotas de aprendiz;
  5. Fundamento de pedido de danos extrapatrimoniais e correção do CBO em CTPS em ações trabalhistas individuais;
  6. Fundamento de pedido de diferenças salariais, em ações individuais que tenham como causa de pedir divergência entre a função realizada na prática e a anotada em CTPS, com piso salarial menor;
  7. Fundamento para rescisão indireta baseada no artigo 483, alínea “a” da CLT, ou seja, exigência de atividades sem conexão com o objeto da contratação;
  8. Eventual reflexo previdenciário, no tocante aos benefícios condicionantes à incapacidade temporária de exercício das funções do cargo, tomado como parâmetro o CBO.

Algumas empresas têm apostado no risco de contratar sem observar regras do CBO, com fundamento no poder diretivo e na atual redação do artigo 461 da CLT, que sequer exige homologação de planos de cargos.

O site do Ministério da Economia, de todo modo, de há muito tem informado que “a partir do ano base de 2019”, a tabela de CBO x ESCOLARIDADE deverá ser excluída das críticas de recepção da RAIS. Tal “promessa” parece ainda não ter se concretizado no plano prático.

Por enquanto, em perspectiva conservadora, recomenda-se que, se não for possível observar a escolaridade mínima da CBO, a empresa tenha, como contraponto, um plano de cargos para se resguardar, sendo desnecessária a homologação do mesmo.

Finalmente, tenha-se em mente que, nos termos do artigo 611-A da CLT, uma solução bastante interessante para neutralização eficiente do passivo trabalhista envolvido, seria a negociação coletiva de acordo que previsse expressamente, por exemplo, que a empresa não exige curso superior completo de trabalhadores para participação em processo seletivo para contratação de empregados para o desempenho de quaisquer cargos de analistas, independentemente de previsão específica em contrário na CBO, sem que a respectiva prática seja capaz de representar ou inaugurar possíveis créditos trabalhistas, direitos, ou mesmo de caracterizar eventual infração administrativa.

Em relação a aspectos pontuais, façamos um destaque interessante a ser considerado. Como fica a definição do número de aprendizes a serem contratados, segundo o artigo 429 da CLT que obriga estabelecimentos de qualquer natureza a contratar aprendizes nos cursos de aprendizagem, no percentual mínimo de cinco e máximo de quinze por cento das funções que exijam formação profissional?

No que diz respeito ao tema, reza o artigo 52, do Decreto 9.579/18, que dispõem sobre a temática da lactante, da criança e do adolescente e do aprendiz, o seguinte, com destaques:

Art. 52. Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho.

  • Ficam excluídas da definição a que se refere o caput as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do disposto no inciso II do caput e no parágrafo único do art. 62 § 2º do art. 224 da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
  • 2º Deverão ser incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos.

Do dispositivo evidencia-se, portanto, que, para saber se determinado cargo de ocupação demanda ou não formação profissional, a CBO ainda constitui, sim, o parâmetro normativo mais adequado. Neste contexto, caso a CBO preveja a necessidade de formação profissional para exercício da ocupação, a respectiva função deverá integrar a base de cálculo para contratação de aprendizes.

No mesmo sentido, a Secretaria de Inspeção do Trabalho publicou a Instrução Normativa n. 146, de 25 de julho de 2018, que dispõe sobre a fiscalização do cumprimento das normas relativas à aprendizagem profissional. O teor do artigo 2º elenca taxativamente quem possa ser excluído da base de cálculo.

Das orientações que se extraem dos dispositivos citados, portanto, é correto afirmar que apenas as funções que exijam habilitação de nível técnico ou superior, os cargos de confiança, os gerentes, além dos empregados que executem serviços sobre o regime de trabalho temporário, estariam de fato excluídos da base de cálculo para apuração do número de aprendizes a serem contratados.

Ou seja, os cargos não elencados dentre as exceções – ainda que, no plano fático o profissional efetivo que desempenhe a função apresente formação além ou aquém daquela estipulada pela CBO – não devem ser desconsiderados da base de cálculo referente ao número de aprendizes a serem contratados pela empresa.

Concluindo. Os riscos de se possibilitar a contratação de pessoas sem curso superior em cargos com CBO que exija curso superior para respectivo exercício, ou vice e versa, podem ser administrados pelas empresas, recomendando-se, especialmente: (i) a adoção de plano de cargos interno; (ii) a contratação de pessoas com formação igual ou menor que a exigida na CBO, o que importará, em tese, remuneração mais robusta do que a eventualmente esperada para aquele nível de instrução; (iii) consideração e, se for o caso, tentativa de aproximação, para neutralização de passivo, com respectiva entidade fiscalizadora da profissão envolvida e, finalmente (iv) se for o caso, tentativa de negociação coletiva para blindagem mais segura dos riscos envolvidos.

As funções que exijam habilitação de nível técnico ou superior, nos termos da CBO, ficam excluídas da base de cálculo para apuração do número de aprendizes a serem contratados. Os cargos não elencados dentre as exceções normativa não devem ser desconsiderados da base de cálculo referente ao número de aprendizes a serem contratados pela empresa.