A justa causa na recusa do trabalhador em se imunizar contra a Covid-19

A coluna convidou, nesta semana, o colega Marco André Carvalho para escrever sobre a justa causa na recusa do trabalhador em se imunizar contra a Covid-19. Advogado trabalhista, ele também é especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Leia a íntegra do texto abaixo:

Marco André Carvalho

Há mais de um ano a pandemia da Covid-19, infelizmente, assola o mundo e reflete em todas as áreas da sociedade. Na esfera legal não é diferente, já que muitas alterações normativas se deram ao longo desse período no Brasil, buscando socorrer e amenizar os impactos da pandemia.

No Direito do Trabalho, diversas foram as Medidas Provisórias editadas, convertidas ou não em lei pelo processo legislativo, e, muitas incertezas entre empregador e empregado ocorreram nesse período. Após o período inicial e a aprovação de algumas vacinas pela ANVISA, com o início da vacinação no Brasil, uma nova incerteza surgiu: se o empregado se recusar a tomar a vacina, a empresa pode aplicar justa causa?

Essa é uma discussão de um tema nunca antes vivenciado, e é natural que gere incertezas tanto no jurisdicionado quanto aos juristas, principalmente se analisarmos os direitos fundamentais que estão circunscritos à obrigatoriedade ou não da vacinação, como: liberdade de tomar decisões (ainda que erradas) sobre a saúde ou o direito da nossa sociedade como um todo de se proteger contra esse mesmo tipo de decisão.

Na tentativa de solucionar esse tema, no início de fevereiro de 2021, o Ministério Público do Trabalho desenvolveu um Guia Técnico Interno sobre a vacinação da COVID-19, e um dos temas abordados discorria sobre a possibilidade da dispensa por justa causa do empregado que se recusasse a tomar a vacina.

É importante registrar que, a vacina é uma estratégia de sobrevivência coletiva cuja efetividade só é alcançada com a adesão de grande parte da sociedade. Dessa forma, a vontade individual não pode sopesar o interesse coletivo, sob pena de retirar a efetividade dos objetivos da própria vacinação, pois acima de qualquer responsabilidade legal, há uma responsabilidade moral da vacinação, tendo em vista que esta detém um aspecto relacional multidisciplinar que norteia a possibilidade de sobrevivência de nós como espécie e por consequência sociedade.

Dessa forma, o Guia orienta para que as empresas incluam o risco de contágio pela Covid-19 no seu Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), bem como a vacinação esteja abarcada no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). A obrigatoriedade do imunizante deve também estar de acordo com a disponibilidade de doses na região e com o Plano Nacional de Imunização.

Assim, a recusa injustificada do trabalhador de submeter-se à vacinação disponibilizada pelo poder público, desde que sem nenhum ônus financeiro a ele, somados à previsão no PCMSO e PPRA da empresa vislumbrando a necessidade de vacinação do empregado, podem caracterizar ato faltoso, e em última análise na aplicação da penalidade de justa causa.

A não imunização do empregado, em tese, só seria considerada justificada quando este provar, por exemplo, alergia aos componentes da vacina ou contraindicação médica, afastando a possibilidade de qualquer tipo de sanção por parte do empregador. Ou seja, é considerado motivo justo quando a vacina puder causar prejuízos à saúde do empregado, não sendo podendo ser motivo de sua recusa as convicções religiosas ou filosóficas.

Não havendo nenhuma justificativa para a não imunização, para a aplicação da dispensa por justa causa por recusa da vacina contra a Covid-19, seria necessário observar algumas orientações (tais quais no Guia), como a certeza de que este trabalhador tenha tido vasto acesso à informação acerca da importância da vacinação e sobre as consequências jurídicas da recusa.

Caso ainda haja insistência do trabalhador de forma injustificada, este deverá ser afastado do ambiente de trabalho (teletrabalho ou home office), sob pena de colocar em risco a imunização coletiva. Ademais, o empregador poderá aplicar sanções disciplinares (advertência e/ou suspensão), e só por último a penalidade justa causa, com fundamento no artigo 482, letra “h”, combinado com o artigo 158, II parágrafo único, alínea “a”, observando o interesse público, já que o valor a ser tutelado é a proteção da coletividade.

Os Tribunais já vêm se manifestando sobre o tema, em maio de 2021 a Justiça do Trabalho de São Paulo validou a dispensa por justa causa de uma auxiliar de limpeza que se recusou a ser imunizada contra a Covid-19. A decisão foi proferida na 2ª vara do Trabalho de São Caetano do Sul pela juíza Isabela Flaitt[1].

Nesse processo ficou claro que a empresa cumpriu a obrigação de informar seus empregados sobre como se proteger e evitar possíveis transmissões da doença e que não havia recusa justificada da trabalhadora para deixar de tomar o imunizante.

Assim, tanto o pedido de reversão de justa causa, como o pagamento das verbas decorrentes foram julgados totalmente improcedentes.

Em tempos de mudança e incertezas, é sempre melhor confiar na precaução e somente aplicar qualquer tipo de penalidade por justa causa por recusa injustificada à vacinação contra a Covid-19 quando todas as outras medidas e orientações forem devidamente tomadas.

O Direito do Trabalho é vivo, e, com certeza, já percebeu que as vacinas são uma das soluções para a saída dessa pandemia que nos assola e muito provavelmente adotará medidas radicais aos trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina e às empresas que deixarem de cumprir os protocolos de saúde e segurança do meio ambiente laboral.

[1]     O número do processo foi omitido para preservar a trabalhadora.