A morte e seus reflexos nas relações de emprego

A morte e seus reflexos nas relações de emprego. Para escrever sobre esse tema, convidei esta semana a colega Fabiane Vinhal Pereira. Ela é advogada especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO) e vice-coordenadora do Núcleo de Direito do Trabalho do IEAD.

Confira a íntegra do texto abaixo:

A morte é um assunto ainda pouco falado e pensado pela sociedade. Alguns até acreditam que falar sobre ela pode acabar “atraindo” o infortúnio, mas no cenário pandêmico tem sido cada vez mais comum, infelizmente, repensar a questão e suas consequências práticas na vida de milhares de pessoas.

Isso por que contabilizamos mais de meio milhão de mortes no Brasil pela COVID-19, sendo que só em Goiás somamos mais de 18 mil vítimas, trazendo como consequência, além da dor e do sofrimento de milhares de famílias, a extinção abrupta do contrato de trabalho, tanto por parte do empregador como por parte do empregado.

Primeiramente, devemos lembrar que a existência do contrato de trabalho, por se tratar de um negócio jurídico, está condicionada a existência de um agente capaz (art. 104, I do Código Civil) que presta serviços a um empregador de forma personalíssima, ou seja, pessoalmente, nos termos do art. 3º da CLT, não podendo, portanto, fazer-se substituir em suas atribuições. Logo, a consequência natural quando ocorre a morte do empregado é a extinção do contrato de trabalho, afinal a morte põe fim à existência da própria pessoa natural, impedindo, obviamente, a continuidade do vínculo de emprego.

Em decorrência da morte do empregado, surgem obrigações ao empregador que, embora, em regra, não tenha concorrido para o evento morte, deverá dar por rescindido o contrato de trabalho e pagar as verbas rescisórias devidas aos dependentes do falecido.

Por se tratar de uma modalidade de extinção do contrato de trabalho atípica, as verbas trabalhistas devidas pelo empregador não são as mesmas da dispensa sem justa causa, mas também não se restringem somente aquelas devidas quando há pedido de demissão.

Neste cenário, são devidas aos dependentes do empregado falecido: salário sobre os dias trabalhados antes do óbito, inclusive aqueles que estiverem em atraso; férias acrescidas de 1/3, que poderão ser integrais (se completado o período aquisitivo do empregado), em dobro (se não gozadas pelo empregado no tempo correto) ou ainda proporcionais ao tempo de serviço; e 13º salário integral ou proporcional. Também deverão ser entregues aos dependentes as guias para levantamento do fundo de garantia.

Ressaltamos ainda, que se o empregado, recebia outras verbas trabalhistas, tais como comissões sobre vendas, participação nos lucros e resultados da empresa, bem como horas extras, são devidos aos seus dependentes no ato de pagamento da rescisão contratual a percepção dos valores devidos até a data do óbito, devendo o empregador, inclusive, comprovar os meios e formas de apuração dos valores a serem pagos, uma vez que essas parcelas consistem em direito adquirido pelo obreiro durante a vigência do vínculo empregatício.

Não é devido o pagamento da multa de 40% sobre os depósitos fundiários, pois esta parcela visa recompensar o empregado em caso de despedida injusta, o que não ocorre em caso de morte do empregado. Também não haverá indenização do aviso prévio, pois, como previsto no art. 487, ela é devida quando a parte manifesta seu desejo em rescindir o contrato de trabalho, ou seja, quando uma das partes prevê e demonstra o desejo de rescindir o contrato, mas a morte é um fato imprevisível, sendo descabido, assim, a indenização do aviso prévio pelo empregador. Não obstante, se a morte do empregado for decorrente de acidente de trabalho, haverá incidência das referidas verbas.

Quanto ao pagamento dos valores devidos em virtude da extinção do contrato de trabalho pela morte do empregado é necessário frisar que eles deverão ser quitados até 10 dias após a morte, seguindo o mesmo prazo legal para pagamento de qualquer tipo de rescisão contratual, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 477 da CLT.

O pagamento deve ser realizado aos dependentes do empregado falecido, sendo que, a princípio, são considerados como dependentes aqueles habilitados perante a Previdência Social, como previsto no art. 1º, caput da Lei n. 6.858/1980, segundo certidão expedida diretamente pelo INSS. Todavia, se outras pessoas se apresentarem como dependentes, sem contudo, constarem da referida certidão, será necessário apresentar outra prova, tal como certidão de casamento ou união estável, certidão de nascimento ou alvará judicial reconhecendo essa qualidade.

Se ao empregador ainda restar dúvida para quem pagar as verbas rescisórias, este poderá ajuizar ação específica, denominada consignação de pagamento, para que em juízo seja verificado os reais dependentes do empregado falecido.

Quando, por outro lado, ocorre a morte do empregador, desde que a empresa permaneça em funcionamento, os empregados não sofrerão nenhuma alteração no seu contrato de trabalho, ou seja, a regra é a continuidade do vínculo de emprego com todas as obrigações trabalhistas dele decorrentes nos exatos moldes em que foram firmadas.

A exceção ocorre quando o empregador é uma pessoa física, muito comum entre os vínculos empregatícios com empresas constituídas sob o regime jurídico de empresa individual e entre os empregadores domésticos. Neste contexto, a morte do empregador, põe fim a atividade empresarial, se não houver interesse dos herdeiros em mantê-la, gerando automaticamente a extinção do contrato de trabalho.

Como consequência, o empregado possui direito as seguintes verbas rescisórias: saldo de salário e salários em atraso, se houver; férias integrais, proporcionais e em dobro, segundo as características do contrato; 13º salário integral ou proporcional; e levantamento do FGTS. Também será devido o aviso prévio, inclusive proporcional, por força expressa da lei e da jurisprudência, conforme art. 485 da CLT e Súmula 44 do TST.

Quanto ao pagamento da multa de 40% sobre o FGTS, há divergência de entendimento, porém tem prevalecido que a morte do empregador, quando encerrada a atividade empresarial, enseja o pagamento da referida verba.

Como exposto, a morte traz reflexos não só na vida de empregados, empregadores e seus familiares, mas também nas relações de emprego das quais estes fazem parte, sendo que se preparar para este infortúnio e efetuar o pagamento das verbas trabalhistas devidas é o mínimo que se pode fazer para minimizar as dores geradas por este momento tão delicado que, infelizmente, tem acometido milhares de lares brasileiros.