Reparação por trabalho escravo na Justiça Trabalhista é imprescritível, decide TST

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que é imprescritível a busca de reparação por casos de trabalho escravo que tramitam na Justiça do Trabalho. A decisão tem como base recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) a partir de ação civil pública ajuizada em 2020 pela instituição e pela Defensoria Pública da União (DPU) após o resgate de trabalhadora doméstica idosa em São Paulo. O julgamento ocorreu no último dia 18 e o acórdão foi publicado nesta sexta-feira (27).

Em junho de 2020, uma operação do MPT-SP com o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e com a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) resgatou a idosa, que trabalhava desde 1998 para uma família no bairro do Alto de Pinheiros. Segundo a denúncia recebida pelo Disque 100, a vítima era submetida por seus empregadores a agressão, maus tratos, constrangimento, tortura psíquica, violência patrimonial e exploração do trabalho. Uma das empregadoras foi presa no local.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT 2) rejeitou o argumento do MPT-SP de que é imprescritível o pedido de reparação trabalhista por submissão de trabalhadora doméstica a condições semelhantes à escravidão. O TRT 2 decidiu aplicar a prescrição quinquenal, ou seja, limitou a busca por direitos trabalhistas somente até os cinco anos anteriores ao pedido feito na Justiça do Trabalho. A regra está prevista no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.

No recurso de revista, o MPT ressalta que o reconhecimento da prescrição no caso dos autos projeta uma anuência a essa violação ao direito fundamental a não ser escravizado. A instituição relembra que o artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal prevê a proibição ao tratamento desumano ou degradante. “Além disso, a liberdade do indivíduo é direito fundamental que só pode sofrer restrição por parte do Estado através de um devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF). Não há autorização constitucional para restrição de liberdade em uma relação privada, o que inclui um vínculo de emprego”, destaca o MPT no recurso.

No acórdão, a ministra relatora Liana Chaib afirma que “aplicar prazos prescricionais trabalhistas a um indivíduo submetido a trabalho em condição análoga à escravidão seria como puni-lo duplamente, ou mesmo revitimizá-lo, anuindo a uma atitude criminosa e absolvendo aquele que violou direito fundamental absoluto”. “Não há argumento juridicamente sustentável para que a mais alta Corte trabalhista do país puna a vítima com um instituto processual que não foi criado para este propósito em nenhuma circunstância”, completa a ministra.

A decisão também destaca entendimento presente na Nota Técnica nº 02/2022, da Coordenadoria Nacional de Erradicação de Combate ao Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do MPT. No documento, o MPT afirma que a imprescritibilidade das pretensões decorrentes da escravidão moderna é uma das garantias mais importantes para a reparação de tal forma de violência. “É de enorme relevância tanto para a punição do empregador que explora, como para a recomposição para quem foi explorado, e, ainda, para a prevenção de novos casos, dado o efeito pedagógico que causa”.

O coordenador nacional da Conaete, Luciano Aragão, destaca que a decisão constitui importante avanço no combate ao trabalho escravo no país porque reconhece a imprescritibilidade do direito de requerer judicialmente a reparação dos danos individuais e coletivos decorrentes do trabalho escravo. “Isso significa que não se aplica a prescrição aos casos de trabalho escravo no Brasil. A qualquer tempo, a vítima de trabalho escravo ou os órgãos com legitimidade, inclusive o MPT, podem ajuizar ações pedindo a reparação dos danos”, explicou Aragão.

A decisão também determinou que os empregadores paguem indenização de R$ 200 mil por danos morais coletivos e R$ 100 mil pela condenação.

ADPF 1053

Em abril deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1053 no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que o crime de redução a condição análoga à escravidão seja considerado imprescritível. A ADPF foi elaborada com o apoio do MPT e segue em análise pelo ministro Nunes Marques.