Acidente de trajeto: considerações gerais

Na coluna de hoje (16), o tema abordado é acidente de trajeto. Para escrever sobre a temática, convidei a advogada trabalhista Esther Sanches Pitaluga. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, é coordenadora do Núcleo de Direito do Trabalho do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).

Leia abaixo a íntegra do artigo:

Esther Sanches Pitaluga

É caracterizado como acidente no percurso do trabalho aquele que acontece no caminho entre a residência do colaborador e a empresa onde trabalha. O acidente no percurso do trabalho é caracterizado independentemente da forma de transporte, não importa se o colaborador se dirige ao trabalho de carro, transporte público ou mesmo a pé.

Com o advento da reforma trabalhista, o § 2º do artigo 58, passou a vigorar da seguinte maneira:

Art. 58 – § 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

A partir do dispositivo acima, é possível discutirmos uma possível brecha na legislação para que o acidente de trajeto não seja assim considerado? Se formos analisar o disposto, se o tempo em que o funcionário está em seu trajeto de ida ou volta da empresa não é considerado tempo à disposição do empregador, o acidente de trajeto não é um acidente de trabalho, o que isentaria o empregador da emissão do CAT e à estabilidade acidentária.

Contudo, com a revogação da Medida Provisória 905/19, que criou o Contrato Verde e Amarelo, o trabalhador que sofrer acidente durante o trajeto volta a ter seus direitos acidentários garantidos.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem entendido da seguinte forma:

“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – ACIDENTE DE TRABALHO – TRAJETO RESIDÊNCIA-TRABALHO – VEÍCULO PARTICULAR – AUSÊNCIA DE CULPA DA RECLAMADA. Para que seja reconhecido o direito à indenização por danos morais e materiais, é imprescindível, nos termos do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, que o empregador tenha concorrido, pelo menos a título de culpa, com o infortúnio. Não obstante a Lei nº 8.213/91 equipare o ‘acidente de percurso’ ao acidente de trabalho para fins previdenciários, a reparação civil dele proveniente está pautada no princípio da responsabilidade subjetiva. Com efeito, na hipótese de acidente de trajeto, firmou-se nesta Corte o entendimento de que a responsabilidade do empregador pelo infortúnio só se configura diante da existência de nexo causal entre a conduta desse e o dano sofrido pelo empregado. Na hipótese dos autos, extrai-se do quadro fático delineado no acórdão regional que o acidente sofrido pelo reclamante não guarda conexão com as funções por ele exercidas na reclamada, conquanto tenha ocorrido no trajeto do local de sua residência para o trabalho, em seu veículo particular. Desse modo, constatada a inexistência de culpa do empregador pelo acidente sofrido, não se há de falar em indenização por danos morais ao empregado. Estando o acórdão recorrido em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal, o conhecimento do recurso de revista esbarra no óbice da Súmula nº 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT. Recurso de revista não conhecido” (Processo: RR – 19100-44.2011.5.17.0005 Data de Julgamento: 15/08/2018, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/08/2018).

Segundo o art. 21, IV, d, da Lei 8.213/91, o acidente de percurso se equipara a acidente do trabalho, de forma que, satisfeitos os requisitos legais próprios, o empregado vítima de tal modalidade de acidente terá assegurada a estabilidade prevista no art. 118 da referida lei.

Nesse sentido, não se pode dizer que a norma previdenciária que disciplina o acidente de trajeto, equiparando-o ao acidente do trabalho, teria sido tacitamente revogada pelo § 2º do art. 58 da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/2017.

De fato, a nova redação do § 2º do art. 58 da CLT nada tem a ver com a equiparação prevista pelo art. 21, IV, da Lei 8.213/91, porquanto aquela disciplina tema de direito material do trabalho (tempo à disposição e horas in itinere), ao passo que esta última, tema de direito previdenciário (cobertura previdenciária mínima ao trabalhador, no trajeto casa-trabalho-casa, mediante o seguro acidentário obrigatório – ‘para efeitos desta lei’ – diz o caput do citado art. 21).

Isso tanto é verdade que, mesmo antes da reforma trabalhista, o tempo despendido pelo empregado no percurso casa-trabalho-casa, em veículo próprio ou transporte público, não era considerado tempo à disposição do empregador; mas ainda assim, a legislação já equiparava o acidente de trajeto (‘qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado’) ao acidente de trabalho, tudo a denotar que tal equiparação não tinha e não tem como pressuposto encontrar-se o empregado à disposição do empregador.

Nesse sentido, também é a súmula 378 do TST:

Súmula nº 378 do TST – ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. (inserido item III) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 – inserida em 01.10.1997). II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte – ex-OJ nº 230 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001). III – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91.

Ainda, há de se observar que, muito embora o dispositivo legal acima equipare o acidente de trajeto (in itinere) ao do trabalho, este procedimento se restringe para fins previdenciários, não tendo efeito no que atine à responsabilização civil do empregador.

Isso porque a reparação pecuniária por danos sofridos em razão de acidente de trabalho ou doença profissional decorre da responsabilidade prevista nos artigos 186 e 927 do Código Civil. O artigo 7º, XXVIII, da Carta Magna, por sua vez, estabelece ser direito de todos os trabalhadores, urbanos e rurais, o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.

Conclui-se, assim, que em ambas as situações o legislador constitucional e infraconstitucional consagrou a teoria da responsabilidade subjetiva.

Neste contexto, para que se caracterize a responsabilidade civil do empregador, é necessária a verificação da ocorrência, nesta ordem, do dano, do nexo causal entre este e o trabalho desenvolvido pelo empregado e, quando constatados os dois requisitos anteriores, a existência de culpa do empregador.

Assim, tem-se que a equiparação do acidente de trajeto com o infortúnio laboral possui finalidade meramente previdenciária, devendo ser emitido o CAT e o funcionário tem o direito à estabilidade acidentária prevista no art. 118 da Lei 8.213/91. Contudo, ainda há ausência dos requisitos necessários para a configuração da responsabilidade civil da empresa.