Alterações na Lei nº 10.101/2000 terão reflexos nas legislações trabalhista e previdenciária

Na coluna desta quarta-feira (24), convidei a advogada Michele Lima Souza , especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás (UFG), para escrever sobre a Lei 14.020/2020, que versa sobre o programa emergencial de emprego e renda, mas que trouxe, no fim de seu texto, mudanças significativas na legislação que trata do Programa de Participação nos Lucros e Resultados. Michele é pós-graduanda em Direito Digital. DPO – Data Protetion Officer – certificada pela Exin (PDPE, PDPF, ISFS e PDPP) e professora universitária e de cursos preparatórios para OAB.

Leia a integra do texto:

Michele Lima Souza

Surpreendentemente, a Lei 14.020/2020, que tratou do programa emergencial de emprego e renda, trouxe no fim de seu texto, mudanças significativas na Lei que trata do Programa de Participação nos Lucros e Resultados (Lei nº 10.101/2000), inicialmente os artigos foram vetados pelo Presidente Jair Bolsonaro sob os seguintes argumentos:

O dispositivo proposto ao dispor, por intermédio de emenda parlamentar, sobre matéria estranha e sem a necessária pertinência temática estrita ao objeto original da Medida Provisória submetida à conversão, viola o princípio democrático e do devido processo legislativo, nos termos dos arts. caput, parágrafo único; 2º, caput; 5º, caput, e LIV, da Constituição da República e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 4433, Relatora Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2015, Processo eletrônico, DJe-198, p. 02/10/2015).

Posteriormente, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional e as alterações promulgadas, estando as regras de PLR alteradas e vigentes desde 6 de novembro de 2020. Vejamos o que diz o texto aprovado:

‘Art. 32. O art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 2º (…)

  • 3º-A. A não equiparação de que trata o inciso II do § 3º deste artigo não é aplicável às hipóteses em que tenham sido utilizados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.
  • 5º As partes podem:

I – adotar os procedimentos de negociação estabelecidos nos incisos I e II do caput deste artigo, simultaneamente; e

II – estabelecer múltiplos programas de participação nos lucros ou nos resultados, observada a periodicidade estabelecida pelo § 2º do art. 3º desta Lei.

  • 6º Na fixação dos direitos substantivos e das regras adjetivas, inclusive no que se refere à fixação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais, a autonomia da vontade das partes contratantes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros.
  • 7º Consideram-se previamente estabelecidas as regras fixadas em instrumento assinado:

I – anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista;e

II – com antecedência de, no mínimo, 90 (noventa) dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação.

  • 8º A inobservância à periodicidade estabelecida no § 2º do art. 3º desta Lei invalida exclusivamente os pagamentos feitos em desacordo com a norma, assim entendidos:

I – os pagamentos excedentes ao segundo, feitos a um mesmo empregado, no mesmo ano civil; e

II – os pagamentos efetuados a um mesmo empregado, em periodicidade inferior a 1 (um) trimestre civil do pagamento anterior.

  • 9º Na hipótese do inciso II do § 8º deste artigo, mantém-se a validade dos demais pagamentos.
  • 10. Uma vez composta, a comissão paritária de que trata o inciso I do caput deste artigo dará ciência por escrito ao ente sindical para que indique seu representante no prazo máximo de 10 (dez) dias corridos, findo o qual a comissão poderá iniciar e concluir suas tratativas.

Assim, empresas e sindicatos deverão observar os seguintes pontos nas negociações de programas de Participação em Lucros e resultados:

  1. Poderão ser adotas, simultaneamente, negociações por meio de comissão paritária escolhida pelas partes e integrada por um representante indicado pelo sindicado profissional, bem como negociações por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.
  2. Em caso de negociação por comissão paritária, a empresa deverá dar ciência por escrito ao sindicato representativo dos empregados, para que indique no prazo de 10 dias corridos seu representante, caso não o faça no prazo a comissão poderá iniciar a finalizar as negociações sem a participação sindical.
  3. Poderão ser instituído múltiplos programas de PLR, desde que observada a periodicidade legal de pagamento, devendo ocorrer no máximo dois pagamentos por ano e haver intervalo de no mínimo três meses entre os pagamentos.
  4. Caso não seja respeitada a periodicidade de pagamento, se tornarão inválidos somente os pagamentos feitos com intervalos menores que três meses, bem com aqueles que excederem dois pagamentos no mesmo ano para o mesmo empregado, permanecendo válidos os demais pagamentos.
  5. Poderão ser estabelecidos livremente os termos e condições da PLR, podendo a empresa utilizar exclusivamente metas individuais. A autonomia de vontade das partes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros.
  6. Deverá ser implementado com antecedência de, no mínimo, 90 (noventa) dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação.
  7. Por fim, a Lei 10.011/2020, determinava que não poderiam implementar programa de PLR a pessoa física e as entidades sem fim lucrativos que, cumulativamente, cumprissem os seguintes requisitos: 1) não distribuição resultados a qualquer título; 2) aplicação integral de seus recursos em atividades institucionais e no Brasil; 3) destinação de seu patrimônio, em caso de encerramento de suas atividades, ao poder público; 4) manutenção de escrituração contábil capaz de comprovar a observância dos demais requisitos. Porém, com a alteração a Lei passou a permitir que mesmo entidades sem fins lucrativos que cumprem, cumulativamente, os requisitos 1,2,3 e 4, podem implementar programa de PLR desde que utilizem índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.

Vale lembrar que as mudanças promovidas impactarão diretamente em milhares de ações por todo Brasil, segundo o jornal Valor Econômico, desde 2015, o CARF publicou mais de 320 acórdãos sobre o assunto, a maioria contrária às empresas. A título de exemplo citamos a situação do banco BTG Pactual e suas controladas que estão num litígio que soma R$ 608,9 milhões. Outro banco, o Santander, foi autuado em R$ 5,4 bilhões.

Por esse motivo foi mantido o veto presidencial ao artigo 37, do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 15, que previa caráter interpretativo às alterações promovidas na Lei nº 10.101/00, sendo que com manutenção desse veto, as novas regras de PLR devem ser aplicadas apenas a situações futuras.

Caso fosse atribuído efeito retroativo à norma, poderiam, inclusive, perder validade diversas autuações aplicadas pela Receita Federal do Brasil a um número considerável de empresas. Nos termos do Anexo da Lei nº 10.101/2000, os valores pagos a título de Participações em Lucros e Resultados até o montante de R$ 6.000,00 (seis mil reais) estão isentos do recolhimento de Imposto de Renda (IR). Acima dessa quantia, é cobrado o IR (tributação exclusiva na fonte).

Por fim, destaca-se ser provável a arguição de Inconstitucionalidade pela via de Ação Direta no Supremo Tribunal Federal, pelos mesmos fundamentos já adotados pela Corte na ADI 5.127, assim ementada:

DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. CONTEÚDO TEMÁTICO DISTINTO DAQUELE ORIGINÁRIO DA MEDIDA PROVISÓRIA. PRÁTICA EM DESACORDO COM O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E COM O DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO). 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória. 2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º, XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de conversão fruto dessa prática promulgadas até a data do presente julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria de votos.

Além da questão apontada acima, as modificações promovidas repetem o conteúdo, não aprovado pelo Congresso em 2020, da Medida Provisória nº 905, de 2019, e do seu PLV não apreciado pelo Senado, podendo restar configurada a votação de matéria prejudicada na mesma sessão legislativa. Até o momento, porém, pela presunção de constitucionalidade de que gozam as Leis no direito brasileiro, as novas regras estão válidas e vigentes.

Observa-se, pelo exposto, uma relevante alteração da Lei nº 10.101/2000, com reflexos práticos nas legislações trabalhista e previdenciária, tanto no âmbito administrativo, quanto no judicial.