Breves comentários à Lei 14.112/20 e seus impactos na seara trabalhista

Esta semana, convideu os colegas Vólia Bomfim e Iuri Pinheiro para escrever nesta coluna sobre Lei 14.112/20 (Lei de Recuperação Judicial), que visa a melhor recuperação econômica da empresa e seus impactos na seara trabalhista.

Vólia Bomfim é advogada trabalhista, desembargadora aposentada do TRT1, doutora em direito pela UGF, Mestre em direito pela UNESA, Pós-graduada em processo civil e processo do trabalho pela UGF. Também é pós-graduada em direito do trabalho pela UGF, professora e xoordenadora da pós-graduação trabalhista do IEPREV, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Cadeira 77 e autora de diversos livros da área trabalhista.

Já Iuri Pinheiro é juiz do trabalho do TRT3, aprovado em nove provas discursivas para Juiz do Trabalho, coordenador da Pós-Graduação de Compliance Trabalhista, LGPD e Prática Trabalhista do IEPREV, Professor de diversas instituições, dentre elas PUC-MG e CERS. Professor convidado de Escolas Judiciais. Escritor de obras jurídicas, especialmente do Manual do Compliance Trabalhista e Manual da Terceirização. Formação em Compliance Laboral pela Wolters Kluwer (Espanha).

Leia abaixo a íntegra do artigo:

Vólia Bomfim e Iuri Pinheiro

Foi publicada a Lei 14.112 em 24/12/2020 trazendo diversas mudanças na Lei de Recuperação Judicial (LRJ) – Lei 11.101/05, com impactos trabalhistas significativos. A maioria das alterações desprestigiou o crédito trabalhista e deu preferência à recuperação econômica da empresa.

Houve seis vetos, três dos quais importantes para a área trabalhista.

O presente estudo não pretende esgotar a matéria, mas tão somente abordar os principais impactos da alteração legislativa no direito e no processo do trabalho.

  1. DIREITO INTERTEMPORAL

O artigo 7º da Lei 14.112/20 prevê o início de vigência em 30 dias após sua publicação. Como foi publicada no dia 24/12/2020, o marco inicial da vigência da lei em estudo foi no dia 23/01/2021, por força do art. 8o, § 1o, da Lei Complementar 95/98.

Quanto à aplicação das novas regras ou daquelas modificadas pela lei aos processos judiciais em curso, o artigo 5º da Lei 14.112/20 aponta para a teoria do isolamento dos atos processuais, prevista no artigo 14 do CPC.

Explicamos: o direito processual orienta-se pela regra do respeito aos atos já praticados sob o manto da legislação anterior, devendo ser observada a nova regra para os atos praticados após a vigência da lei. Isto quer dizer que a lei nova deve ser imediatamente aplicável, respeitados os atos jurídicos já praticados, bem como seus efeitos.

Entretanto, o § 1º do mesmo artigo 5º da Lei 14.112/20 excepciona alguns casos, cuja lei só será aplicável aos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial ajuizados após a vigência da lei ou às falências decretadas também após o advento da nova lei, ainda que decorrentes de convolação:

Art. 5º ….

  • 1º Os dispositivos constantes dos incisos seguintes somente serão aplicáveis às falências decretadas, inclusive as decorrentes de convolação, e aos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial ajuizados após o início da vigência desta Lei:

I – a proposição do plano de recuperação judicial pelos credores, conforme disposto no art. 56 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005;

II – as alterações sobre a sujeição de créditos na recuperação judicial e sobre a ordem de classificação de créditos na falência, previstas, respectivamente, nos arts. 49, 83 e 84 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005; (grifos nossos).

III – as disposições previstas no caput do art. 82-A da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005;

IV – as disposições previstas no inciso V do caput do art. 158 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Dos dispositivos acima mencionados, o mais importante para a área trabalhista é o inciso II, pois trata da alteração da ordem de classificação dos créditos na falência. Os créditos trabalhistas extraconcursais (remuneração de trabalhadores por serviços prestados após à decretação de falência), deixaram de ocupar a primeira e passaram a ocupar a quarta posição (inciso I-D do art. 84). Mas isso só se aplica aos pedidos de recuperação judicial ajuizados após a vigência da lei e às falências decretadas ou convoladas também após a vigência da nova lei.

Lado outro, é muito importante observar que os incisos III e IV fazem referência a dispositivos que foram introduzidos na Lei 11.101/05 pela própria Lei 14.112/20 (artigo 82-A e o inciso V do artigo 158).

  1. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS COM IMPACTOS TRABALHISTAS

 

LEI  11.101/05

 2.1 Artigo 6º, “caput” e incisos I, II e III

As primeiras alterações com reflexos para a praxe trabalhista ocorreram com a remodelação do artigo 6º da Lei 11.101/2005, dispositivo que traz uma espécie de regramento geral dos impactos da recuperação judicial e falência nos processos judiciais.

 

REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

(Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)

(Inexistente)I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;  (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
(Inexistente)II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;  (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
(Inexistente)III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.        (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)

 

Percebe-se que houve alteração no “caput” do art. 6º e que foram incluídos os incisos I, II e III. O “caput” do art. 6º foi reduzido e os trechos suprimidos foram transformados nos incisos I e II com pequenas modificações.

O novel inciso I do art. 6º previu a suspensão apenas da prescrição, suprimindo a menção de que as ações em face do devedor também seriam suspensas pelo advento de recuperação judicial ou falência.

A interpretação lógica e sistemática da lei já conduzia à conclusão de prosseguimento das ações até a efetiva liquidação porque o § 1º do mesmo art. 6º já mencionava que teria “prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida” e o § 2º de tal dispositivo previa que “as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença”.

E, de fato, não haveria razão para a suspensão de ações em fase de conhecimento, pois não impactavam no plano de recuperação judicial, o que era acompanhado pelos massivos julgados até mesmo na Justiça[1]Comum.

Portanto, a novidade foi apenas na incorporação ao texto legal do entendimento dominante, não trazendo muitos impactos práticos. Apenas a fase de execução e os atos de execução em si serão suspensos.

Há, contudo, um aspecto que merece ser analisado sistematicamente. Cuida-se da inclusão do § 8º do artigo 163 da Lei 11.101/2005, que expressamente determinou a suspensão da prescrição e das execuções prevista no artigo 6º aos casos de recuperação extrajudicial[2].Portanto, agora, o processamento da recuperação extrajudicial também suspende o curso das prescrições e execuções.

Outra observação quanto ao inciso I foi o equívoco em mencionar a suspensão da prescrição “das obrigações”. Isso porque a prescrição incide sobre a pretensão[3] e não sobre o direito material em si, que continua a existir, mesmo que prescrito, como obrigação natural. Tanto que, se pago espontaneamente, não gera direito à repetição do indébito.

A modificação no trecho que agora corresponde ao inciso II apenas destacou que a suspensão das execuções alcança tão somente os créditos ou obrigações sujeitas à recuperação judicial ou à falência, o que também já era a interpretação dominante quanto ao tema.

Por sua vez, o inciso III traz conteúdo até então inexistente na legislação, proibindo qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais.

Cuida-se de mais uma disposição que também já era a leitura que se impunha por imperativo lógico da necessidade de universalização dos créditos e débitos, concentrando-os em um único juízo (falimentar) e, também por força do art. 49 da Lei 11.101/2005[4]. Registre-se que esse também já era o entendimento do TST[5].

Uma questão controversa no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho e que poderia ter sido dirimida pela nova legislação é o destino de eventuais constrições ou depósitos judiciais anteriores ao deferimento do processamento de recuperação judicial ou decretação de falência.

Entendemos que o destino de tais valores deve ficar à disposição do juízo falimentar, também por decorrência da lógica de universalização dos créditos e débitos e por influxo do mesmo art. 49 da Lei 11.101/2005, na esteira da jurisprudência atualmente pacificada no TST[6].

  • Artigo 6º, Parágrafo 4º e Parágrafo 4º-A 
REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.§ 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal. (grifos nossos).
(Inexistente)§ 4º-A. O decurso do prazo previsto no § 4º deste artigo sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo, na forma dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do art. 56 desta Lei, observado o seguinte:      (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

I – as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo não serão aplicáveis caso os credores não apresentem plano alternativo no prazo de 30 (trinta) dias, contado do final do prazo referido no § 4º deste artigo ou no § 4º do art. 56 desta Lei;       (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)           (Vigência)

II – as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do final do prazo referido no § 4º deste artigo, ou da realização da assembleia-geral de credores referida no § 4º do art. 56 desta Lei, caso os credores apresentem plano alternativo no prazo referido no inciso I deste parágrafo ou no prazo referido no § 4º do art. 56 desta Lei.   (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)  (grifos nossos)

 

 

Perceba-se que foi expressamente autorizada pelo § 4º a prorrogação do prazo de suspensão da prescrição e das execuções em mais 180 dias, podendo-se atingir o montante de 360 dias (180+180). E o § 4º-A admite, ainda, uma segunda prorrogação, o que poderá atingir o patamar de 540 dias de suspensão.

Conforme § 4º do artigo 6º, da Lei 11.101/05, alterado pela Lei 14.112/20, decretada a falência ou deferido o processamento da recuperação judicial ocorrerá a suspensão das execuções[7] ajuizadas contra o devedor, que perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação, prazo prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.

Antes da alteração legislativa havia dois entendimentos (na seara trabalhista) acerca da possibilidade ou não de prorrogação do prazo de 180 dias previsto na redação original. A primeira corrente defendia a improrrogabilidade do prazo[8] porque a lei não autorizou a sua dilação, sendo ineficaz decisão do juiz falimentar nesse sentido, enquanto a segunda corrente admitia a prorrogação[9], tese apoiada também pela jurisprudência do STJ[10] e TST [11], desde que de forma excepcional, quando comprovada a sua necessidade para o sucesso da recuperação e não evidenciada a negligência do requerente.

Portanto, a novidade legislativa apenas adota a corrente jurisprudencial dominante, que permite a prorrogação por mais 180 dias, caso o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal e outros requisitos estejam presentes. Há também autorização explícita de prorrogação por mais outros 180 dias, contados do final dos primeiros dois prazos, isto é, após 360 (180 + 180) dias, ou contados da assembleia de credores, caso estes apresentem plano alternativo no prazo legal.

O prazo de suspensão previsto no artigo 6º da Lei 11.1101/15 é processual e, por isso, se aplica a regra da contagem do direito processual. Todavia, foi afastada a contagem em dias úteis prevista no artigo 219 do Código de Processo Civil, já que existe regra específica de contagem contínua, na forma do artigo 189, parágrafo 1º, I da Lei 11.101/15, novidade trazida pela Lei 14.112/20.

 2.3 Artigo 6º, Parágrafo 7º-B c/c Parágrafo 11

 

REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
(Inexistente)Art. 6º

(…)

§ 7º-B O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos  atos de constrição que recaiam sobre bens essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art.805 do referido Código.

 

(Inexistente)§ 11. O disposto no § 7º-B deste artigo aplica-se, no que couber, às execuções fiscais e às execuções de ofício que se enquadrem respectivamente nos incisos VII e VIII do caput do art. 114 da Constituição Federal, vedados a expedição de certidão de crédito e o arquivamento das execuções para efeito de habilitação na recuperação judicial ou na falência.

 

(Inexistente)II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;  (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)

 

De acordo com o § 11 do artigo 6º, incluído pela Lei 14.112/2020, não serão suspensas as execuções relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho e para a execução, de ofício, das contribuições sociais, conforme os incisos VII e VIII do caput do art. 114 da CRFB/88, mesmo depois de decretada a falência ou deferido o processamento da recuperação judicial.

Esta novidade é importantíssima para o processo do trabalho.

Doravante, permanece a competência da Justiça do Trabalho para executar a cota previdenciária e tributária decorrente da condenação de verbas trabalhistas, bem como as penalidades impostas pelos auditores fiscais, pois não se submetem mais ao juízo universal por força da nova disposição legal.

Antes da alteração legislativa, a jurisprudência do TST entendia que a suspensão da das execuções na Justiça do Trabalho alcançava até mesmo as execuções das contribuições previdenciárias e fiscais abrangidas por sua competência, como decorrência do Princípio da Gravitação Jurídica (“acessorium sequitur principale”), sob pena de desvirtuamento da preferência do crédito trabalhista[12]. Esse também era o entendimento de boa parte dos Tribunais Regionais do Trabalho[13].

Após a individualização do crédito, era feita a expedição de certidão do crédito para habilitação no juízo da recuperação judicial, na forma do art. 80 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Com a recente alteração legislativa, esses créditos continuam na Justiça do Trabalho para processamento até o final, portanto, excluídos da suspensão prevista no artigo 6º.

Estranha a diferença de tratamento dado pelo legislador aos créditos decorrentes de multas administrativas, aos créditos fiscais e previdenciários acessórios do crédito trabalhista e ao próprio crédito trabalhista, pois aparentemente priorizou o acessório ao valor principal, as penalidades ao crédito alimentar. O crédito alimentar é prioritário às multas administrativas e, não poderia se submeter a procedimento mais demorado e desvantajoso que os demais.

Assim, o valor principal, de natureza trabalhista, vai ser pago pelo juízo universal, enquanto os créditos acessórios pela Justiça do Trabalho. A novidade quebra o princípio natural de que o acessório segue o principal.

Ora, a execução do crédito trabalhista se submete ao juízo universal e ao processamento da recuperação judicial ou da falência, enquanto os créditos tributários e previdenciários decorrentes desses mesmos créditos trabalhistas e as multas, terão prioridade na justiça do trabalho para sua execução direta. Além disso, estas não estão sujeitas ao prazo de suspensão, aos limites de valores e à ordem de classificação.

A modificação representa até mesmo um certo paradoxo existencial. Ora, a Justiça do Trabalho existe, fundamentalmente, para conferir uma análise especializada a um crédito que goza de preferência e demanda uma satisfação mais célere para atender ao seu caráter alimentar.

A partir do momento em que o crédito alimentar fica sobrestado e a Justiça do Trabalho prossegue na execução de créditos acessórios, deturpa-se até mesmo à lógica de existência da Especializada.

  • Artigo 50, parágrafo 3º e XVII e artigo 56, parágrafo 7º 
REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
(Inexistente)Art. 50. ………………………

 

XVII – conversão de dívida em capital social; (grifos nossos).

 

(Inexistente)§ 3º Não haverá sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, de aporte de novos recursos na devedora ou de substituição dos administradores desta. (grifos nossos).

 

(Inexistente)Art. 56…..

 

(…)

 

§ 7º O plano de recuperação judicial apresentado pelos credores poderá prever a capitalização dos créditos, inclusive com a consequente alteração do controle da sociedade devedora, permitido o exercício do direito de retirada pelo sócio do devedor.

 

 

A reforma incluiu a possibilidade de conversão da dívida em capital social, hipótese agora incluída no inciso XVII do artigo 50 e no artigo 56, § 7º da Lei 11.101/05.

Antes, em caso de rejeição ao plano de recuperação pela assembleia geral, o juiz deveria decretar a falência. Agora o administrador judicial, após a aprovação da assembleia geral nesse sentido, concede prazo de 30 para que os credores apresentem seu plano de recuperação judicial.

Apesar de não mencionar especificadamente o crédito trabalhista, entendemos não haver óbice a sua conversão em capital social.

Neste caso, o credor trabalhista deverá, no prazo de 30 dias, caso assim deseje, apresentar seu plano de recuperação judicial pretendendo converter seu crédito em capital social, podendo, inclusive, ficar no controle da sociedade e, neste caso, será facultada a retirada do sócio devedor.

Para estimular a prática, a reforma incluiu o § 3º ao artigo 50 da Lei 11.101/05, para isentar de responsabilidade aquele que substituiu seus créditos pelo capital social ou pelo novo administrador.

Esta novidade excepciona expressamente a lógica da responsabilização de sócios, o que é consagrado no artigo 10-A da CLT e até mesmo no novel artigo 82-A da Lei 11.101/05 (artigo incluído pela Lei 14.112/20). O primeiro determina que, em caso de desconsideração da personalidade jurídica, deve-se buscar primeiro a constrição do patrimônio dos sócios ou administradores atuais e o segundo, respectivamente, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, desde obedecidos os requisitos do artigo 50 do Código Civil.

Ressalte-se que o mencionado § 3º refere-se à “responsabilidade de dívida de qualquer natureza”, no que se inclui a trabalhista. Portanto, indiscutível sua aplicação na área trabalhista.

A controvérsia que poderá existir a respeito desta substituição do crédito trabalhista em capital social será a natureza da parcela trabalhista e sua indisponibilidade, principalmente se houver prejuízo ao trabalhador.

Alguns defenderão a nulidade desta “substituição” ou novação quando causar prejuízo ao trabalhador.

Entendemos, contudo, que só a lei pode excepcionar as regras e princípios trabalhistas. Apesar da característica pública de alguns direitos trabalhistas e de sua indisponibilidade absoluta ou relativa, a lei autorizou a substituição, sendo, portanto, válida, mesmo que cause prejuízos ao trabalhador, já que a razoabilidade da alteração foi objeto de ponderação e escolha pelo legislador, não podendo ser invocado, neste caso, o artigo 468 da CLT.

É inovadora a inclusão na lei de o credor trabalhista poder substituir seus créditos trabalhistas em participação societária.   

2.5 Artigo 54

REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.
Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.§ 1º. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.    (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) 
(Inexistente)§ 2º O prazo estabelecido no caput deste artigo poderá ser estendido em até 2 (dois) anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente:    (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

I – apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz;       (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

II – aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma  do § 2º do art. 45 desta Lei; e     (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

III – garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.       (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)

 

Foi autorizada a extensão do prazo de um ano para mais dois anos para o pagamento dos créditos decorrentes da legislação trabalhista e de acidente de trabalho, desde que observados alguns requisitos, como se percebe dos incisos I, II e III do parágrafo 2º do artigo 54 da Lei 11.101/15, hipótese que inexistia na regra anterior.

Ao todo, a majoração do prazo para pagamento totaliza três anos, pois o novo prazo é somado ao anterior (um ano). A existência de garantias suficientes (satisfatórias) para o pagamento das dívidas traz certa tranquilidade na alteração legislativa de extensão do prazo, além da previsão de pagamento integral.

Os credores trabalhistas devem aprovar a prorrogação do prazo, para a validade do ato.

O parágrafo único do artigo 54 foi substituído pelo § 1º do artigo 54 da Lei 11.101/05. Nenhuma novidade foi trazida pelo atual parágrafo 1º do artigo 54, pois corresponde, com exatidão, ao antes previsto no parágrafo único do mesmo artigo.

2.6 Artigo 82-A 

O art. 82-A não existia no texto anterior da Lei 11.101/2005 e cuida da temática da desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos o seu texto:

Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.

Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (grifos nossos). 

A nova disposição traz algumas novidades e acabará por reacender discussões na Justiça do Trabalho, especialmente, sob duas perspectivas: i) competência para desconsideração da personalidade jurídica em processos trabalhistas cuja sociedade esteja falida; ii) requisitos para decretação da desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese.

No que se refere à competência, era firme o entendimento de que a suspensão das execuções em face da sociedade falida não impediria o prosseguimento, na própria Justiça do Trabalho, da execução em face dos sócios através do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, remanescendo com os sócios o direito de regresso em face da sociedade.

O fundamento da competência da Justiça do Trabalho para decretação da desconsideração da personalidade jurídica era pautado na lógica de que os bens dos sócios não se confundem com os bens da sociedade (Princípio da Autonomia Patrimonial), não se submetendo à “vis attractiva” do Juízo Universal (art. 76 da Lei 11.101/2005). A jurisprudência do TST era firme nesse sentido[14].

Além disso, era bem estável a jurisprudência no sentido que na Justiça do Trabalho se aplicava, como regra, o art. 28, § 5º, do CDC (teoria objetiva ou menor), sendo suficiente para o redirecionamento da execução o mero inadimplemento da obrigação, em detrimento da aplicação do art. 50 do Código Civil, que exige desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Frise-se que, com a falência, estaria configurada inadimplência da sociedade devedora, já que não se pode exigir o seu cumprimento, aplicando-se analogicamente o art. 828, III, do Código Civil[15], que trata da fiança.

Com a nova disposição, há previsão expressa de que essa desconsideração, em se tratando de sociedade falida, apenas poderá ser decretada pelo juízo falimentar e sob os requisitos do art. 50 do Código Civil.

A grande controvérsia será sobre a aplicabilidade desse dispositivo à Justiça do Trabalho.

Uma primeira linha de entendimento, da qual participamos, defende que, como a norma não excepcionou, não caberia ao intérprete fazê-lo, de modo que qualquer responsabilidade por meio de desconsideração da personalidade jurídica, ainda que na Justiça Laboral, ficaria ao crivo do Juízo Falimentar e sob requisitos do art. 50 do CC.

Ressaltamos que essa opção legislativa tenderá a aumentar, ainda mais, a taxa de congestionamento das execuções, grande gargalo da Justiça do Trabalho, que compromete a efetividade dos créditos alimentares.

Por outro lado, é possível defender que essa seria apenas uma norma geral, aplicável aos créditos que são processados perante o Juízo Falimentar, não alcançando os créditos trabalhistas e fiscais, por força do art. 76 da Lei 11.101/2005:

Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

Especificamente para o crédito trabalhista, poder-se-ia defender que haveria um regramento especial, que atrai a aplicação da teoria menor da desconsideração (art. 28, § 5º, do CDC) e sendo de competência da Justiça do Trabalho por força do art. 877 da CLT, que estipula como competente para execução o Juízo que tiver conciliado ou julgado originariamente o dissídio, não se aplicando a “vis attractiva” do Juízo Falimentar em razão de não se confundirem as pessoas dos sócios e a sociedade.

Em abono à competência da Justiça do Trabalho e manutenção da teoria menor, é possível defender, ainda, que o “caput” do novel art. 82-A trata da extensão da falência e seus efeitos e a desconsideração da personalidade jurídica pelo Juízo Trabalhista apenas visaria à responsabilidade do crédito por esta reconhecido, não avançando sobre extensão da falência e seus efeitos aos sócios.

A despeito de tais considerações, a opção legislativa parece ter sido categórica e, ainda que reputemos que a solução pudesse ser diversa, a temática está dentro do poder de conformação do legislador.

  • Revogação do Parágrafo 4º do Artigo 83 

Como se percebe, foi revogado o parágrafo 4º do artigo 83 da Lei 11.101/05 para que os créditos trabalhistas cedidos continuem com sua natureza e classificação originária. Na redação primitiva da lei, a cessão do crédito trabalhista o transformava em quirografário.

Para uma compreensão adequada do tema, é relevante fazer o resgate histórico da questão.

Antes da Lei 11.101/05, havia dúvidas acerca da possibilidade de cessão de crédito trabalhista.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk[16] há muito demonstravam preocupações sobre o tema, defendendo sua impossibilidade com fundamento na impenhorabilidade do salário. Havia também quem defendesse que a sua admissão seria expediente desaconselhado pelos compromissos internacionais, máxime pela Convenção 95 da Organização Internacional do Trabalho.

No que se refere à impenhorabilidade, parece-nos ser hipótese diversa da cessão porque nesta há convergência de vontade em detrimento do caráter forçoso da primeira. Em que pese a Convenção 95 cuide da proteção ao salário, ela não veda a cessão de crédito trabalhista e o art. 286 do Código Civil autoriza a cessão de crédito “se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”.

Considerando a inexistência de vedação legal para tanto[17], parece-nos ser juridicamente possível a cessão do crédito trabalhista no bojo do processo falimentar perante o Juízo Universal como era até mesmo previsto pela lei em questão.

Questão mais controversa era a possiblidade de cessão de crédito trabalhista em processo judicial em curso na Justiça do Trabalho.

A uma porque, enquanto não transitada em julgado a decisão, o crédito não é revestido do atributo da certeza.  A duas porque, para cessão de crédito, o art. 290 do CC exige apenas notificação do devedor como condição de eficácia, enquanto a sucessão das partes na relação jurídica processual demanda o expresso consentimento, a teor do art. 109, § 1º, do CPC.

O TST já chegou a entender pela impossibilidade de cessão de crédito no curso de processo trabalhista em alguns processos submetidos a sua análise[18] sob o fundamento da vedação contida no art. 100 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, mas este acabou por ser revogado posteriormente por não se tratar de matéria de competência regulamentar.

Investigada a possibilidade de cessão no curso do processo falimentar ou até mesmo fora deste, cumpre enfatizar que, antes da Lei 11.101/05, a cessão de créditos trabalhistas não transmudava a sua natureza e isso favoreceu o surgimento de um grande “comércio de créditos trabalhistas”, como bem pontuado por Marcelo Mauad[19].

A variáveis que levam a equação de formação desse comércio são as seguintes: a) o trabalhador titular de crédito de uma empresa falida geralmente se encontra em considerável vulnerabilidade; b) tem urgência para o recebimento do seu crédito; c) não tem conhecimento do trâmite de um processo falimentar e quais suas perspectivas reais de percepção do crédito; d) o crédito cedido ocupava a primeira posição na lista de prioridade.

Premidos pela necessidade, muitos trabalhadores cediam seus créditos preferenciais por valores bem reduzidos, proporcionando uma alta rentabilidade.

Justamente para estancar esse comércio é que a Lei 11.101/2005 previu a perda da natureza privilegiada e sua conversão em crédito quirografário no art. 83, § 4º. Dessa previsão chegou a ser ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3424), em marco de 2005, mas que não foi objeto de concessão de liminar e que nem chegou a ser julgada[20].

Entendíamos acertada a supressão da natureza alimentar porque o crédito trabalhista é preferencial em atenção à pessoa do trabalhador e a sua necessidade de subsistência.

Estaríamos diante de um direito de preferência “intuitu personae”, o qual que não se transferiria a terceiro por sub-rogação, conforme leciona Orlando Gomes[21].

Ocorre que a Lei 14.112/2020 revogou essa perda de natureza, estimulando o retorno da cessão de créditos trabalhistas em ritmo acentuado[22], o que se revela preocupante, pois todo arcabouço da legislação trabalhista teve em mente a proteção do hipossuficiente e o adquirente do crédito certamente não o é, desvirtuando tal condição.

Há quem argumente que processos falimentares são morosos e que a cessão com manutenção da natureza originária do crédito estimula e confere maior força aos seus titulares na busca de satisfação por meio dessa operação, mas, como destacado, o que se via antes da redação originária da Lei 11.101/2005 era um franco comércio de créditos trabalhistas de trabalhadores em premente necessidade que findavam ainda mais vilipendiados, razão pela qual enxergamos com preocupação a modificação. 

  • Artigo 84

 

REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos:

 

I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;      (Revogado pela Lei nº 14.112, de 2020)    (Vigência)I – (revogado);      (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) 

I-A – às quantias referidas nos arts. 150 e 151 desta Lei;       (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

I-B – ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do Capítulo III desta Lei;      (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

I-C – aos créditos em dinheiro objeto de restituição, conforme previsto no art. 86 desta Lei;      (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

I-D – às remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares, aos reembolsos devidos a membros do Comitê de Credores, e aos créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;       (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

I-E – às obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência;   (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

 

II – quantias fornecidas à massa pelos credores;II – às quantias fornecidas à massa falida pelos credores.    (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) 
III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;III – às despesas com arrecadação, administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de falência;     (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) 
IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;IV – às custas judiciais relativas às ações e às execuções em que a massa falida tenha sido vencida; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) 
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.V – aos tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.     (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)

 

 

Os pagamentos dos credores seguem ordem certa e são divididos em: restituições, créditos concursais e créditos extraconcursais. São créditos extraconcursais aqueles contraídos durante o processo de falência ou de recuperação judicial enquanto os concursais são os existentes antes da decretação da falência ou antes do pedido de recuperação judicial. A restituição consiste na devolução de bens de terceiros ou dinheiro de terceiro em poder do devedor.

 

A novidade trazida pelo artigo 84 da Lei 11.101/15 está no inciso I-D, já que os créditos extraconcursais trabalhistas ou decorrentes de acidente de trabalho passaram de primeiro para quarto lugar, mas ainda com preferência sobre aqueles previstos no artigo 83 da mesma lei.

 

Todavia, antecedem os créditos extraconcursais trabalhistas os previstos nos artigos 150 e 151 da Lei 11.101/15, entre eles os créditos concursais trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos; os créditos entregues pelo financiador ao devedor e a restituição em dinheiro. Para ser congruente com a nova ordem de classificação dos créditos, foi revogado o parágrafo único do artigo 86 da LRJ, que previa a preferência dos créditos do artigo 151, entre eles o crédito trabalhista e acidentário, sobre a restituição.

 

Ao mesmo tempo que houve um desprestígio ao crédito extraconcursal referente aos salários e obrigações trabalhistas decorrentes do trabalho prestado após a falência ou recuperação judicial, os salários devidos nos três meses anteriores passaram a constar expressamente como crédito extraconcursal e com preferência sobre os demais, pois incluídos no artigo 151 da LRJ.

A novidade só é aplicável aos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial ajuizados após a vigência da Lei 14.112/20.

2.8 Artigo 159 

Art. 159. …

  • 1º A secretaria do juízo fará publicar imediatamente informação sobre a apresentação do requerimento a que se refere este artigo, e, no prazo comum de 5 (cinco) dias, qualquer credor, o administrador judicial e o Ministério Público poderão manifestar-se exclusivamente para apontar inconsistências formais e objetivas.
  • 2º (Revogado).
  • 3º Findo o prazo, o juiz, em 15 (quinze) dias, proferirá sentença que declare extintas todas as obrigações do falido, inclusive as de natureza trabalhista. 

Foi incluído no parágrafo 3º do artigo 159 da Lei 11.101/05 a expressão “inclusive as de natureza trabalhista”, deixando claro que, ocorrendo as hipóteses do artigo 158 da mesma lei, poderá o julgador proferir sentença de extinção da falência extinguindo-se todas as obrigações, aí incluídas as trabalhistas, pois já quitadas. 

2.9 Artigo 161

 

REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.
§ 1º Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3º , e 86, inciso II do caput, desta Lei.§ 1º Estão sujeitos à recuperação extrajudicial todos os créditos existentes na data do pedido, exceto os créditos de natureza tributária e aqueles previstos no § 3º do art. 49 e no inciso II do caput do art. 86 desta Lei, e a sujeição dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho exige negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.      (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)

 

 Importante novidade foi trazida no parágrafo 1º do artigo 161 da Lei 11.101/05 que trata da negociação com os credores do plano de recuperação judicial, pois prestigia a negociação coletiva, exigindo que tal requisito seja cumprido para fins de submissão à recuperação dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho à recuperação.

Na redação anterior havia expressa exclusão dos créditos trabalhistas e acidentários da negociação com os credores na recuperação judicial. Agora é possível a inclusão, mas para tanto se exige o êxito da negociação coletiva feita com o sindicato da categoria profissional.

A bem da verdade, é possível questionar o sentido da norma: a negociação com o sindicato profissional é necessária para excluir ou para incluir o crédito trabalhista no plano de recuperação judicial.

Entendemos que a negociação é necessária para incluir, pois a regra anterior era de exclusão e porque a expressão utilizada pelo legislador reformista foi “[…] a sujeição dos créditos de natureza trabalhista […]”. Portanto, a regra continua a mesma: de exclusão. Todavia, por exceção poderá ocorrer a submissão destes créditos à recuperação judicial, desde que autorizado pelo sindicato, através de prévia negociação coletiva.

O grande problema trazido pela alteração legislativa é que alguns trabalhadores pertencem à categoria diferencia e, por isso, representados por sindicatos diversos daqueles que representa a maioria dos trabalhadores. Além disso, o juiz da recuperação judicial deverá observar se houve convocação, assembleia e quórum adequado para a autorização sindical. 

2.10 Revogação do parágrafo único do artigo 86 

REDAÇÃO ANTERIORREDAÇÃO NOVA
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
Parágrafo único. As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após o pagamento previsto no art. 151 desta Lei.Revogado pela Lei nº 14.112, de 2020)

 

 A restituição em dinheiro NÃO tinha preferência sobre o pagamento dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, como previsto no artigo 151 da LRJ.

Com a revogação do parágrafo único, do artigo 86, primeiro será devolvido o dinheiro àquele que fez o pedido de restituição, na forma do artigo 85, para só depois ser realizado o pagamento dos créditos trabalhistas mencionados no artigo 151.

Se por um lado, a inversão da ordem desprestigia o crédito trabalhista e acidentário, por outro é justo quando devolve o dinheiro que não era de propriedade do falido ou que foi fruto do perecimento ou desaparecimento de móvel ou imóvel de terceiro, mas que estava em posse do falido. Logo, tais créditos nunca compuseram o ativo do falido e estavam indevidamente retidos.

 

  1. CONCLUSÃO 

A Lei 14.112/20 alterou a Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial) visando a melhor recuperação econômica da empresa.

Algumas destas modificações impactaram diretamente no direito do trabalho e no processo do trabalho.

A maioria das alterações desprestigia o crédito trabalhista, pois além de majorar os prazos de pagamento, altera a ordem de classificação e de pagamento, desprotegendo o crédito trabalhista e acidentário, além de provocar certas restrições à efetividade da execução. 

Referências

[1] COBRANÇA. COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS (SUCATA). DÉBITO CONSUBSTANCIADO EM BOLETOS BANCÁRIOS. PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EMPRESA RÉ QUE NÃO IMPEDE O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO DE CONHECIMENTO. ENUNCIADO Nº 51 DO FONAJE. DÉBITO INCONTROVERSO, DIANTE DO RECONHECIMENTO PELA RÉ. VALOR COBRADO DEVIDO INTEGRALMENTE. Recurso da autora provido, e da ré, desprovido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71005547872, Turma Recursal Provisória, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 30/05/2016). (TJ-RS – Recurso Cível: 71005547872 RS, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Data de Julgamento: 30/05/2016, Turma Recursal Provisória, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/06/2016).

[2] Art. 163. O devedor poderá também requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial.

………………………………………………………………………………………………………………

  • 8º Aplica-se à recuperação extrajudicial, desde o respectivo pedido, a suspensão de que trata o art. 6º desta Lei, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas, e somente deverá ser ratificada pelo juiz se comprovado o quórum inicial exigido pelo § 7º deste artigo. (NR).

[3] Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. (grifos nossos).

[4] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

[5] Por todos: TST – RO: 212457520165040000, Relator: Luiz José Dezena da Silva, Data de Julgamento: 10/09/2019, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/09/2019; Ag-AIRR-271-49.2015.5.17.0013, 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 20/09/2019.

[6] RO-5659-84.2019.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 18/12/2020

[7] Não serão suspensas as execuções fiscais e das contribuições previstas nos incisos VII e VIII do artigo 114 da CF.

[8] RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXECUÇÃO TRABALHISTA. Ultrapassado o prazo improrrogável de 180 dias, previsto no artigo 6º, § 4º da Lei n. 11.101/2005 para suspensão das execuções contra a reclamada em recuperação judicial, a execução trabalhista deve prosseguir. (TRT-1 – AP: 01012681520165010057 RJ, Relator: Claudia Regina Vianna Marques Barrozo, Data de Julgamento: 09/10/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 30/10/2020).

[9] RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA A SUSPENSÃO DE AÇÕES E EXECUÇÕES. MITIGAÇÃO TEMPORAL EM PROL DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. A liquidação de determinada empresa gera consequências drásticas ao Estado pois reduz empregos e afeta sensivelmente sua produção de riquezas, por isso, a Lei de Recuperação Judicial surge para regenerar, em tempo hábil, a ‘saúde- da empresa, fazendo com que o empreendedorismo ascenda novamente e -respire- financeiramente, sem pressões externas, possibilitando-lhe o cumprimento de sua função social. Dessa forma, a Jurisprudência Nacional, capitaneada pelo Superior Tribunal de Justiça, tem mitigado o prazo contido no § 4º, do artigo 6º, da lei 11.101/05, no sentido de prorrogá-lo, principalmente, até o término da fase deliberativa no Juízo Universal, na qual é fixado o plano de reorganização da empresa pelos credores da Recuperanda sob o crivo analítico do Administrador Judicial AGRAVO DE PETIÇÃO de TELEMAR NORTE LESTE S.A EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL em face da decisão de fls.732 do Dr. Gilberto Garcia da Silva, Juiz Titular do Trabalho na 1ª Vara do Trabalho de Volta Redonda, que indefere a prorrogação do prazo de cento e oitenta dias fixado no § 4º, do artigo 6º, da Lei 11.101/2005. (TRT-1 – AP: 00017221820105010341 RJ, Relator: Theocrito Borges dos Santos Filho, Data de Julgamento: 30/05/2018, Sétima Turma, Data de Publicação: 13/06/2018).

[10] AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRORROGAÇÃO DE PRAZO DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES EM FACE DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. O agravo de instrumento é recurso secundum eventum litis, devendo permanecer adstrito à pertinência da decisão atacada e restringir-se apenas ao acerto ou não da decisão agravada, sendo vedado, ainda, imiscuir-se no mérito da demanda ou julgar matérias estranhas ao ato judicial recorrido. 2. De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça, o prazo previsto no § 4º do art. 6º da Lei nº. 11.101/2005, que trata da suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor pelo período de 180 (cento e oitenta) dias, pode ser excepcionalmente prorrogado, quando comprovada a sua necessidade para o sucesso da recuperação e não evidenciada a negligência da parte requerente. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. Decisão mantida. (TJ-GO – AI: 06301061820198090000, Relator: Des(a). Delintro Belo de Almeida Filho, Data de Julgamento: 09/03/2020, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 09/03/2020).

[11] RO-80169-95.2016.5.07.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 21/10/2016.

[12] Por todos, cita-se: AIRR-10386-59.2016.5.15.0140, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 01/06/2020.

[13] Por todos, cita-se: TRT-4 – AP: 00204779420155040741, Data de Julgamento: 01/12/2020, Seção Especializada em Execução.

[14] RR-1201-69.2014.5.12.0004, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 18/12/2020.

[15] Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:

(…)

III – se o devedor for insolvente, ou falido.

[16] GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

[17] A despeito da revogação do art. 83, § 4º, da Lei 11.101/05, existem outras passagens na lei que fazem alusão à cessão de crédito, a exemplo do art. 39, § 7º;

[18] TST; AIRR 97240-40.1995.5.06.0141; Primeira Turma; Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa; DEJT 25/11/2011; Pág. 341; Processo: RR – 128800-83.2001.5.01.0058 Data de Julgamento: 24/03/2010, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/04/2010; Processo: ED-E-RR – 632923-19.2000.5.04.5555 Data de Julgamento: 01/10/2009, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/11/2009.

[19] MAUAD, Marcelo José Ladeira. Os direitos dos trabalhadores na lei de recuperação e falência de empresas. São Paulo: LTr, 2007, p. 17.

[20] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=64374

[21] GOMES, Orlando. Obrigações. Atualizada por Humberto Theodoro Júnior. 12. Ed. Rio de Janeiro: Forense

[22] É certo que existiam denúncias de cessões veladas, mas não há como presumir a má-fé e esta deve ser coibida e não motivo de justificativa.